Benfica. A águia que queria ser dona do céu

22-05-2019
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Quando, no dia 19 de janeiro de 1936, o Benfica foi às Salésias e saiu de lá dobrado ao peso da derrota perante o Belenenses por 1-3, golos de Silva Marques, José Luís e Perfeito Rodrigues contrariados pelo solitário de Carlos Torres, muitos dos adeptos encarnados descreram da possibilidade de ver o seu clube conquistar a ii Edição do Campeonato Nacional. Estávamos apenas na segunda jornada, é certo, mas o Sporting parecia exibir uma tremenda plenitude, batendo o campeão em título, o FC Porto, na jornada inicial, por 3-2, e indo ao Carcavelinhos obter mais dois pontos (2-1).

Sabe-se como são aqueles que sofrem de forma irracional pelos seus emblemas. Como vão da depressão à euforia no espaço de uma semana, como vivem, domingo a domingo (agora também segundas, quartas, sextas e sábados e o diabo a quatro), com o coração nas mãos, como se andassem à procura da tristeza com medo de ser felizes. Ora, essa derrota do Benfica nas Salésias não deixou, é preciso dizê-lo, de provocar mossas no grupo comandado pelo húngaro Lipo Hertzka. Se tinham iniciado a prova com uma vitória sonora sobre o Vitória de Setúbal por 5-3, bateram-se como leões, na semana seguinte, no Campo do Ameal, mas não foram além de um empate (2-2), a despeito de terem adregado cedo uma vantagem de 2-0, por via dos golos de Vítor Silva (7 minutos) e Luís Xavier (15). Entretanto, com a goleada em Coimbra (6-0), o Sporting adiantava-se à concorrência.

Oito equipas participavam no campeonato da i Divisão da altura. Nessa época tínhamos, além de Benfica, Sporting, FC Porto e Belenenses, a Académica de Coimbra, o Vitória de Setúbal, o Boavista e o Carcavelinhos. Pois foi exatamente o Carcavelinhos que o Benfica recebeu na jornada número 4, nas Amoreiras. O conjunto revelava pouca afinação. A vitória foi suada como uma lagosta. Ao golo inicial do adversário (Oliveira e Silva, 19 minutos), uma rebeldia tomou conta dos benfiquistas, que viraram o marcador de pernas para o ar: Alberto Cardoso (21) e Vítor Silva (26).

Vítor Silva afirmava-se mais e mais como um virtuoso do drible e como um marcador de golos notável. Ganhava sem favores o seu lugar na lista larga dos maiores jogadores portugueses de sempre e na lista mais estreita das estrelas mais brilhantes da vida do Sport Lisboa e Benfica. Mas a impressionante veia goleadora do Sporting parecia imparável (4-1 ao Belenenses).

Abalo!!! A ronda seguinte foi uma daquelas que abalam campeonatos em toda a sua estrutura. Vitória do Benfica em Coimbra por 6-2; empate dos leões no campo do Boavista por 2-2. De repente, apenas dois pontos os separavam. E, em seguida, a águia visitava o Campo Grande.

No dia 1 de março, o Benfica fez no terreno do rival uma exibição de mão-cheia. No final do primeiro tempo, vencia por 2-1. Os golos de Raul Silva, na própria baliza (41 minutos), e do terrível avançado Alfredo Valadas (43) superavam o de Adolfo Mourão (45). Vítor Silva fez o 1-3 (55), Soeiro o 2-3 (76), e Valadas fechou a conta no 2-4 (89). Os dois rivais de Lisboa estavam agora ombro a ombro no comando, com nove pontos cada um. A primeira volta fecha-se com uma goleada ao Boavista (8-2) e o Benfica ganha vantagem na diferença de golos.

Há no futebol momentos inacreditáveis. A visita do Benfica ao Campo dos Arcos, em Setúbal, foi um sofrimento. Mais uma vez, os encarnados desperdiçam a vantagem de dois golos e cedem um empate (3-3). Só que, no Porto, o campeão puxou dos galões e, recebendo o Sporting, venceu os leões por abracadabrantes 10-1, com Carlos Nunes a assinar quatro golos, e Pinga três.

Ainda assim, a equipa de Hertzka não se isola e deixa-se apanhar pelo Belenenses. As coisas estão rijas. É um Belenenses de categoria, com Mariano Amaro, Bernardo Soares e Rafael Correia, que não se verga no campo do Benfica. O empate (0-0) não serve a ninguém. Faltam cinco jornadas para terminar a prova. Será, segundo tudo indica, disputada ao sprint.

O temível FC Porto que esmagara o Sporting daquela forma chocante apresentou-se nas Amoreiras, no dia 5 de abril, com a consciência de que só uma vitória lhe poderia reabrir as portas do título, o segundo consecutivo. Ah! Mas o Benfica esteve tonitruante como uma tempestade seca em tarde de primavera. Aos 12 minutos, já Carlos Torres assinara o 1-0; aos 14, foi a vez de Vítor Silva. A linha atacante, composta por Rogério de Sousa, Carlos Torres, Vítor Silva, Luís Xavier e Alfredo Valadas, arrepiava os cabelos do guarda-redes Romão e fazia comichões no sangue dos que se barricavam na sua frente: João Nova, Avelino Martins, Carlos Pereira e Carlos Alves. Por seu lado, Pinga, Lopes Carneiro e Waldemar Mota, todos eles goleadores eméritos, esbarravam na dureza de Gatinho, Francisco Albino, Gustavo Teixeira e Raul Baptista. Ao intervalo, 4-0, golos de Vítor Silva (25) e Carlos Torres (30, de penálti). Santos (75) e Luís Xavier (87) fecharam as contas em 5-1. Derrotado em casa pelo Vitória de Setúbal, o Belenenses caía dois pontos e deixava os encarnados confortavelmente sós.

Nova tranquibérnia. O Benfica empatou (0-0) na Tapadinha e o Sporting, vencendo nas Salésias (2-1), apanha o rival no primeiro posto. É preciso cerrar os dentes. Na jornada 12, leões e dragões saciam a fome (ambos vencem por 9-1, respetivamente o Boavista e o Belenenses). O Benfica cumpre a sua tarefa (3-1 à Académica).

A penúltima jornada é decisiva. Nas Amoreiras, no dia 26 de abril, o Benfica e o Sporting defrontam-se. O Benfica é melhor, mais compacto, e conta com um homem inspirado, Alfredo Valadas, o homem do pontapé fulminante. Marca três golos (32, 55 e 62 minutos) e o leão responde com o tento solitário de Francisco Lopes (59). O público festeja como se já sentisse correr pelas veias o fluir do primeiro título de campeão nacional. Mas apenas dois pontos levam a melhor sobre Sporting e FC Porto. Tudo se transformará num drama de final vermelho--vivo. O FC Porto bate o Carcavelinhos (1-0) e o Sporting perde escandalosamente em Setúbal (2-3). No Estádio do Lima, o Benfica perdia por 1-2 aos 55 minutos. Aos 60, Luís Xavier empata. Cândido Tavares aguenta firme a sua baliza. O título está seguro. O povo benfiquista sai todo para a rua. A história começava a ser feita. Era o primeiro de 37.

Quando, no dia 19 de janeiro de 1936, o Benfica foi às Salésias e saiu de lá dobrado ao peso da derrota perante o Belenenses por 1-3, golos de Silva Marques, José Luís e Perfeito Rodrigues contrariados pelo solitário de Carlos Torres, muitos dos adeptos encarnados descreram da possibilidade de ver o seu clube conquistar a ii Edição do Campeonato Nacional. Estávamos apenas na segunda jornada, é certo, mas o Sporting parecia exibir uma tremenda plenitude, batendo o campeão em título, o FC Porto, na jornada inicial, por 3-2, e indo ao Carcavelinhos obter mais dois pontos (2-1).

Sabe-se como são aqueles que sofrem de forma irracional pelos seus emblemas. Como vão da depressão à euforia no espaço de uma semana, como vivem, domingo a domingo (agora também segundas, quartas, sextas e sábados e o diabo a quatro), com o coração nas mãos, como se andassem à procura da tristeza com medo de ser felizes. Ora, essa derrota do Benfica nas Salésias não deixou, é preciso dizê-lo, de provocar mossas no grupo comandado pelo húngaro Lipo Hertzka. Se tinham iniciado a prova com uma vitória sonora sobre o Vitória de Setúbal por 5-3, bateram-se como leões, na semana seguinte, no Campo do Ameal, mas não foram além de um empate (2-2), a despeito de terem adregado cedo uma vantagem de 2-0, por via dos golos de Vítor Silva (7 minutos) e Luís Xavier (15). Entretanto, com a goleada em Coimbra (6-0), o Sporting adiantava-se à concorrência.

Oito equipas participavam no campeonato da i Divisão da altura. Nessa época tínhamos, além de Benfica, Sporting, FC Porto e Belenenses, a Académica de Coimbra, o Vitória de Setúbal, o Boavista e o Carcavelinhos. Pois foi exatamente o Carcavelinhos que o Benfica recebeu na jornada número 4, nas Amoreiras. O conjunto revelava pouca afinação. A vitória foi suada como uma lagosta. Ao golo inicial do adversário (Oliveira e Silva, 19 minutos), uma rebeldia tomou conta dos benfiquistas, que viraram o marcador de pernas para o ar: Alberto Cardoso (21) e Vítor Silva (26).

Vítor Silva afirmava-se mais e mais como um virtuoso do drible e como um marcador de golos notável. Ganhava sem favores o seu lugar na lista larga dos maiores jogadores portugueses de sempre e na lista mais estreita das estrelas mais brilhantes da vida do Sport Lisboa e Benfica. Mas a impressionante veia goleadora do Sporting parecia imparável (4-1 ao Belenenses).

Abalo!!! A ronda seguinte foi uma daquelas que abalam campeonatos em toda a sua estrutura. Vitória do Benfica em Coimbra por 6-2; empate dos leões no campo do Boavista por 2-2. De repente, apenas dois pontos os separavam. E, em seguida, a águia visitava o Campo Grande.

No dia 1 de março, o Benfica fez no terreno do rival uma exibição de mão-cheia. No final do primeiro tempo, vencia por 2-1. Os golos de Raul Silva, na própria baliza (41 minutos), e do terrível avançado Alfredo Valadas (43) superavam o de Adolfo Mourão (45). Vítor Silva fez o 1-3 (55), Soeiro o 2-3 (76), e Valadas fechou a conta no 2-4 (89). Os dois rivais de Lisboa estavam agora ombro a ombro no comando, com nove pontos cada um. A primeira volta fecha-se com uma goleada ao Boavista (8-2) e o Benfica ganha vantagem na diferença de golos.

Há no futebol momentos inacreditáveis. A visita do Benfica ao Campo dos Arcos, em Setúbal, foi um sofrimento. Mais uma vez, os encarnados desperdiçam a vantagem de dois golos e cedem um empate (3-3). Só que, no Porto, o campeão puxou dos galões e, recebendo o Sporting, venceu os leões por abracadabrantes 10-1, com Carlos Nunes a assinar quatro golos, e Pinga três.

Ainda assim, a equipa de Hertzka não se isola e deixa-se apanhar pelo Belenenses. As coisas estão rijas. É um Belenenses de categoria, com Mariano Amaro, Bernardo Soares e Rafael Correia, que não se verga no campo do Benfica. O empate (0-0) não serve a ninguém. Faltam cinco jornadas para terminar a prova. Será, segundo tudo indica, disputada ao sprint.

O temível FC Porto que esmagara o Sporting daquela forma chocante apresentou-se nas Amoreiras, no dia 5 de abril, com a consciência de que só uma vitória lhe poderia reabrir as portas do título, o segundo consecutivo. Ah! Mas o Benfica esteve tonitruante como uma tempestade seca em tarde de primavera. Aos 12 minutos, já Carlos Torres assinara o 1-0; aos 14, foi a vez de Vítor Silva. A linha atacante, composta por Rogério de Sousa, Carlos Torres, Vítor Silva, Luís Xavier e Alfredo Valadas, arrepiava os cabelos do guarda-redes Romão e fazia comichões no sangue dos que se barricavam na sua frente: João Nova, Avelino Martins, Carlos Pereira e Carlos Alves. Por seu lado, Pinga, Lopes Carneiro e Waldemar Mota, todos eles goleadores eméritos, esbarravam na dureza de Gatinho, Francisco Albino, Gustavo Teixeira e Raul Baptista. Ao intervalo, 4-0, golos de Vítor Silva (25) e Carlos Torres (30, de penálti). Santos (75) e Luís Xavier (87) fecharam as contas em 5-1. Derrotado em casa pelo Vitória de Setúbal, o Belenenses caía dois pontos e deixava os encarnados confortavelmente sós.

Nova tranquibérnia. O Benfica empatou (0-0) na Tapadinha e o Sporting, vencendo nas Salésias (2-1), apanha o rival no primeiro posto. É preciso cerrar os dentes. Na jornada 12, leões e dragões saciam a fome (ambos vencem por 9-1, respetivamente o Boavista e o Belenenses). O Benfica cumpre a sua tarefa (3-1 à Académica).

A penúltima jornada é decisiva. Nas Amoreiras, no dia 26 de abril, o Benfica e o Sporting defrontam-se. O Benfica é melhor, mais compacto, e conta com um homem inspirado, Alfredo Valadas, o homem do pontapé fulminante. Marca três golos (32, 55 e 62 minutos) e o leão responde com o tento solitário de Francisco Lopes (59). O público festeja como se já sentisse correr pelas veias o fluir do primeiro título de campeão nacional. Mas apenas dois pontos levam a melhor sobre Sporting e FC Porto. Tudo se transformará num drama de final vermelho--vivo. O FC Porto bate o Carcavelinhos (1-0) e o Sporting perde escandalosamente em Setúbal (2-3). No Estádio do Lima, o Benfica perdia por 1-2 aos 55 minutos. Aos 60, Luís Xavier empata. Cândido Tavares aguenta firme a sua baliza. O título está seguro. O povo benfiquista sai todo para a rua. A história começava a ser feita. Era o primeiro de 37.

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