PS corrige: afinal não quer criminalizar sexo entre adultos e menores dos 14 aos 16

10-07-2019
marcar artigo

Proposta entrada nesta quarta-feira continha aquilo que os deputados agora assumem como "lapso", tendo o grupo parlamentar apresentado nova versão do projeto. Foi notícia do DN que chamou a atenção para o facto.

Filipe Neto Brandão © João Girão/Global Imagens

O grupo parlamentar do PS assumiu um "lapso" no projeto de lei N.º 1239/XIII, que apresentou na quarta-feira, com o objetivo de proceder "ao reforço do quadro sancionatório e processual em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores", e substituiu o texto do mesmo. Ao DN, o deputado Filipe Neto Brandão, primeiro signatário do diploma, disse "ter sido detetada uma discrepância entre a exposição de motivos e o articulado." Assim, "eliminou-se esse lapso fazendo corresponder a exposição de motivos ao articulado."

Uma versão corrigida do projeto de lei figura desde meio da tarde desta quinta-feira no site do parlamento, em substituição da que dera entrada no parlamento nesta quarta-feira e que propunha, na exposição de motivos, a alteração do crime de atos sexuais com adolescentes em dois pontos: transformando-o num crime público e "no sentido de eliminar definitivamente a referência ao "abuso da inexperiência" como elemento do tipo". Essa alteração ao crime foi noticiada pelo DN no início da noite desta quarta-feira.

Tal mudança do tipo criminal, como descrita na exposição de motivos da primeira versão do projeto de lei, e que não se encontrava no elenco que o projeto faz da nova redação dos vários artigos alterados -- facto que o DN assinalou em segunda notícia, publicada no início desta quinta-feira --, implicaria a criminalização de qualquer ato sexual (incluindo beijos, afagos e outros atos classificados como "ato sexual de relevo") entre um adulto, ou seja, alguém de 18 ou mais anos, e uma pessoa entre os 14 e os 16 -- o qual poderia, em virtude de o crime passar a ser público, ser denunciado às autoridades por qualquer pessoa.

Na noite de quarta-feira, a deputada Susana Amador reiterou ao DN a intenção do projeto de "remover o requisito da inexperiência" do crime; agora o primeiro signatário do projeto diz que a deputada "fez confusão"

Dada a relevância dessa alteração, o DN procurou, na noite de quarta-feira, obter esclarecimentos junto dos principais signatários da proposta. Filipe Neto Brandão, o primeiro signatário, remeteu, alegando "estar quase sem bateria no telefone", para os dois seguintes - Pedro Delgado Alves e Susana Amador.

O primeiro assumiu que a não coincidência entre o constante na exposição de motivos e as propostas de redação seria "com certeza um lapso" mas perante a insistência do DN em tentar perceber se efetivamente o PS queria propor o que estava na exposição de motivos e porquê e se havia a consciência de que tal implicaria uma alteração daquilo que é denominado por "idade do consentimento" (e que se considera estar fixado, no ordenamento jurídico português e para os atos sexuais, nos 14 anos), afirmou que resultava da transposição de uma diretiva europeia e remeteu para Susana Amador.

Susana Amador, questionada nos mesmos termos, disse que ia ver o que se passava e esclareceria de seguida, tendo mais tarde enviado uma mensagem de texto em que reiterava: "O que se pretende é apertar este tipo de situação removendo o requisito da inexperiência e conferir graduações diferentes (14-16)." A deputada afirmava ainda: "Temos de ver a Decisão Quadro 2004/68 do Conselho [da Europa] de onde decorrem também estas alterações para clarificar o assunto." E remetia mais esclarecimentos para o dia seguinte: "Amanhã vemos melhor."

A "confusão" e a "vontade legiferante do PS"

Ora na manhã desta quinta-feira o principal signatário do projeto de lei, o deputado Filipe Neto Brandão, que, como já referido, o DN contactou ontem e remeteu esclarecimentos para os colegas, escreveu na sua página de Facebook: "O DN publica hoje um incendiário artigo sobre as supostas implicações e consequências das alterações ao artigo 173 do Código Penal que um Projeto-lei apresentado pelo GPPS se proporia introduzir. Um pequeno problema apenas com essa notícia: o GPPS não propôs qualquer alteração ao artigo 173 do Código Penal. "Não deixe que a realidade atrapalhe uma boa notícia" parece ser o mote de alguns jornalistas..."

Questionado por uma leitora, nos comentários ao post, sobre qual seria o erro da notícia, já que de facto a exposição de motivos no projeto de lei propõe o que o jornal referia, Filipe Neto Brandão respondeu citando uma penalista ouvida pelo DN para o artigo em questão: "A exposição de motivos de um projeto de lei vale zero." E acrescentou: "Se não se propõe uma redação para o artigo não há proposta. Assim, entre uma discrepância entre a exposição de motivos e o articulado (discrepância que simplesmente terá passado despercebida) não há a menor dúvida que prevalece o articulado (...). Quanto às intenções, reitero o que atrás pensei ter já dito: o que se pretende alterar é o que se propõe alterar e isso consta apenas do articulado. Como calculará um PJL [projeto de lei] circula por várias mãos que prestam óbvia e especial atenção ao que é proposto, ou seja, ao articulado. Na exposição de motivos, redigida a final, isso, pura e simplesmente, passou despercebido. As intenções pretendidas estão no articulado e só no articulado. Ou seja, para ser explícito, a discrepância/lapso despercebido não está seguramente no articulado. O que se quis está no articulado."

"Um PJL [projeto de lei] circula por várias mãos que prestam óbvia e especial atenção ao que é proposto, ou seja, ao articulado. Na exposição de motivos, redigida a final, isso, pura e simplesmente, passou despercebido."

Confrontado pelo DN com a resposta dada sobre o assunto pela colega Susana Amador, e na qual, como já referido, esta reiterava a intenção expressa na exposição de motivos - "remover o requisito da inexperiência" --, "Filipe Neto Brandão manifesta-se surpreendido: "A Susana só pode ter feito confusão. A vontade legiferante do PS é a consta do articulado."

Uma "confusão" que agora o grupo parlamentar veio desfazer alterando o projeto de lei e mantendo apenas uma das alterações referidas na anterior exposição de motivos em relação ao crime Atos sexuais com adolescentes: a de propor que este passe a ser crime público. Na exposição de motivos lê-se agora: "É também alterado o crime de atos sexuais com adolescentes no sentido de ser conferido a este crime caráter público."

Alteração que no entender da deputada Sandra Cunha, do BE, surge como uma "incoerência": "É interessante ver esta incoerência do grupo parlamentar do PS, ao propor que o crime de Atos sexuais com adolescentes passe a ser público quando votaram contra a nossa proposta de conferir caráter público ao crime de violação." Em todo o caso, acrescenta, "este projeto de lei do PS já não será discutido nesta legislatura, não há tempo para tal."

O DN contactou, esta quinta-feira, por SMS, a deputada Susana Amador para pedir um esclarecimento em relação ao que a deputada ontem disse ao jornal e como se coaduna com a nova versão do projeto de lei. Amador explicou que se estava a basear numa versão anterior do projeto quando respondeu ao DN.

NOTA: notícia alterada às 19.35, para acrescentar a resposta de Susana Amador.

Proposta entrada nesta quarta-feira continha aquilo que os deputados agora assumem como "lapso", tendo o grupo parlamentar apresentado nova versão do projeto. Foi notícia do DN que chamou a atenção para o facto.

Filipe Neto Brandão © João Girão/Global Imagens

O grupo parlamentar do PS assumiu um "lapso" no projeto de lei N.º 1239/XIII, que apresentou na quarta-feira, com o objetivo de proceder "ao reforço do quadro sancionatório e processual em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores", e substituiu o texto do mesmo. Ao DN, o deputado Filipe Neto Brandão, primeiro signatário do diploma, disse "ter sido detetada uma discrepância entre a exposição de motivos e o articulado." Assim, "eliminou-se esse lapso fazendo corresponder a exposição de motivos ao articulado."

Uma versão corrigida do projeto de lei figura desde meio da tarde desta quinta-feira no site do parlamento, em substituição da que dera entrada no parlamento nesta quarta-feira e que propunha, na exposição de motivos, a alteração do crime de atos sexuais com adolescentes em dois pontos: transformando-o num crime público e "no sentido de eliminar definitivamente a referência ao "abuso da inexperiência" como elemento do tipo". Essa alteração ao crime foi noticiada pelo DN no início da noite desta quarta-feira.

Tal mudança do tipo criminal, como descrita na exposição de motivos da primeira versão do projeto de lei, e que não se encontrava no elenco que o projeto faz da nova redação dos vários artigos alterados -- facto que o DN assinalou em segunda notícia, publicada no início desta quinta-feira --, implicaria a criminalização de qualquer ato sexual (incluindo beijos, afagos e outros atos classificados como "ato sexual de relevo") entre um adulto, ou seja, alguém de 18 ou mais anos, e uma pessoa entre os 14 e os 16 -- o qual poderia, em virtude de o crime passar a ser público, ser denunciado às autoridades por qualquer pessoa.

Na noite de quarta-feira, a deputada Susana Amador reiterou ao DN a intenção do projeto de "remover o requisito da inexperiência" do crime; agora o primeiro signatário do projeto diz que a deputada "fez confusão"

Dada a relevância dessa alteração, o DN procurou, na noite de quarta-feira, obter esclarecimentos junto dos principais signatários da proposta. Filipe Neto Brandão, o primeiro signatário, remeteu, alegando "estar quase sem bateria no telefone", para os dois seguintes - Pedro Delgado Alves e Susana Amador.

O primeiro assumiu que a não coincidência entre o constante na exposição de motivos e as propostas de redação seria "com certeza um lapso" mas perante a insistência do DN em tentar perceber se efetivamente o PS queria propor o que estava na exposição de motivos e porquê e se havia a consciência de que tal implicaria uma alteração daquilo que é denominado por "idade do consentimento" (e que se considera estar fixado, no ordenamento jurídico português e para os atos sexuais, nos 14 anos), afirmou que resultava da transposição de uma diretiva europeia e remeteu para Susana Amador.

Susana Amador, questionada nos mesmos termos, disse que ia ver o que se passava e esclareceria de seguida, tendo mais tarde enviado uma mensagem de texto em que reiterava: "O que se pretende é apertar este tipo de situação removendo o requisito da inexperiência e conferir graduações diferentes (14-16)." A deputada afirmava ainda: "Temos de ver a Decisão Quadro 2004/68 do Conselho [da Europa] de onde decorrem também estas alterações para clarificar o assunto." E remetia mais esclarecimentos para o dia seguinte: "Amanhã vemos melhor."

A "confusão" e a "vontade legiferante do PS"

Ora na manhã desta quinta-feira o principal signatário do projeto de lei, o deputado Filipe Neto Brandão, que, como já referido, o DN contactou ontem e remeteu esclarecimentos para os colegas, escreveu na sua página de Facebook: "O DN publica hoje um incendiário artigo sobre as supostas implicações e consequências das alterações ao artigo 173 do Código Penal que um Projeto-lei apresentado pelo GPPS se proporia introduzir. Um pequeno problema apenas com essa notícia: o GPPS não propôs qualquer alteração ao artigo 173 do Código Penal. "Não deixe que a realidade atrapalhe uma boa notícia" parece ser o mote de alguns jornalistas..."

Questionado por uma leitora, nos comentários ao post, sobre qual seria o erro da notícia, já que de facto a exposição de motivos no projeto de lei propõe o que o jornal referia, Filipe Neto Brandão respondeu citando uma penalista ouvida pelo DN para o artigo em questão: "A exposição de motivos de um projeto de lei vale zero." E acrescentou: "Se não se propõe uma redação para o artigo não há proposta. Assim, entre uma discrepância entre a exposição de motivos e o articulado (discrepância que simplesmente terá passado despercebida) não há a menor dúvida que prevalece o articulado (...). Quanto às intenções, reitero o que atrás pensei ter já dito: o que se pretende alterar é o que se propõe alterar e isso consta apenas do articulado. Como calculará um PJL [projeto de lei] circula por várias mãos que prestam óbvia e especial atenção ao que é proposto, ou seja, ao articulado. Na exposição de motivos, redigida a final, isso, pura e simplesmente, passou despercebido. As intenções pretendidas estão no articulado e só no articulado. Ou seja, para ser explícito, a discrepância/lapso despercebido não está seguramente no articulado. O que se quis está no articulado."

"Um PJL [projeto de lei] circula por várias mãos que prestam óbvia e especial atenção ao que é proposto, ou seja, ao articulado. Na exposição de motivos, redigida a final, isso, pura e simplesmente, passou despercebido."

Confrontado pelo DN com a resposta dada sobre o assunto pela colega Susana Amador, e na qual, como já referido, esta reiterava a intenção expressa na exposição de motivos - "remover o requisito da inexperiência" --, "Filipe Neto Brandão manifesta-se surpreendido: "A Susana só pode ter feito confusão. A vontade legiferante do PS é a consta do articulado."

Uma "confusão" que agora o grupo parlamentar veio desfazer alterando o projeto de lei e mantendo apenas uma das alterações referidas na anterior exposição de motivos em relação ao crime Atos sexuais com adolescentes: a de propor que este passe a ser crime público. Na exposição de motivos lê-se agora: "É também alterado o crime de atos sexuais com adolescentes no sentido de ser conferido a este crime caráter público."

Alteração que no entender da deputada Sandra Cunha, do BE, surge como uma "incoerência": "É interessante ver esta incoerência do grupo parlamentar do PS, ao propor que o crime de Atos sexuais com adolescentes passe a ser público quando votaram contra a nossa proposta de conferir caráter público ao crime de violação." Em todo o caso, acrescenta, "este projeto de lei do PS já não será discutido nesta legislatura, não há tempo para tal."

O DN contactou, esta quinta-feira, por SMS, a deputada Susana Amador para pedir um esclarecimento em relação ao que a deputada ontem disse ao jornal e como se coaduna com a nova versão do projeto de lei. Amador explicou que se estava a basear numa versão anterior do projeto quando respondeu ao DN.

NOTA: notícia alterada às 19.35, para acrescentar a resposta de Susana Amador.

marcar artigo