O MENIR (Ad Argumentandum Tantum)

13-11-2018
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Francisco Seixas da Costa Eu presidia, nesse ano de 2001, à 2ª comissão (questões económicas e financeiras) da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A certo passo de uma das sessões, dei-me conta que estava inscrito para falar o meu colega e amigo, o embaixador brasileiro Gelson Fonseca. Provavelmente em inglês, dei-lhe a palavra. Qual não foi o meu espanto quando verifiquei que o diplomata brasileiro começou a falar... em espanhol! As línguas oficiais da ONU são seis: o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo. Os países de língua portuguesa têm como ambição colocar o português entre essas línguas oficiais, pelo que muitos de nós - mas esta é um regra não escrita, não formalizada, nem obrigatória para ninguém - optamos por não nos exprimir em espanhol, uma língua cuja similitude e aproximação com o português pode, de certo modo, enfraquecer aquele nosso objetivo. Acabada a fala de Gelson Fonseca, saiu-me, no meu melhor espanhol: "Agradeço ao distinto delegado do Uruguai a sua intervenção e passo a palavra ao orador seguinte, ...". O Gelson saltou na cadeira e esclareceu, em inglês, para o microfone: "Perdão, senhor presidente, eu sou o representante do Brasil!". Ao que eu retorqui, também em inglês: "Sou eu quem peço perdão, mas a forma tão correta como o distinto delegado do Brasil se exprime em castelhano levou-me a confundi-lo com um falante de uma das antigas colónias espanholas". A parte do auditório que percebeu a graça deu umas discretas risadas. O Gelson Fonseca "não se ficou", deu a volta à sala, subiu discretamente à tribuna e disse-me, com um ar divertido, esta coisa deliciosa: "Ó Francisco, você não percebeu! Na realidade, eu não falei espanhol, falei um "portuñol" com tantas expressões portuguesas "espanholizadas" que, no fundo, acabei quase por consagrar uma subliminar entrada do português como língua das Nações Unidas". O Gelson era e é um grande embaixador brasileiro. Registe-se que, por essa época, o Brasil não tinha, em relação à promoção da língua portuguesa à escala global, o empenhamento que hoje demonstra e, segundo julgo saber, os seus diplomatas eram mesmo estimulados a usar o espanhol. Nós não.


Francisco Seixas da Costa Eu presidia, nesse ano de 2001, à 2ª comissão (questões económicas e financeiras) da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A certo passo de uma das sessões, dei-me conta que estava inscrito para falar o meu colega e amigo, o embaixador brasileiro Gelson Fonseca. Provavelmente em inglês, dei-lhe a palavra. Qual não foi o meu espanto quando verifiquei que o diplomata brasileiro começou a falar... em espanhol! As línguas oficiais da ONU são seis: o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo. Os países de língua portuguesa têm como ambição colocar o português entre essas línguas oficiais, pelo que muitos de nós - mas esta é um regra não escrita, não formalizada, nem obrigatória para ninguém - optamos por não nos exprimir em espanhol, uma língua cuja similitude e aproximação com o português pode, de certo modo, enfraquecer aquele nosso objetivo. Acabada a fala de Gelson Fonseca, saiu-me, no meu melhor espanhol: "Agradeço ao distinto delegado do Uruguai a sua intervenção e passo a palavra ao orador seguinte, ...". O Gelson saltou na cadeira e esclareceu, em inglês, para o microfone: "Perdão, senhor presidente, eu sou o representante do Brasil!". Ao que eu retorqui, também em inglês: "Sou eu quem peço perdão, mas a forma tão correta como o distinto delegado do Brasil se exprime em castelhano levou-me a confundi-lo com um falante de uma das antigas colónias espanholas". A parte do auditório que percebeu a graça deu umas discretas risadas. O Gelson Fonseca "não se ficou", deu a volta à sala, subiu discretamente à tribuna e disse-me, com um ar divertido, esta coisa deliciosa: "Ó Francisco, você não percebeu! Na realidade, eu não falei espanhol, falei um "portuñol" com tantas expressões portuguesas "espanholizadas" que, no fundo, acabei quase por consagrar uma subliminar entrada do português como língua das Nações Unidas". O Gelson era e é um grande embaixador brasileiro. Registe-se que, por essa época, o Brasil não tinha, em relação à promoção da língua portuguesa à escala global, o empenhamento que hoje demonstra e, segundo julgo saber, os seus diplomatas eram mesmo estimulados a usar o espanhol. Nós não.

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