A esquerda não moraliza o lucro

05-06-2020
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A esquerda não moraliza o lucro

Sempre que há uma polémica sobre o exemplo e a coerência dos políticos fico numa situação difícil: a de estar numa minúscula minoria impopular. Confesso que até gosto. A mim, interessam-me as políticas públicas. E dos políticos, para além do cumprimento da lei e da honestidade, interessa-me o que fazem com o seu cargo em nome do bem comum. Essa é a coerência que me interessa neles: governarem como prometeram. Por isso, é preciso muito para eu embarcar no moralismo reinante sobre as suas escolhas privadas. Geralmente tão mais histérico quanto maiores são os telhados de vidro de quem atira as pedras. Por isso defendi Passos Coelho quando foi o caso da segurança social ou Fernando Medina quando foi o caso da compra da casa. O moralismo no lugar da política mata a política. Isto é uma lição que nem sempre soube mas fui aprendendo.

A história de Ricardo Robles é aparentemente difícil para ele (e politicamente vai ser). O vereador que se tem batido contra os efeitos do processo de gentrificação da cidade provocado pela forte pressão especulativa foi notícia por ter realizado, há um ano, um negócio em que comprou um prédio em Alfama, negociou a saída dos moradores (em troca de compensações), reabilitou e pôs à venda (não chegou a vender) por um valor muitíssimo superior à compra. Estamos perante um caso de investimento especulativo, sem mácula legal. Mas indiscutivelmente especulativo. Não se conhece qualquer pressão indevida sobre os inquilinos, aproveitamento do cargo (a compra e remodelação é anterior às eleições) nem comportamento fora do que se considera aceitável para qualquer cidadão. O debate é sobre a coerência política.

A esquerda não se dedica à moralização dos interesses individuais dos investidores, mas à intervenção do Estado para regular os seus efeitos. A esquerda não procura santos, defende políticas públicas. A propósito do caso de Ricardo Robles, do moralismo que se mobilizou contra ele e da lição que o BE vai tirar disto.

A esquerda consequente concentra-se no papel que o Estado deve desempenhar na cidade ou no país. A esquerda defende políticas públicas que, por intervenção no mercado ou pela lei, limitem os efeitos perversos do funcionamento do mercado. Ao contrário da direita liberal, a esquerda não acredita que é o comportamento individual dos agentes económicos que regula a economia. Essa é exatamente a maior divergência que tem com o neoliberalismo dominante: a de que o mercado se equilibra naturalmente. Enquanto o neoliberalismo acredita que o interesse comum é garantido pela soma dos interesses privados, a esquerda acredita que a mera soma dos interesses privados prejudica o interesse comum. Uma boa imagem é a das regras de trânsito: se todos fizermos o que é melhor para nós o trânsito torna-se caótico e todos acabamos prejudicados. A não ser, claro, quem tenha um helicóptero. É por isso que a esquerda defende a intervenção do Estado no mercado. Isto que dizer que uma pessoa de esquerda coerente não acha que uma sociedade decente pode depender da vontade individual de cada agente económico. E não acredita no mecenato e na caridade como formas de garantir a justiça social.

Uma pessoa de esquerda não espera que os agentes do mercado pensem no bem comum. Porque os agentes do mercado não pensam no lucro por serem eticamente desprezíveis. Pensam no lucro porque é essa a sua natureza e isso não tem mal nenhum. Cabe ao Estado pensar pelo bem comum e ter instrumentos para reduzir o impacto negativo da consumação do interesse individual. Esse interesse individual está presente quando compramos e vendemos casas aos preços do mercado ou quando investimos o nosso dinheiro numa aplicação financeira. O papel do Estado é aquele que foi resumido numa exigência feita num texto escrito há muitos anos por Paulo Varela Gomes, na revista “Manifesto”, sobre o estacionamento: “Tirem os nossos carros de cima dos nossos passeios”.

A esquerda não moraliza o lucro

Sempre que há uma polémica sobre o exemplo e a coerência dos políticos fico numa situação difícil: a de estar numa minúscula minoria impopular. Confesso que até gosto. A mim, interessam-me as políticas públicas. E dos políticos, para além do cumprimento da lei e da honestidade, interessa-me o que fazem com o seu cargo em nome do bem comum. Essa é a coerência que me interessa neles: governarem como prometeram. Por isso, é preciso muito para eu embarcar no moralismo reinante sobre as suas escolhas privadas. Geralmente tão mais histérico quanto maiores são os telhados de vidro de quem atira as pedras. Por isso defendi Passos Coelho quando foi o caso da segurança social ou Fernando Medina quando foi o caso da compra da casa. O moralismo no lugar da política mata a política. Isto é uma lição que nem sempre soube mas fui aprendendo.

A história de Ricardo Robles é aparentemente difícil para ele (e politicamente vai ser). O vereador que se tem batido contra os efeitos do processo de gentrificação da cidade provocado pela forte pressão especulativa foi notícia por ter realizado, há um ano, um negócio em que comprou um prédio em Alfama, negociou a saída dos moradores (em troca de compensações), reabilitou e pôs à venda (não chegou a vender) por um valor muitíssimo superior à compra. Estamos perante um caso de investimento especulativo, sem mácula legal. Mas indiscutivelmente especulativo. Não se conhece qualquer pressão indevida sobre os inquilinos, aproveitamento do cargo (a compra e remodelação é anterior às eleições) nem comportamento fora do que se considera aceitável para qualquer cidadão. O debate é sobre a coerência política.

A esquerda não se dedica à moralização dos interesses individuais dos investidores, mas à intervenção do Estado para regular os seus efeitos. A esquerda não procura santos, defende políticas públicas. A propósito do caso de Ricardo Robles, do moralismo que se mobilizou contra ele e da lição que o BE vai tirar disto.

A esquerda consequente concentra-se no papel que o Estado deve desempenhar na cidade ou no país. A esquerda defende políticas públicas que, por intervenção no mercado ou pela lei, limitem os efeitos perversos do funcionamento do mercado. Ao contrário da direita liberal, a esquerda não acredita que é o comportamento individual dos agentes económicos que regula a economia. Essa é exatamente a maior divergência que tem com o neoliberalismo dominante: a de que o mercado se equilibra naturalmente. Enquanto o neoliberalismo acredita que o interesse comum é garantido pela soma dos interesses privados, a esquerda acredita que a mera soma dos interesses privados prejudica o interesse comum. Uma boa imagem é a das regras de trânsito: se todos fizermos o que é melhor para nós o trânsito torna-se caótico e todos acabamos prejudicados. A não ser, claro, quem tenha um helicóptero. É por isso que a esquerda defende a intervenção do Estado no mercado. Isto que dizer que uma pessoa de esquerda coerente não acha que uma sociedade decente pode depender da vontade individual de cada agente económico. E não acredita no mecenato e na caridade como formas de garantir a justiça social.

Uma pessoa de esquerda não espera que os agentes do mercado pensem no bem comum. Porque os agentes do mercado não pensam no lucro por serem eticamente desprezíveis. Pensam no lucro porque é essa a sua natureza e isso não tem mal nenhum. Cabe ao Estado pensar pelo bem comum e ter instrumentos para reduzir o impacto negativo da consumação do interesse individual. Esse interesse individual está presente quando compramos e vendemos casas aos preços do mercado ou quando investimos o nosso dinheiro numa aplicação financeira. O papel do Estado é aquele que foi resumido numa exigência feita num texto escrito há muitos anos por Paulo Varela Gomes, na revista “Manifesto”, sobre o estacionamento: “Tirem os nossos carros de cima dos nossos passeios”.

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