POLITEIA: O LIVRE E A SUA DEPUTADA

14-10-2019
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OS LIMITES DO POLITICAMENTE CORRECTO

Vivemos um tempo de profunda hipocrisia. Um tempo em que o
que todos vemos é exactamernte o contrário do que nos pretendem mostrar. Um tempo
em que o esbatimento das diferenças imposto pelo “politicamente correcto”, leva
nos casos extremos às maiores crueldades, sempre justificadas, mesmo quando não
são reconhecidas, apesar da sua evidência, por o comportamento que as dita se
julgar alicerçado numa superioridade moral, social e política, e se considerar completamente
indiferente às suas consequências tanto para aqueles cujas diferenças pretendem
esbater como para a sociedade em geral destinatária involuntária desses
comportamentos.  

Vem isto a propósito de Joacine Katar Moreira, eleita pelo círculo
de Lisboa, pelo Livre, como deputada à Assembleia da República nas últimas
eleições legislativas.

Se há uma actividade onde a palavra vale ouro, essa
actividade é a política, tal como hoje se faz. Dada a indiscutível
predominância dos meios de comunicação na política, os políticos esforçam-se por
tornar a sua voz sedutora, desde a tonalidade, à colocação, passando pelo
timbre e por uma dicção muito cuidada, de modo a torná-la mais agradável,
cativante, cientes de que a forma como se exprimem é tão, ou mais importante,
do que o conteúdo do que se exprime. E se há na política um lugar onde isso é mais
importante do que qualquer outro, um lugar onde os grandes dotes oratórios
valem ouro, esse lugar é o Parlamento.

Ora, o Livre e o Rui Tavares, como todos os sacerdotes do “politicamente
correcto” – a suprema hipocrisia da política – querem-nos convencer que aquelas
faculdades não têm nenhuma importância. E de facto nada haveria a dizer se um
partido abdica de fazer passar persuasivamente a sua mensagem por ter escolhido
uma pessoa com outras qualidades para ele tão ou mais importantes do que
aquelas.

Acontece, porém, que não é isso que se passa com Joacine
Katar Moreira. Nem jamais aqui se faria qualquer crítica por o Livre ao tê-la
escolhido haver prescindido do modo mais comum de fazer passar a sua mensagem. Pôr
as coisas nesses termos, seria, no caso concreto, juntar o utilitarismo à hipocrisia.
O que se passa é algo muito diferente. A deputada do Livre é portadora de uma enorme
deficiência da fala que praticamente a impede de se exprimir, tanto mais quanto
mais desesperadamente porfia fazê-lo.

É penoso, extremamente penoso, ver alguém cuja missão é transmitir
uma mensagem, permanentemente incapacitado de o fazer por força de uma
deficiência que parece insuperável por maior que seja a vontade e o esforço, já
não dizemos para a superar, mas para a atenuar.

A exibição pública permanente daquela enorme deficiência não
constitui da parte dos que a encarregam de falar em público, nem dos que a
escutam, um acto de humanidade que passa meritoriamente sobre a diferença como
se ela não existisse. Bem pelo contrário,  parece-me de profunda desumanidade aquela
permanente exibição de um inglório esforço físico e psíquico para tentar
superar o insuperável, como acontece com todos os comportamentos que vulgarizam
o sacrifício humano, auto ou hetero- infligido, qualquer que ele seja.

O que pretende o Livre quando expõe assim impiedosa e
permanentemente uma pessoa cuja deficiência inspira a mais nobre compaixão? Não
seria possível atribuir outras tarefas partidárias igualmente nobres a
Joacine que a poupassem a este sacrifício permanente e para quem a
escuta com a melhor boa vontade? Parece-me um comportamento cruel imposto pelo
politicamente correcto numa conjugação de factores aparentemente ideais para sublinhar a tal pretensa superioridade acima referida.

Por mais que o Livre nos queira convencer da justeza do seu
comportamento e por mais que eu me esforce por o tentar compreender, não posso
deixar de me lembrar, por mais que me queira esquecer, dos que, nos meus tempos
de criança, exibiam nas feiras e romarias populares os aleijões e as mais
terríveis deficiências de seres humanos num cortejo de desgraças e de miséria onde
à compaixão se aliava uma profunda repulsa de quem se tornava espectador involuntário
daquele penoso espectáculo.   

OS LIMITES DO POLITICAMENTE CORRECTO

Vivemos um tempo de profunda hipocrisia. Um tempo em que o
que todos vemos é exactamernte o contrário do que nos pretendem mostrar. Um tempo
em que o esbatimento das diferenças imposto pelo “politicamente correcto”, leva
nos casos extremos às maiores crueldades, sempre justificadas, mesmo quando não
são reconhecidas, apesar da sua evidência, por o comportamento que as dita se
julgar alicerçado numa superioridade moral, social e política, e se considerar completamente
indiferente às suas consequências tanto para aqueles cujas diferenças pretendem
esbater como para a sociedade em geral destinatária involuntária desses
comportamentos.  

Vem isto a propósito de Joacine Katar Moreira, eleita pelo círculo
de Lisboa, pelo Livre, como deputada à Assembleia da República nas últimas
eleições legislativas.

Se há uma actividade onde a palavra vale ouro, essa
actividade é a política, tal como hoje se faz. Dada a indiscutível
predominância dos meios de comunicação na política, os políticos esforçam-se por
tornar a sua voz sedutora, desde a tonalidade, à colocação, passando pelo
timbre e por uma dicção muito cuidada, de modo a torná-la mais agradável,
cativante, cientes de que a forma como se exprimem é tão, ou mais importante,
do que o conteúdo do que se exprime. E se há na política um lugar onde isso é mais
importante do que qualquer outro, um lugar onde os grandes dotes oratórios
valem ouro, esse lugar é o Parlamento.

Ora, o Livre e o Rui Tavares, como todos os sacerdotes do “politicamente
correcto” – a suprema hipocrisia da política – querem-nos convencer que aquelas
faculdades não têm nenhuma importância. E de facto nada haveria a dizer se um
partido abdica de fazer passar persuasivamente a sua mensagem por ter escolhido
uma pessoa com outras qualidades para ele tão ou mais importantes do que
aquelas.

Acontece, porém, que não é isso que se passa com Joacine
Katar Moreira. Nem jamais aqui se faria qualquer crítica por o Livre ao tê-la
escolhido haver prescindido do modo mais comum de fazer passar a sua mensagem. Pôr
as coisas nesses termos, seria, no caso concreto, juntar o utilitarismo à hipocrisia.
O que se passa é algo muito diferente. A deputada do Livre é portadora de uma enorme
deficiência da fala que praticamente a impede de se exprimir, tanto mais quanto
mais desesperadamente porfia fazê-lo.

É penoso, extremamente penoso, ver alguém cuja missão é transmitir
uma mensagem, permanentemente incapacitado de o fazer por força de uma
deficiência que parece insuperável por maior que seja a vontade e o esforço, já
não dizemos para a superar, mas para a atenuar.

A exibição pública permanente daquela enorme deficiência não
constitui da parte dos que a encarregam de falar em público, nem dos que a
escutam, um acto de humanidade que passa meritoriamente sobre a diferença como
se ela não existisse. Bem pelo contrário,  parece-me de profunda desumanidade aquela
permanente exibição de um inglório esforço físico e psíquico para tentar
superar o insuperável, como acontece com todos os comportamentos que vulgarizam
o sacrifício humano, auto ou hetero- infligido, qualquer que ele seja.

O que pretende o Livre quando expõe assim impiedosa e
permanentemente uma pessoa cuja deficiência inspira a mais nobre compaixão? Não
seria possível atribuir outras tarefas partidárias igualmente nobres a
Joacine que a poupassem a este sacrifício permanente e para quem a
escuta com a melhor boa vontade? Parece-me um comportamento cruel imposto pelo
politicamente correcto numa conjugação de factores aparentemente ideais para sublinhar a tal pretensa superioridade acima referida.

Por mais que o Livre nos queira convencer da justeza do seu
comportamento e por mais que eu me esforce por o tentar compreender, não posso
deixar de me lembrar, por mais que me queira esquecer, dos que, nos meus tempos
de criança, exibiam nas feiras e romarias populares os aleijões e as mais
terríveis deficiências de seres humanos num cortejo de desgraças e de miséria onde
à compaixão se aliava uma profunda repulsa de quem se tornava espectador involuntário
daquele penoso espectáculo.   

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