TRANSMONTAR: Autarquias e despesa publica

22-03-2019
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As Autarquias e a Despesa PúblicaAcompanho e aprecio a "retórica argumentativa" empregue pela Tempestade Cerebral. Olha a realidade com filtros económico-financeiros e sabe, como poucos, fazer chegar ao leitor comum as demonstrações, por vezes complexas, da "mecânica" da economia aplicada. É a Brainstorm que quero homenagear, fornecendo-lhe mais este exemplo da vida real e a oportunidade de o "trabalhar".Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu, anunciou a instalação de um funicular nesta cidade (o reflexo imitação, evidenciado em projectos-bandeira, condiciona grande parte dos planos de actividades dos municípios portugueses. Mirandela quis "colocar-se no mapa" à custa do projecto metro de superfície que se orgulhava de ter executado por ultrapassagem operada ao Porto, incubadora de tal ideia; daquela nossa cidade foi "exportada" tal solução para Coimbra, muito por força da migração do candidato autárquico que nos deixou para tentar nova experiência na "rainha do Mondego". Viseu, metrópole complexada, falhou o EURO '04, mas, não obstante, saciou ânsias de protagonismo no seu Fontelo; já aderira à moda dos pavilhões multiusos, oriunda da Lisboa oriental e não está só nesta opção muito fashion; ao Porto vai buscar a escolha mais recente, da qual nos ocupamos por agora. Espera-se e deseja-se que a emenda seja melhor que o soneto). Este é coiso - podia ser teleférico, como na Penha ou elevador, como no Castelo de S. Jorge - para orçar os € 4.800.000 (!?!...) e está previsto que opere ao longo de um percurso de 400 metros (€ 12.000 / m). Prevê-se que o preço dos bilhetes será "quase simbólico", pois "não andará além dos 40 ou 50 cêntimos" (9,6 a 12 milhões de passageiros para pagar o investimento, sem contar com os custos operacionais!).A montagem financeira de cobertura da operação estruturou-se do seguinte modo: 70% (€ 3.360.000) do investimento total (ou despesa completa?) serão assumidos pela União Europeia (UE); dos restantes 30% (€ 1.440.000), o Estado desembolsa 60% (€ 864.000) e à Câmara caberá liquidar os remanescentes 40% (€ 576.000), equivalentes a 12% do custo total do projecto.Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, economista, não se cansa de apregoar, com razão, como parece provar-se, que os municípios são responsáveis por 15 % do investimento público e por apenas 2% da dívida nacional. Mas esta falácia "milagreira", que tanto tem rendido em veneração e respeito subalterno à máfia do municipalismo (interpretação livre do pensamento da senhora Procuradora do Ministério Público, Drª Maria José Morgado), não resiste a estas desmontagens. O venturoso investimento autárquico não goza de nenhuma obscura alavanca económica de efeito multiplicador, mas vive, isso sim, de uma condição de privilégio - inconfessado, injustificado e indesejável - que lhe rende fama e proveito líquidos e lhe permite a delegação de encargos e responsabilidades próprios em instâncias terceiras, UE e Administração Central, num exercício tolerado de titularização da despesa.A geringonça entrará ao serviço em 2005 e, segundo o "investidor" Ruas, "se fosse hoje, o funicular não se justificava, mas daqui por dois anos, com o Fórum, a Feira de S. Mateus requalificada e com o parque de estacionamento, vai ser mesmo necessário".Ainda sobram estas perguntas: quantas prioridades se justificam hoje e acabarão ultrapassadas por estas de justificação adiada? Quantas necessidades inadiáveis assistem, impotentes, à promessa de um financiamento a posteriori, enquanto outras, carecidas de premência actual, exibem, garbosas, caução prévia? Quanta desta tensão, resultante da valoração discricionária de prioridades, será determinada, exclusivamente, por critérios de gestão do calendário eleitoral e não já pelas nobres e desprendidas exigências ético-funcionais de "serviço público" em favor da comunidade?Em 2005, ano eleitoral autárquico, Viseu achará explicação e muita graça ao funicular, ao Fórum e à Feira de S. Mateus. A Câmara exibirá, orgulhosa, a sua obra, explicará a genialidade da multiplicação dos pães conseguida e assistirá à renovação da sua legitimidade política conferida por todo um povo reconhecido.Municipalismo, sempre!


As Autarquias e a Despesa PúblicaAcompanho e aprecio a "retórica argumentativa" empregue pela Tempestade Cerebral. Olha a realidade com filtros económico-financeiros e sabe, como poucos, fazer chegar ao leitor comum as demonstrações, por vezes complexas, da "mecânica" da economia aplicada. É a Brainstorm que quero homenagear, fornecendo-lhe mais este exemplo da vida real e a oportunidade de o "trabalhar".Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu, anunciou a instalação de um funicular nesta cidade (o reflexo imitação, evidenciado em projectos-bandeira, condiciona grande parte dos planos de actividades dos municípios portugueses. Mirandela quis "colocar-se no mapa" à custa do projecto metro de superfície que se orgulhava de ter executado por ultrapassagem operada ao Porto, incubadora de tal ideia; daquela nossa cidade foi "exportada" tal solução para Coimbra, muito por força da migração do candidato autárquico que nos deixou para tentar nova experiência na "rainha do Mondego". Viseu, metrópole complexada, falhou o EURO '04, mas, não obstante, saciou ânsias de protagonismo no seu Fontelo; já aderira à moda dos pavilhões multiusos, oriunda da Lisboa oriental e não está só nesta opção muito fashion; ao Porto vai buscar a escolha mais recente, da qual nos ocupamos por agora. Espera-se e deseja-se que a emenda seja melhor que o soneto). Este é coiso - podia ser teleférico, como na Penha ou elevador, como no Castelo de S. Jorge - para orçar os € 4.800.000 (!?!...) e está previsto que opere ao longo de um percurso de 400 metros (€ 12.000 / m). Prevê-se que o preço dos bilhetes será "quase simbólico", pois "não andará além dos 40 ou 50 cêntimos" (9,6 a 12 milhões de passageiros para pagar o investimento, sem contar com os custos operacionais!).A montagem financeira de cobertura da operação estruturou-se do seguinte modo: 70% (€ 3.360.000) do investimento total (ou despesa completa?) serão assumidos pela União Europeia (UE); dos restantes 30% (€ 1.440.000), o Estado desembolsa 60% (€ 864.000) e à Câmara caberá liquidar os remanescentes 40% (€ 576.000), equivalentes a 12% do custo total do projecto.Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, economista, não se cansa de apregoar, com razão, como parece provar-se, que os municípios são responsáveis por 15 % do investimento público e por apenas 2% da dívida nacional. Mas esta falácia "milagreira", que tanto tem rendido em veneração e respeito subalterno à máfia do municipalismo (interpretação livre do pensamento da senhora Procuradora do Ministério Público, Drª Maria José Morgado), não resiste a estas desmontagens. O venturoso investimento autárquico não goza de nenhuma obscura alavanca económica de efeito multiplicador, mas vive, isso sim, de uma condição de privilégio - inconfessado, injustificado e indesejável - que lhe rende fama e proveito líquidos e lhe permite a delegação de encargos e responsabilidades próprios em instâncias terceiras, UE e Administração Central, num exercício tolerado de titularização da despesa.A geringonça entrará ao serviço em 2005 e, segundo o "investidor" Ruas, "se fosse hoje, o funicular não se justificava, mas daqui por dois anos, com o Fórum, a Feira de S. Mateus requalificada e com o parque de estacionamento, vai ser mesmo necessário".Ainda sobram estas perguntas: quantas prioridades se justificam hoje e acabarão ultrapassadas por estas de justificação adiada? Quantas necessidades inadiáveis assistem, impotentes, à promessa de um financiamento a posteriori, enquanto outras, carecidas de premência actual, exibem, garbosas, caução prévia? Quanta desta tensão, resultante da valoração discricionária de prioridades, será determinada, exclusivamente, por critérios de gestão do calendário eleitoral e não já pelas nobres e desprendidas exigências ético-funcionais de "serviço público" em favor da comunidade?Em 2005, ano eleitoral autárquico, Viseu achará explicação e muita graça ao funicular, ao Fórum e à Feira de S. Mateus. A Câmara exibirá, orgulhosa, a sua obra, explicará a genialidade da multiplicação dos pães conseguida e assistirá à renovação da sua legitimidade política conferida por todo um povo reconhecido.Municipalismo, sempre!

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