O tabu do socratismo, a ideologia do “pedronunismo” e o relançamento de Costa

25-05-2018
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Todos os dirigentes socialistas à Batalha: começa esta sexta-feira o 22º Congresso do PS, mais uma vez sob o suspense de eventuais comentários sobre José Sócrates, que já não pertence ao partido. António Costa lançará o próximo ciclo eleitoral. Pedro Nuno Santos vai posicionar-se ideologicamente e marcar terreno para o futuro. E a jota falará de prostituição. Um guia para perceber este fim-de-semana.

A expetativa sobre se alguém fala de Sócrates

Toda a gente vai estar à espera: alguém subirá ao palco para mencionar a palavra-tabu? Alguém pronunciará “Sócrates” no Congresso do PS? O fim de três anos de silêncio no partido sobre o processo do ex-primeiro-ministro, e os comentários adjetivados de dirigentes socialistas – “vergonha”, “raiva”, “desonra” – foi esvaziando o balão sobre o caso nas vésperas do Congresso. Não tivesse Sócrates acabado com o “embaraço mútuo” instalado entre si e o seu partido, tomando a decisão de se desfiliar, e o caso poderia ter-se dissipado.

Costa quis que o tema ficasse por ali. No passado dia 8, numa sessão de esclarecimento com militantes socialistas de Lisboa, defendeu que “não faz sentido que o nosso congresso do PS seja sobre o presente, mas sobre o futuro do nosso país” e quis evitar que o conclave se focasse “no drama de hoje (...) podendo antes concentrar-se no horizonte de médio e longo prazo”. Mas será difícil ignorar o elefante na sala. Até porque Sócrates não parece disposto a desaparecer: ainda esta quinta-feira o antigo primeiro-ministro deu uma entrevista à revista “Visão” em que, por entre uma longa lista de acusações, diz “lamentar que o PS se junte às vozes da direita numa condenação sem julgamento” e acusa o partido de ser “cúmplice dos abusos” de que diz ser alvo. Sobre António Costa, esclarece: a relação entre os dois há quatro anos que “não existe”.

Lapsos e outros embaraços

Mas Sócrates não é o único potencial “embaraço” com que Costa poderá de lidar no Congresso. O ex-ministro Manuel Pinho, que terá recebido dinheiro do GES quando já fazia parte do Governo de Sócrates, desencadeou a onda de reações no PS e não só, com os vários partidos a aproveitarem para agarrar o tema da corrupção.

Mas os problemas de Costa não se ficam pelos fantasmas do passado: no atual Governo, rebentaram os casos que envolvem o ministro Adjunto, Pedro Siza Vieira, que não só se encontrou com os chineses da China Three Gorges quando já estava no Governo - os mesmos que lançaram a OPA à EDP e que são clientes da sua antiga firma de advogados, a Linklaters - como esteve no Executivo durante dois meses enquanto era sócio-gerente de uma empresa, tendo agora alegado desconhecimento da lei… para um problema que, segundo a lei, deve ter a demissão como consequência. Costa passou o quinzenal a segurar o seu ministro - assegurando que não houve conflitos de interesses nem ilegalidades e que ninguém está “livre de lapsos” - mas o Ministério Público abriu uma investigação ao assunto.

Onde fica o PS: mais à esquerda, mais para o centro?

As semanas pré-Congresso acenderam o debate sobre a ideologia no PS, com os dois lados da barricada a definirem-se: Pedro Nuno Santos, que coordena a “geringonça” no Parlamento, é a cara da esquerda no partido; Augusto Santos Silva, atual ministro dos Negócios Estrangeiros, surge como uma figura que representa uma fação mais à direita ou, como o próprio define, mais “moderada”. Até porque, dizia o ministro ao Expresso no sábado passado, “o PS é a prova provada de que é possível ao centro esquerda ser o que é”, ou seja, manter pontes à esquerda (com a solução parlamentar apoiada no PCP e no BE) ou à direita (tendo já assinado acordos para temas de regime com Rui Rio).

Algures a meio da ponte estará António Costa, que mantém a ambiguidade - e por isso será também relevante perceber quais as referências que fará aos parceiros da esquerda, que não são referidos concretamente em nenhuma página da sua moção de estratégia.

marcos borga

E quem se posiciona para o próximo ciclo?

Quando se fala de futuro no PS, há um nome que parece incontornável: o de Pedro Nuno Santos, braço-direito de Costa no Parlamento e gestor da solução governativa, na qualidade de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. O governante que já assumiu, em entrevista ao Expresso, a dedicação absoluta ao partido - “a minha vida é o PS”, garantia em fevereiro - e é apontado como estando na linha de sucessão de Costa. Em entrevista ao “i” nesta quinta-feira, é um dos deputados mais à direita no PS, Ascenso Simões, que garante que o futuro do partido é o “pedronunismo”, corrente que apoiará quando chegar o seu tempo. Até porque, prosseguia na mesma entrevista, “ele quer mesmo ser secretário-geral e isso é muito importante”. Pois quer. Disse esta semana à Antena1 que no PS só lhe falta ser secretário-geral.

Foto António Pedro Ferreira

24 ideias (mais duas)

Não é fácil resumir os temas concretos a discutir no congresso socialista: é que, além das duas moções de estratégia global (a do secretário-geral, António Costa, e a do seu único opositor, Daniel Adrião), os militantes apresentaram 24 moções setoriais, ou seja, textos focados em assuntos mais específicos. Dentro deste leque cabem as de Pedro Nuno Santos - único governante a apresentar uma moção -, que defende uma redifinção do papel do Estado, devendo este ser, “na sua ação, um mecanismo de redistribuição de rendimentos e de proteção social, mas também de desenvolvimento e inovação socioeconómica”.

O líder da Juventude Socialista, Ivan Gonçalves, volta a um tema já emblemático dos jovens do PS, propondo a apresentação de iniciativas para legalizar e regulamentar a prostituição e, mostrando-se mais à esquerda do que a linha que tem sido seguida pelo partido, defende as 35 horas de trabalho semanais para todos os trabalhadores. Da discussão (curta, porque só se dedicarão duas horas ao debate sobre as moções), farão ainda parte temas como a reversão da privatização dos CTT ou a promoção da utilização de água da torneira para beber no Parlamento e demais entidades públicas.

Foto Rui Duarte Silva

O adeus a Soares e Arnaut

Desde o último conclave do PS, em 2016, desapareceram duas figuras chave do partido. Por isso, durante o congresso, haverá tempo para homenagear o fundador Mário Soares, que morreu a 7 de janeiro de 2017, e o presidente honorário do partido, António Arnaut, que morreu esta segunda-feira.

A homenagem a Mário Soares será logo o momento de abertura do evento, que arranca na sexta-feira, pelas 19h30, na Batalha. Depois falará António Costa, para a sua primeira intervenção de fundo no congresso.

De acordo com o programa do evento, haverá ainda um momento de evocação da vida e obra de Arnaut - conhecido como o pai do SNS - durante o fim de semana.

Todos os dirigentes socialistas à Batalha: começa esta sexta-feira o 22º Congresso do PS, mais uma vez sob o suspense de eventuais comentários sobre José Sócrates, que já não pertence ao partido. António Costa lançará o próximo ciclo eleitoral. Pedro Nuno Santos vai posicionar-se ideologicamente e marcar terreno para o futuro. E a jota falará de prostituição. Um guia para perceber este fim-de-semana.

A expetativa sobre se alguém fala de Sócrates

Toda a gente vai estar à espera: alguém subirá ao palco para mencionar a palavra-tabu? Alguém pronunciará “Sócrates” no Congresso do PS? O fim de três anos de silêncio no partido sobre o processo do ex-primeiro-ministro, e os comentários adjetivados de dirigentes socialistas – “vergonha”, “raiva”, “desonra” – foi esvaziando o balão sobre o caso nas vésperas do Congresso. Não tivesse Sócrates acabado com o “embaraço mútuo” instalado entre si e o seu partido, tomando a decisão de se desfiliar, e o caso poderia ter-se dissipado.

Costa quis que o tema ficasse por ali. No passado dia 8, numa sessão de esclarecimento com militantes socialistas de Lisboa, defendeu que “não faz sentido que o nosso congresso do PS seja sobre o presente, mas sobre o futuro do nosso país” e quis evitar que o conclave se focasse “no drama de hoje (...) podendo antes concentrar-se no horizonte de médio e longo prazo”. Mas será difícil ignorar o elefante na sala. Até porque Sócrates não parece disposto a desaparecer: ainda esta quinta-feira o antigo primeiro-ministro deu uma entrevista à revista “Visão” em que, por entre uma longa lista de acusações, diz “lamentar que o PS se junte às vozes da direita numa condenação sem julgamento” e acusa o partido de ser “cúmplice dos abusos” de que diz ser alvo. Sobre António Costa, esclarece: a relação entre os dois há quatro anos que “não existe”.

Lapsos e outros embaraços

Mas Sócrates não é o único potencial “embaraço” com que Costa poderá de lidar no Congresso. O ex-ministro Manuel Pinho, que terá recebido dinheiro do GES quando já fazia parte do Governo de Sócrates, desencadeou a onda de reações no PS e não só, com os vários partidos a aproveitarem para agarrar o tema da corrupção.

Mas os problemas de Costa não se ficam pelos fantasmas do passado: no atual Governo, rebentaram os casos que envolvem o ministro Adjunto, Pedro Siza Vieira, que não só se encontrou com os chineses da China Three Gorges quando já estava no Governo - os mesmos que lançaram a OPA à EDP e que são clientes da sua antiga firma de advogados, a Linklaters - como esteve no Executivo durante dois meses enquanto era sócio-gerente de uma empresa, tendo agora alegado desconhecimento da lei… para um problema que, segundo a lei, deve ter a demissão como consequência. Costa passou o quinzenal a segurar o seu ministro - assegurando que não houve conflitos de interesses nem ilegalidades e que ninguém está “livre de lapsos” - mas o Ministério Público abriu uma investigação ao assunto.

Onde fica o PS: mais à esquerda, mais para o centro?

As semanas pré-Congresso acenderam o debate sobre a ideologia no PS, com os dois lados da barricada a definirem-se: Pedro Nuno Santos, que coordena a “geringonça” no Parlamento, é a cara da esquerda no partido; Augusto Santos Silva, atual ministro dos Negócios Estrangeiros, surge como uma figura que representa uma fação mais à direita ou, como o próprio define, mais “moderada”. Até porque, dizia o ministro ao Expresso no sábado passado, “o PS é a prova provada de que é possível ao centro esquerda ser o que é”, ou seja, manter pontes à esquerda (com a solução parlamentar apoiada no PCP e no BE) ou à direita (tendo já assinado acordos para temas de regime com Rui Rio).

Algures a meio da ponte estará António Costa, que mantém a ambiguidade - e por isso será também relevante perceber quais as referências que fará aos parceiros da esquerda, que não são referidos concretamente em nenhuma página da sua moção de estratégia.

marcos borga

E quem se posiciona para o próximo ciclo?

Quando se fala de futuro no PS, há um nome que parece incontornável: o de Pedro Nuno Santos, braço-direito de Costa no Parlamento e gestor da solução governativa, na qualidade de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. O governante que já assumiu, em entrevista ao Expresso, a dedicação absoluta ao partido - “a minha vida é o PS”, garantia em fevereiro - e é apontado como estando na linha de sucessão de Costa. Em entrevista ao “i” nesta quinta-feira, é um dos deputados mais à direita no PS, Ascenso Simões, que garante que o futuro do partido é o “pedronunismo”, corrente que apoiará quando chegar o seu tempo. Até porque, prosseguia na mesma entrevista, “ele quer mesmo ser secretário-geral e isso é muito importante”. Pois quer. Disse esta semana à Antena1 que no PS só lhe falta ser secretário-geral.

Foto António Pedro Ferreira

24 ideias (mais duas)

Não é fácil resumir os temas concretos a discutir no congresso socialista: é que, além das duas moções de estratégia global (a do secretário-geral, António Costa, e a do seu único opositor, Daniel Adrião), os militantes apresentaram 24 moções setoriais, ou seja, textos focados em assuntos mais específicos. Dentro deste leque cabem as de Pedro Nuno Santos - único governante a apresentar uma moção -, que defende uma redifinção do papel do Estado, devendo este ser, “na sua ação, um mecanismo de redistribuição de rendimentos e de proteção social, mas também de desenvolvimento e inovação socioeconómica”.

O líder da Juventude Socialista, Ivan Gonçalves, volta a um tema já emblemático dos jovens do PS, propondo a apresentação de iniciativas para legalizar e regulamentar a prostituição e, mostrando-se mais à esquerda do que a linha que tem sido seguida pelo partido, defende as 35 horas de trabalho semanais para todos os trabalhadores. Da discussão (curta, porque só se dedicarão duas horas ao debate sobre as moções), farão ainda parte temas como a reversão da privatização dos CTT ou a promoção da utilização de água da torneira para beber no Parlamento e demais entidades públicas.

Foto Rui Duarte Silva

O adeus a Soares e Arnaut

Desde o último conclave do PS, em 2016, desapareceram duas figuras chave do partido. Por isso, durante o congresso, haverá tempo para homenagear o fundador Mário Soares, que morreu a 7 de janeiro de 2017, e o presidente honorário do partido, António Arnaut, que morreu esta segunda-feira.

A homenagem a Mário Soares será logo o momento de abertura do evento, que arranca na sexta-feira, pelas 19h30, na Batalha. Depois falará António Costa, para a sua primeira intervenção de fundo no congresso.

De acordo com o programa do evento, haverá ainda um momento de evocação da vida e obra de Arnaut - conhecido como o pai do SNS - durante o fim de semana.

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