Esse sorriso faz-nos falta.

23-09-2020
marcar artigo

 Era
de noite, em sítio esquecido, onde ainda não chega a ‘internet’
e a rede de telemóvel é anterior à Idade da Pedra, quando fui
atropelado pelo espanto que me chegava do lado. Morreu a Francisca.
Não acredito. Ainda há dias tinha percebido o seu sorriso, só de
olhos, porque a máscara lhe tapava o rosto (estávamos num
supermercado). Já não nos víamos há muito, julgo que desde o
tempo anterior ao confinamento. “O que é feito de si, que há
tanto tempo não o leio?”. Respondi que continuava a escrever, e
que até estava a acabar um livro que me deu mais trabalho do que o
esperado, mas tinha deixado de frequentar as redes anti-sociais,
porque me cansei daqueles atoleiros e porque resolvi dar um descanso
às minhas memórias de Araduca, que me tomavam muito do tempo que
fazia falta para outras lidas. “Temos que pôr a conversa em dia”,
disse-me, disse-lhe. Nesse dia voltei a cruzar-me com ela. Ia na
companhia de António Magalhães (suponho que vinham de votar para a
distrital do partido deles) e sorrimos perante a fartura de dois
encontros no mesmo dia, depois de tanto tempo.Longe
estava eu de imaginar o motivo que me traria de volta aqui.
Não
sou capaz de dizer quando conheci a Francisca Abreu. Sei que comecei
a lidar com ela depois das eleições autárquicas de 1997, quando
assumiu as funções de vereadora da cultura da Câmara Municipal de
Guimarães. Por aqueles dias, eu pertencia à direção da Sociedade
Martins Sarmento, presidida por Santos Simões. As relações entre
aquela instituição e a Câmara, presidida por António Magalhães,
eram cordiais e de colaboração institucional, embora muitas vezes
tensas. A Sociedade, com o seu património riquíssimo, mas de
manutenção muito dispendiosa, vivia em apertos financeiros
crónicos. Da Câmara recebia a ajuda externa mais substancial,
embora manifestamente insuficiente para as necessidades da
instituição. A autarquia, por entender, com razão, que a Sociedade
Martins Sarmento era uma instituição com uma dimensão que
extravasava as fronteiras do Município, defendia que o Estado tinha
a obrigação de assumir a sua quota-parte no financiamento das suas
actividades de serviço público, culturais e de preservação de
património. No entanto, do Estado, a SMS apenas obtinha promessas
sucessivamente inconsequentes. Foi naquele contexto que comecei a
trabalhar com a Francisca, mantendo relação franca e respeitosa,
mas não isenta de momentos de conflito. É que, sendo a Francisca
mulher de convicções fortes e de coração ao pé da boca, eu
também não era de ouvir e calar. Portanto, não vou dizer que fomos
amigos desde pequeninos, nem desde que nos conhecemos. No princípio,
apesar do trato cordial, tínhamos muitas divergências em relação
à coisa cultural vimaranense, já que eu entendia que a força
cultural de Guimarães lhe vinha, principalmente, da acção do seu movimento
associativo e acreditava que era necessário colocar um travão no
processo de municipalização das actividades culturais que nasciam
da iniciativa das instituições culturais vimaranenses, mas que
acabavam por depender do apoio financeiro da Câmara para poderem
subsistir, cuja independência era posta em causa à sombra da ideia
de que ‘quem manda é quem paga’. Com o tempo, o respeito algo
desconfiado inicial foi-se transformando numa amizade construída no
trabalho em causas e projectos comuns e numa ideia partilhada: a de
que, podendo não coincidir quanto aos meios mais adequados para lá
chegarmos, tínhamos objectivos comuns e colocávamos o interesse da
comunidade e das instituições que representávamos acima dos
interesses particulares.
Ao
longo do tempo, trabalhei com a Francisca Abreu em projectos e em
comissões do município da área da cultura, em que participava umas
vezes em representação a SMS, outras em nome próprio. O primeiro
grande projecto comum foi o que esteve na origem da Casa de Sarmento
— Centro de Estudos do Património, que agregava recursos e
vontades da Universidade do Minho, da Câmara Municipal de Guimarães
e da Sociedade Martins Sarmento, com o propósito de dotar Guimarães
de uma Unidade Cultural da UM e de apoiar a actividade da Sociedade
Martins Sarmento. O projecto, germinou a partir da iniciativa de Carlos Bernardo, à altura vice-reitor da
Universidade do Minho e responsável pelo Campus de Azurém,
depois de um 9 de Março, em que escutou as preocupações de Santos
Simões com a sustentabilidade da SMS. No dia seguinte, quando me
dirigia para as instalações Núcleo de Estudos de População e
Sociedade da UM, onde estava integrado como investigador, vi um carro
parar e sair dele o vice-reitor, que me abordou para dizer que
tínhamos que conversar. Tinha compreendido as queixas de Santos
Simões e estava disponível para ajudar a encontrar uma solução
para a SMS. Na conversa, que teve lugar num dos dias seguinte, a hora
inusitadamente matinal para encontros de trabalho, começou a
desenhar-se o projecto que viria a consumar-se na primeira unidade
cultural da UM em Guimarães. Foi com esse projecto que comecei a
trabalhar  mais de perto com a Francisca, que ali era o rosto da
Câmara Municipal de Guimarães.
Naqueles
dias, o gabinete de Carlos Bernardo na Escola de Engenharia serviu de
incubadora projectos que iriam mudar Guimarães, com contributos
fundamentais de um jovem que, não tardaria muito, seria o primeiro
reitor da UM com todo o seu percurso académico feito dentro da
instituição, António Cunha (que, em boa hora, a actual Câmara
Municipal chamou para ajudar a pensar e a desenhar a cidade do
futuro), o vereador Júlio Mendes e o meu amigo José Nobre, em
representação da Câmara. Foi ali que se começaram a esboçar os
projectos que iríamos baptizar como a Casa da Memória, cuja ideia
original nasceu de uma visita de Carlos Bernardo à Casa da Cultura
de Paraty, no Brasil; do Campurbis, um inovador complexo cultural,
artístico e de ensino avançado que ocuparia o quarteirão de
Couros, com núcleos em diferentes unidades industriais desactivadas,
que incluiria outro projecto muito acarinhado por Carlos Bernardo, um
centro internacional de artes dedicado ao pintor José de Guimarães
(esta era a ideia original para uma plataforma das artes e da
criatividade). No âmbito do desenho destes projectos, eu e o José
Nobre fomos a Paraty, levados pelo Carlos Bernardo, para tentar
perceber in loco o conceito que o entusiasmara. Algum tempo
depois, já com a companhia da Francisca Abreu, fomos visitar a
colecção de arte primitiva-moderna de José de Guimarães, que iria
constituir o núcleo expositivo permanente do centro cujo projecto
estava esboçado. E saímos de lá esmagados pela qualidade e a
dimensão da colecção do pintor e a quase certeza de que um tal
projecto era incomportável, porque, como perguntava a Francisca,
onde é que se ia arranjar um espaço com tamanho suficiente e o
dinheiro necessário para uma obra com tal dimensão? As ideias da
Casa da Memória, do Campurbis e do Centro Internacional de Arte José
de Guimarães ficaram guardadas numa gaveta da Câmara, à espera de
melhores dias, que sabíamos que dificilmente viriam.
Entretanto,
em Março de 2005, Isabel Pires de Lima tomou posse como ministra da
Cultura. Finalmente, no Ministério estava alguém a quem não seria
necessário explicar o que era a Sociedade Martins Sarmento.
Iniciaram-se contactos exploratórios e, ainda nesse ano, a direcção
da Sociedade foi recebida no Palácio da Ajuda, de onde regressou com
uma sigla então na moda e que não tardaria a perder o lustro. O que
Isabel Pires de Lima sugeriu como solução seria a criação de uma
PPP, envolvendo o Estado, a Câmara de Guimarães e a Universidade do
Minho, como parceiros públicos, e a SMS, como parceira privada. No
fundo, era uma versão melhorada e acrescentada da Casa de Sarmento.
Nos meses que se seguiram, trabalhou-se na preparação dos projectos
de protocolo e de estatutos do que viria a ser a Fundação Martins
Sarmento, tarefa em que estiveram directamente envolvidos Rogério
de Azevedo, jurista do Ministério da Cultura, José Nobre, em
representação da vereadora da Cultura, o gabinete jurídico da UM e
a direcção da SMS. O anúncio público esteve previsto para o dia 7
de Outubro de 2006, mas teve que ser adiado, porque naquele dia de
Conselho de Ministros em Guimarães haveria uma notícia mais
importante para dar.
Naquele
final da manhã de sábado, Francisca Abreu chorou, na conferência
de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros que aconteceu no
Palácio de Vila Flor. Chorou de alegria, porque se anunciava que
Guimarães ia ser Capital Europeia da Cultura em 2012. Foram as
primeiras das muitas lágrimas que haveria de verter, primeiro de
tristeza e de impotência, depois, outra vez, de alegria pela feliz
consumação de um evento único que tinha sido tirado a ferros.
Estávamos
a cinco anos e três meses de 2012. Parecia muito tempo, mas era
pouco, uma vez que Guimarães não tinha absolutamente nada pensado
para um evento daquela dimensão, que ninguém até então ninguém
adivinhara que poderia acontecer. Nenhum projecto, nenhum programa,
nenhum esboço. Mas a gaveta da Câmara guardava ideias que
assentavam como luvas na necessidade de projectar obras estruturantes
para uma Capital Europeia da Cultura: o Campurbis, a Casa da Memória,
o centro de artes dedicado a José de Guimarães, projectos que foram
imediatamente anunciados pelo presidente da Câmara. Afinal, os dias
melhores por que esperaram engavetados sempre iriam chegar.
Era
o tempo de avançar. Foi criado um Grupo de Missão, formado por
Elisa Babo e Paula Aleixo, em representação do Ministério da
Cultura, e pelos vereadores Francisca Abreu e Júlio Mendes, em
representação da autarquia. Personalidades muito distintas e
aparentemente dificilmente compatíveis, os dois vereadores, uma
vocacionada para a concepção e gestão do acto cultural, outro com
inegável competência a pensar e gerir obra física, tinham perfis
que se completavam, constituindo uma equipa que gisou um projecto
equilibrado para 2012.
Mas
o processo não andava como era suposto. E a crise que eclodiu em
2008 começou a bater forte, a ponto de, a certa altura, ter havido
quem questionasse se não seria preferível desistir. Muitos
desesperavam, ninguém desistiu, mas perdeu-se tempo.
Faltava
encontrar o modelo de gestão e de programação para a Capital da
Cultura, assim como faltava algo que era urgente e imperativo
encontrar: uma liderança e uma equipa. Durante meses que chegaram a
anos, andamos entretidos a discutir o perfil de um comissário para a
CEC. Muitos nomes foram lançados para a mesa, mas sempre foi
consensual a ideia de que a missão deveria caber a uma personalidade
da cultura. Passaram quase três anos até que se anunciou o nome para o
lugar. Surpresa total: em vez de uma liderança com inquestionável
dimensão cultural, assessorada por pessoas de cultura com grande
experiência em programação cultural e técnicos bem identificados
com as complexas burocracias dos processos de candidatura a
financiamentos, iríamos ter como primeira figura uma técnica com
competências na gestão de projectos de financiamento europeus, cujo
nome, muitos de nós, ouvimos então pela primeira vez, assessorada
por gente da cultura. Era a cultura que se submetia à simples
contabilidade. Não faltou quem torcesse o nariz à solução
encontrada, mas também houve quem a acolhesse com entusiasmo e quem
lhe desse o benefício da dúvida, até porque o tempo urgia,
impondo-se a necessidade de agilizar os processos de financiamento.
O
modelo de gestão iria ser uma fundação, que tinha presidente, sem
sequer ter estatutos. Estes demoraram um mês e foram um fato feito à
medida, que não acautelou os interesses nem da Câmara, nem do
Ministério. Francisca Abreu percebeu-o logo, assim como na Sociedade
Martins Sarmento percebemos, no dia em que nos foram mostrados. Pelo que
se concluiu,
a presidente designada teve carta-branca para os encomendar, tendo
sido redigidos de modo a blindarem a sua posição. Curiosamente,
o advogado que cobrou umas ‘módicas’ dezenas de milhares de
euros para os confeccionar à medida e a gosto (quando a Câmara
tinha quem os fizesse, sem mais custos dos que os que eram correntes,
e com mais competência na protecção do interesse municipal), com
cláusulas lesivas do interesse público, viria a ser presenteado
pela mesma Câmara com dois ajustes directos, ambos exactamente com
igual
valor, que
terminava em 999, a fazer
lembrar os preços de enganar incautos com
que muitas lojas tabelam os artigos que vendem.
Tudo
aquilo custava a compreender, mas confiava-se que o problema seria só
de compreensão e que logo seríamos confrontados com o mérito da
solução encontrada, que punha na liderança de um evento cultural
único alguém que estava a milhas de distância da densidade do
homem de cultura que é João Serra, ou
da experiência de gestão de projectos culturais de Francisca Abreu,
que
viriam a integrar o Conselho de Administração a que presidia.
Pela parte dos da SMS, o benefício da dúvida começou a esmorecer
logo ao primeiro contacto mais próximo, na sede da instituição.
Afinal,
começávamos a perceber, não havia necessidade em ir buscar fora
quem se fazia pagar a peso de ouro, sem
que acrescentasse valor, nem competência, uma vez
que a Câmara Municipal de Guimarães tinha, nos seus quadros, profissionais bem
mais experientes e competentes na gestão e organização de
projectos culturais e na comunicação.
No
tocante à comunicação, uma
escolha desastrosa
logo
virou
piada. Uma directora de comunicação, caída sabe-se lá de onde,
de quem, reparo agora, esqueci o nome (vá-se lá saber porquê, só
me lembro de um par de botas), não tardou a ir parar
ao pior sítio onde alguém pode ter a má dita de cair, o
anedotário local. O reportório era acrescentado quase todos os dias. Um vez, telefonou para a SMS a pedir para falar
com um membro da direção. Estava a preparar uma nota de imprensa
sobre o primeiro grande evento pré-CEC (seria a primeira conferência de
Eduardo Lourenço em Guimarães) e precisava de saber em
que
rua ficava
a
sede da instituição.
A resposta que recebeu esteve na origem do
rótulo de malcriados que logo colaram à gente da Sociedade. Mesmo
assim, não acertou na morada: no dia seguinte, os jornais nacionais
anunciavam que o Prof. Eduardo Lourenço ia proferir uma conferência
na rua Dr. Avelino da Silva Guimarães. De outra vez, conta-se que andava à
procura do número do ‘fax’ da muralha, para lhe pedir autorização
para lá afixar qualquer coisa (eventualmente confundindo a muralha
de D. Dinis com a Associação Muralha). E
assim por diante…
Aqueles
dias, e os que se seguiram, por demasiado tempo, foram os mais
penosos da vida política de Francisca Abreu, que acompanhava o caminho para o
desastre com desesperada impotência. Calava o
desencanto e o desalento, mas, tantas vezes, não conseguia suster as
lágrimas.
As
gentes de Guimarães não seriam aquilo que são se baixassem os
braços ao verem transformar-se em pesadelo um dos seus sonhos mais
bonitos. Guimarães ergueu-se e deu uma lição de cidadania
comparável a outras que estão inscritas na sua história.
O
processo foi longo, doloroso, desgastante. Aquela
era
uma luta
que se
travava
com todos os verbos, menos um: desistir, apesar
de
alguns terem
começado
a deitar a toalha ao chão ou
a fazer pontaria aos próprios pés.
A
partir de certa altura, o ambiente estava completamente inquinado.
Não faltava quem quisesse bater com a porta, por concluir que não
havia solução. Outros que os seguravam, porque percebiam que
haveria solução, apenas temiam
que chegasse demasiado tarde.
As
reuniões
do Conselho Geral da Fundação eram cada vez mais tensas. A certa
altura, já não era possível calar a sensação de estarmos a
caminhar
para o abismo.
Lembro em particular uma reunião no Campus de Azurém que, ao
terminar, se julgava ter sido decisiva, mas que não o foi. Teve
direito a intervalo e a almoço improvisado sem se
sair
da sala (lá fora, os jornalistas esperavam por notícias). As
críticas ao processo e à imagem que se estava a projectar de
Guimarães na imprensa nacional foram tão assertivas que, no
intervalo para a refeição,
o reitor da Universidade, António Cunha, me
sussurrou:
“tu és um incendiário”.
Não era.
Aliás, visto a esta distância, o nosso
papel ali era mais o dos
bombeiros.
Confesso que o que mais me incomodava naquelas reuniões eram os que
assistiam sem direito à palavra. E, mais do que qualquer um, a
Francisca, que
estava sentada à minha frente, forçada
a calar o coração que, como
já disse e bem sabem todos os que a conheceram, o tinha ao pé da boca.
O
inevitável aconteceu num Conselho Geral realizado no Paço dos
Duques, para o qual todos fomos avisados pelo presidente do Conselho
Geral, Jorge Sampaio: devíamos suspender todos os nossos
compromissos, porque a reunião só terminaria quando fosse colocada
uma pedra sobre o assunto. Assim foi. Dos mais de cinco anos que
tivemos para preparar a CEC, já só sobravam cinco Ainda iríamos a
tempo?
Com
a saída da presidente do Conselho de Administração da Fundação
Cidade de Guimarães, houve
que encontrar uma solução que
seria necessariamente de
ruptura e de continuidade. Havia
que romper com a inércia acumulada, mas, como não era possível
fazer o tempo recuar, tinha
que se
dar
continuidade o trabalho que já estava feito pelos programadores.
Naquela
altura, já todos sabiam que 2012 não ia ser aquilo com que
Guimarães tinha sonhado. Mas também sabiam que não iria ser o
desastre que chegou a estar anunciado. A CEC2012 foi um caso exemplar
de envolvimento dos cidadãos num imenso projecto colectivo. Todos
fizemos parte. E só temos que ter orgulho pelo que aconteceu em
Guimarães em 2012.
Aqui,
devo confessar que, para aqueles que, como eu, alimentaram
expectativas que 2012 iria ser um momento de viragem para as
instituições culturais da cidade, o resultado foi frustrante. A
reposição da ordem natural das coisas chegou tarde.
No
caso da instituição onde eu tinha responsabilidades, o saldo de
2012 foi praticamente nulo, o que constituiu um sério problema, uma
vez que a instituição se tinha dimensionado para o que estava
comprometido e não se cumpriu (não do lado da programação, mas
do lado das obras
físicas). Pode-se dizer que a Sociedade Martins Sarmento deu
mais à CEC do que aquilo que recebeu.
Desde
o início do Verão de 2004, eu estava no exercício de funções de
presidente da direção da SMS, que nunca desejei, mas para onde fui
empurrado por circunstâncias dolorosas. Quando Santos Simões
faleceu, ainda estava em curso uma das grandes obras que fechavam a
profunda renovação que vinha operando na instituição desde o
início da década de 1990, a casa de acolhimento da Citânia de
Briteiros. Os seus mandatos tinham sido, para mim, um processo de
aprendizagem permanente, mas foram
especialmente desgastantes
para quem tinha que lidar com a crónica carência de meios para
fazer frente às necessidades da instituição. O edifício da sede
tinha começado, literalmente, a desabar: caiu o tecto do salão
nobre, caiu o tecto da sala de leitura da biblioteca. Houve
necessidade de criar espaços de trabalho, nas duas salas que ladeiam
o átrio de entrada do edifício. Avançou-se com o projecto do Museu
da Cultura Castreja e, logo a seguir, com a construção da nova casa
de acolhimento da Citânia. Estes projectos foram sustentados
com o esgotamento dos recursos próprios da instituição, com alguns
apoios,
muita imaginação e muita fé em promessas que se esqueciam com a
mesma velocidade
com
que se
faziam. Lembro-me
que havia
mesmo
um
deputado que, quando se discutia o orçamento de Estado, apresentava
sucessivamente uma proposta de apoio que seria a solução para os
problemas da instituição. Proposta
que esqueceu no
dia em que o seu partido deixou a oposição e assumiu o governo.
As
receitas próprias, os apoios que recebia (que quase se reduziam
ao subsídio da Câmara) e
os financiamentos que alcançava com o resultado de candidaturas a
financiamento europeu eram manifestamente insuficientes para cobrirem
os custos com os projectos em andamento e com o dia-a-dia da
instituição. Mas todos sabíamos que, com Santos Simões, acabaria
por
ser
encontrada uma solução, como sempre tinha acontecido. Só que a
morte, que já antes
tinha
fintado, levou-o sem que lhe
dar tempo para consolidar a
estabilidade financeira
da
SMS, que nunca a tivera,
e que era o seu grande projecto para a instituição, depois de a
dotar com infra-estruturas modernas.
Com
a casa endividada, mas com a obra feita, os que cá ficaram assumiram
a missão de honrar
a memória de
Santos Simões e
completar o seu projecto para a SMS. Com entusiasmo, imaginação e
muitas noites mal-dormidas, por volta de 2009 a Sociedade Martins
Sarmento completava o ciclo iniciado com as direcções de Santos
Simões, com as obras feitas e as dívidas quase saldadas, com
as
perspectivas abertas
pela
Fundação Martins Sarmento e os projectos da CEC que beneficiavam a
SMS, a
instituição parecia ter assegurada a
sustentabilidade que se procurava. Pela parte que me tocava, sentia
que estava cumprida a tarefa a que me tinha proposto e que era tempo
de dar lugar a outros e ir à minha vida. Quando anunciei a minha
intenção de não em candidatar a novo mandato, a Francisca Abreu
teve uma reacção que me tocou: “Não pode sair agora, porque
vamos
precisar de si.
Não é tempo de mudar as pessoas numa instituição com a
importância da SMS para
a Capital Europeia da Cultura.”
Portugal
vivia então, como hoje, um tempo de democracia consolidada, mas com
fragilidades que teimam em não se resolver. Uma delas tem a ver com
a percepção de muitos de que a intervenção política é, antes de
serviço público, uma carreira ou uma passagem breve para ganhar
balanço (influência, cumplicidades, carteira de contactos,
perspectivas de negócios futuros — algumas vezes, não tão
futuros assim). Tal percepção faz com que a primeira obra de muitos
dos nossos políticos seja a de arrasarem a obra daqueles que os
antecederam nos cargos que ocupam, como se o mundo tivesse começado
no dia em que eles nasceram. Assim aconteceu com o sucessor de Isabel
Pires de Lima no MC, que tomou posse logo a seguir à publicação
dos estatutos da Fundação Martins Sarmento. À
publicação, iria seguir-se a negociação da sua execução, a
começar pela parte mais relevante: a do financiamento por parte do
Estado, já que a Câmara tinha assumido o princípio de acompanhar,
com igual valor,
o que fosse decidido com o Ministério. A
mudança no Ministério trouxe uma alteração no
relacionamento do Ministério com a
SMS, que já não era tratada,
como dantes, como parceiro, mas como uma estrutura dependente. E não
houve nenhum avanço quanto à comparticipação do Estado na
Fundação, o que, além do mais, condicionava o apoio do Município.
Na cerimónia de 9 de Março, a direção da SMS tornou pública a
situação. A seguir, recebeu uma transferência do Ministério de
valor que não era mais que uma fracção do que se esperava — que,
se tivesse sido acompanhado pelo Município, implicaria uma drástica
redução do subsídio que a autarquia concedia à Sociedade antes da
criação da Fundação — e a manifestação da intenção do
ministro visitar a instituição, para a conhecer.
Não conheceu nada. Numa breve reunião com a direcção, deu conta,
em modo de ralhete quase
polido,
do seu desagrado por a SMS ter tornado pública a situação em que
estava e deixou claro que, não sendo os estatutos da Fundação obra
sua, também não eram seus os compromissos que estariam assumidos.
Ou seja, foi à sede as Sociedade Martins Sarmento, não para a
conhecer, mas para mostrar quem mandava. Naquele
dia, morreu a Fundação Martins Sarmento, porque quem manda naquela
casa são os seus sócios. É
que aquela instituição
sempre viveu com dificuldades económicas, mas nunca prescindiu da
sua autonomia
face aos poderes políticos, porque
a independência está na
sua matriz.
Este
era um projecto que Francisca Abreu, que integrou o seu Conselho de
Administração, acarinhou.
A
saída de Júlio Mendes da vereação teve o mesmo efeito. Nele a SMS
encontrou alguém que, perante os problemas, ajudava a encontrar
soluções. E a solução para a SMS seria a requalificação e
modernização do Museu e uma ligação directa à futura Casa da
Memória, cuja concepção e gestão seria entregue à Sociedade, com
os meios financeiros necessários, e a que ficaria afecta parte dos
quadros que a instituição vinha a preparar, com a CEC2012 no
horizonte. Mais uma vez, a mudança de responsável, desta vez na
vereação municipal, foi acompanhada pelo rasgar de compromissos
anteriormente assumidos. Na primeira reunião que tivemos com a
vereadora que assumiu as funções que antes pertenceram a Júlio
Mendes, percebemos que os projectos estruturantes para a Sociedade que constavam da
candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura estavam
mortos e enterrados.
Francisca
Abreu fazia parte de um género de políticos que se vão tornando
raros: os dos que exercem o exercício de cargos políticos com a
generosidade de quem se empenha na causa pública, sem preocupações
de gestão de carreira e sem cuidar dos seus interesses pessoais.
O
mandato autárquico que coincidiu com a Capital Europeia da Cultura,
seria o último de um presidente de Câmara carismático, dotado de
uma inteligência política incomum, que sabia ouvir e sabia dizer
não, mas que, quando dizia sim, era sim. Sob a sua liderança, que
durou mais de duas décadas, Guimarães passou por uma transformação
profunda, que consolidaram o caminho que conduziu à qualificação
do Centro Histórico como Património Mundial e à designação de
Guimarães para Capital Europeia da Cultura em 2012. Francisca Abreu
esteve nesses dois momentos únicos da história da cidade. O papel
que desempenhou na CEC posicionavam-na entre os candidatos naturais à
sucessão de António Magalhães. Mas para isso seria necessário
trabalhar para conquistar a federação de sindicatos de votos em que
o seu partido, a nível local e regional, se foi transformando. Como
essa modalidade de trabalho político não se quadrava com a sua
personalidade, passou ao lado do destino que muitos lhe anteviam: o
de ser a primeira mulher a presidir à Câmara Municipal de
Guimarães. O último mandato de António Magalhães também foi o
último de Francisca Abreu.
Ao
longo dos anos de convívio e de envolvimento em projectos comuns, fomos sedimentando uma relação de amizade, assente na franqueza e
no respeito mútuo. Das
conversas que fomos mantendo ao longo dos últimos anos, percebi
muito desencanto
e
alguma desilusão com
pessoas que lhe foram próximas,
que atribuo ao seu afastamento precoce da actividade política
executiva, em que acumulara todo um cabedal de conhecimento e de
experiência que, digo-o eu, estava a ser manifestamente
desperdiçado. Mas não será essa imagem amargurada
que
irei guardar da Francisca Abreu, preferindo-lhe
a memória do seu
sorriso
aberto e contagiante.
Francisca
Abreu não era aquilo que pode parecer ter sido, quando se lêem os
votos de condolências que têm sido tornados públicos. Quando
uma pessoa com
pensamento próprio
se torna consensual, é sinal
de que já não
se
conta entre os vivos.
Não
sei se deixou escritas
as suas
memórias, por
onde
passaria
a história de mais de duas décadas da história da nossa cidade.
Mas quem é que perde tempo a escrever memórias, quando ainda tem,
como a Francisca tinha, tantos anos pela frente para continuar a
acumulá-las?

várias vezes falei a
um amigo da
urgência em recolher os testemunhos de pessoas que viveram por
dentro os
acontecimentos irrepetíveis
dos dias da pré-história e da história do
tempo em
que Guimarães foi capital cultural
da
Europa. Qualquer
dia, argumentava
eu, iam começar
a desaparecer alguns dos seus protagonistas, por
não ser
verdade a
frase feita que afirma que
a vida não pára. A da Francisca parou demasiado cedo. Tão
cedo, que custa
a acreditar na
sua
partida súbita e inesperada.
Vai-nos
fazer falta.

 Era
de noite, em sítio esquecido, onde ainda não chega a ‘internet’
e a rede de telemóvel é anterior à Idade da Pedra, quando fui
atropelado pelo espanto que me chegava do lado. Morreu a Francisca.
Não acredito. Ainda há dias tinha percebido o seu sorriso, só de
olhos, porque a máscara lhe tapava o rosto (estávamos num
supermercado). Já não nos víamos há muito, julgo que desde o
tempo anterior ao confinamento. “O que é feito de si, que há
tanto tempo não o leio?”. Respondi que continuava a escrever, e
que até estava a acabar um livro que me deu mais trabalho do que o
esperado, mas tinha deixado de frequentar as redes anti-sociais,
porque me cansei daqueles atoleiros e porque resolvi dar um descanso
às minhas memórias de Araduca, que me tomavam muito do tempo que
fazia falta para outras lidas. “Temos que pôr a conversa em dia”,
disse-me, disse-lhe. Nesse dia voltei a cruzar-me com ela. Ia na
companhia de António Magalhães (suponho que vinham de votar para a
distrital do partido deles) e sorrimos perante a fartura de dois
encontros no mesmo dia, depois de tanto tempo.Longe
estava eu de imaginar o motivo que me traria de volta aqui.
Não
sou capaz de dizer quando conheci a Francisca Abreu. Sei que comecei
a lidar com ela depois das eleições autárquicas de 1997, quando
assumiu as funções de vereadora da cultura da Câmara Municipal de
Guimarães. Por aqueles dias, eu pertencia à direção da Sociedade
Martins Sarmento, presidida por Santos Simões. As relações entre
aquela instituição e a Câmara, presidida por António Magalhães,
eram cordiais e de colaboração institucional, embora muitas vezes
tensas. A Sociedade, com o seu património riquíssimo, mas de
manutenção muito dispendiosa, vivia em apertos financeiros
crónicos. Da Câmara recebia a ajuda externa mais substancial,
embora manifestamente insuficiente para as necessidades da
instituição. A autarquia, por entender, com razão, que a Sociedade
Martins Sarmento era uma instituição com uma dimensão que
extravasava as fronteiras do Município, defendia que o Estado tinha
a obrigação de assumir a sua quota-parte no financiamento das suas
actividades de serviço público, culturais e de preservação de
património. No entanto, do Estado, a SMS apenas obtinha promessas
sucessivamente inconsequentes. Foi naquele contexto que comecei a
trabalhar com a Francisca, mantendo relação franca e respeitosa,
mas não isenta de momentos de conflito. É que, sendo a Francisca
mulher de convicções fortes e de coração ao pé da boca, eu
também não era de ouvir e calar. Portanto, não vou dizer que fomos
amigos desde pequeninos, nem desde que nos conhecemos. No princípio,
apesar do trato cordial, tínhamos muitas divergências em relação
à coisa cultural vimaranense, já que eu entendia que a força
cultural de Guimarães lhe vinha, principalmente, da acção do seu movimento
associativo e acreditava que era necessário colocar um travão no
processo de municipalização das actividades culturais que nasciam
da iniciativa das instituições culturais vimaranenses, mas que
acabavam por depender do apoio financeiro da Câmara para poderem
subsistir, cuja independência era posta em causa à sombra da ideia
de que ‘quem manda é quem paga’. Com o tempo, o respeito algo
desconfiado inicial foi-se transformando numa amizade construída no
trabalho em causas e projectos comuns e numa ideia partilhada: a de
que, podendo não coincidir quanto aos meios mais adequados para lá
chegarmos, tínhamos objectivos comuns e colocávamos o interesse da
comunidade e das instituições que representávamos acima dos
interesses particulares.
Ao
longo do tempo, trabalhei com a Francisca Abreu em projectos e em
comissões do município da área da cultura, em que participava umas
vezes em representação a SMS, outras em nome próprio. O primeiro
grande projecto comum foi o que esteve na origem da Casa de Sarmento
— Centro de Estudos do Património, que agregava recursos e
vontades da Universidade do Minho, da Câmara Municipal de Guimarães
e da Sociedade Martins Sarmento, com o propósito de dotar Guimarães
de uma Unidade Cultural da UM e de apoiar a actividade da Sociedade
Martins Sarmento. O projecto, germinou a partir da iniciativa de Carlos Bernardo, à altura vice-reitor da
Universidade do Minho e responsável pelo Campus de Azurém,
depois de um 9 de Março, em que escutou as preocupações de Santos
Simões com a sustentabilidade da SMS. No dia seguinte, quando me
dirigia para as instalações Núcleo de Estudos de População e
Sociedade da UM, onde estava integrado como investigador, vi um carro
parar e sair dele o vice-reitor, que me abordou para dizer que
tínhamos que conversar. Tinha compreendido as queixas de Santos
Simões e estava disponível para ajudar a encontrar uma solução
para a SMS. Na conversa, que teve lugar num dos dias seguinte, a hora
inusitadamente matinal para encontros de trabalho, começou a
desenhar-se o projecto que viria a consumar-se na primeira unidade
cultural da UM em Guimarães. Foi com esse projecto que comecei a
trabalhar  mais de perto com a Francisca, que ali era o rosto da
Câmara Municipal de Guimarães.
Naqueles
dias, o gabinete de Carlos Bernardo na Escola de Engenharia serviu de
incubadora projectos que iriam mudar Guimarães, com contributos
fundamentais de um jovem que, não tardaria muito, seria o primeiro
reitor da UM com todo o seu percurso académico feito dentro da
instituição, António Cunha (que, em boa hora, a actual Câmara
Municipal chamou para ajudar a pensar e a desenhar a cidade do
futuro), o vereador Júlio Mendes e o meu amigo José Nobre, em
representação da Câmara. Foi ali que se começaram a esboçar os
projectos que iríamos baptizar como a Casa da Memória, cuja ideia
original nasceu de uma visita de Carlos Bernardo à Casa da Cultura
de Paraty, no Brasil; do Campurbis, um inovador complexo cultural,
artístico e de ensino avançado que ocuparia o quarteirão de
Couros, com núcleos em diferentes unidades industriais desactivadas,
que incluiria outro projecto muito acarinhado por Carlos Bernardo, um
centro internacional de artes dedicado ao pintor José de Guimarães
(esta era a ideia original para uma plataforma das artes e da
criatividade). No âmbito do desenho destes projectos, eu e o José
Nobre fomos a Paraty, levados pelo Carlos Bernardo, para tentar
perceber in loco o conceito que o entusiasmara. Algum tempo
depois, já com a companhia da Francisca Abreu, fomos visitar a
colecção de arte primitiva-moderna de José de Guimarães, que iria
constituir o núcleo expositivo permanente do centro cujo projecto
estava esboçado. E saímos de lá esmagados pela qualidade e a
dimensão da colecção do pintor e a quase certeza de que um tal
projecto era incomportável, porque, como perguntava a Francisca,
onde é que se ia arranjar um espaço com tamanho suficiente e o
dinheiro necessário para uma obra com tal dimensão? As ideias da
Casa da Memória, do Campurbis e do Centro Internacional de Arte José
de Guimarães ficaram guardadas numa gaveta da Câmara, à espera de
melhores dias, que sabíamos que dificilmente viriam.
Entretanto,
em Março de 2005, Isabel Pires de Lima tomou posse como ministra da
Cultura. Finalmente, no Ministério estava alguém a quem não seria
necessário explicar o que era a Sociedade Martins Sarmento.
Iniciaram-se contactos exploratórios e, ainda nesse ano, a direcção
da Sociedade foi recebida no Palácio da Ajuda, de onde regressou com
uma sigla então na moda e que não tardaria a perder o lustro. O que
Isabel Pires de Lima sugeriu como solução seria a criação de uma
PPP, envolvendo o Estado, a Câmara de Guimarães e a Universidade do
Minho, como parceiros públicos, e a SMS, como parceira privada. No
fundo, era uma versão melhorada e acrescentada da Casa de Sarmento.
Nos meses que se seguiram, trabalhou-se na preparação dos projectos
de protocolo e de estatutos do que viria a ser a Fundação Martins
Sarmento, tarefa em que estiveram directamente envolvidos Rogério
de Azevedo, jurista do Ministério da Cultura, José Nobre, em
representação da vereadora da Cultura, o gabinete jurídico da UM e
a direcção da SMS. O anúncio público esteve previsto para o dia 7
de Outubro de 2006, mas teve que ser adiado, porque naquele dia de
Conselho de Ministros em Guimarães haveria uma notícia mais
importante para dar.
Naquele
final da manhã de sábado, Francisca Abreu chorou, na conferência
de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros que aconteceu no
Palácio de Vila Flor. Chorou de alegria, porque se anunciava que
Guimarães ia ser Capital Europeia da Cultura em 2012. Foram as
primeiras das muitas lágrimas que haveria de verter, primeiro de
tristeza e de impotência, depois, outra vez, de alegria pela feliz
consumação de um evento único que tinha sido tirado a ferros.
Estávamos
a cinco anos e três meses de 2012. Parecia muito tempo, mas era
pouco, uma vez que Guimarães não tinha absolutamente nada pensado
para um evento daquela dimensão, que ninguém até então ninguém
adivinhara que poderia acontecer. Nenhum projecto, nenhum programa,
nenhum esboço. Mas a gaveta da Câmara guardava ideias que
assentavam como luvas na necessidade de projectar obras estruturantes
para uma Capital Europeia da Cultura: o Campurbis, a Casa da Memória,
o centro de artes dedicado a José de Guimarães, projectos que foram
imediatamente anunciados pelo presidente da Câmara. Afinal, os dias
melhores por que esperaram engavetados sempre iriam chegar.
Era
o tempo de avançar. Foi criado um Grupo de Missão, formado por
Elisa Babo e Paula Aleixo, em representação do Ministério da
Cultura, e pelos vereadores Francisca Abreu e Júlio Mendes, em
representação da autarquia. Personalidades muito distintas e
aparentemente dificilmente compatíveis, os dois vereadores, uma
vocacionada para a concepção e gestão do acto cultural, outro com
inegável competência a pensar e gerir obra física, tinham perfis
que se completavam, constituindo uma equipa que gisou um projecto
equilibrado para 2012.
Mas
o processo não andava como era suposto. E a crise que eclodiu em
2008 começou a bater forte, a ponto de, a certa altura, ter havido
quem questionasse se não seria preferível desistir. Muitos
desesperavam, ninguém desistiu, mas perdeu-se tempo.
Faltava
encontrar o modelo de gestão e de programação para a Capital da
Cultura, assim como faltava algo que era urgente e imperativo
encontrar: uma liderança e uma equipa. Durante meses que chegaram a
anos, andamos entretidos a discutir o perfil de um comissário para a
CEC. Muitos nomes foram lançados para a mesa, mas sempre foi
consensual a ideia de que a missão deveria caber a uma personalidade
da cultura. Passaram quase três anos até que se anunciou o nome para o
lugar. Surpresa total: em vez de uma liderança com inquestionável
dimensão cultural, assessorada por pessoas de cultura com grande
experiência em programação cultural e técnicos bem identificados
com as complexas burocracias dos processos de candidatura a
financiamentos, iríamos ter como primeira figura uma técnica com
competências na gestão de projectos de financiamento europeus, cujo
nome, muitos de nós, ouvimos então pela primeira vez, assessorada
por gente da cultura. Era a cultura que se submetia à simples
contabilidade. Não faltou quem torcesse o nariz à solução
encontrada, mas também houve quem a acolhesse com entusiasmo e quem
lhe desse o benefício da dúvida, até porque o tempo urgia,
impondo-se a necessidade de agilizar os processos de financiamento.
O
modelo de gestão iria ser uma fundação, que tinha presidente, sem
sequer ter estatutos. Estes demoraram um mês e foram um fato feito à
medida, que não acautelou os interesses nem da Câmara, nem do
Ministério. Francisca Abreu percebeu-o logo, assim como na Sociedade
Martins Sarmento percebemos, no dia em que nos foram mostrados. Pelo que
se concluiu,
a presidente designada teve carta-branca para os encomendar, tendo
sido redigidos de modo a blindarem a sua posição. Curiosamente,
o advogado que cobrou umas ‘módicas’ dezenas de milhares de
euros para os confeccionar à medida e a gosto (quando a Câmara
tinha quem os fizesse, sem mais custos dos que os que eram correntes,
e com mais competência na protecção do interesse municipal), com
cláusulas lesivas do interesse público, viria a ser presenteado
pela mesma Câmara com dois ajustes directos, ambos exactamente com
igual
valor, que
terminava em 999, a fazer
lembrar os preços de enganar incautos com
que muitas lojas tabelam os artigos que vendem.
Tudo
aquilo custava a compreender, mas confiava-se que o problema seria só
de compreensão e que logo seríamos confrontados com o mérito da
solução encontrada, que punha na liderança de um evento cultural
único alguém que estava a milhas de distância da densidade do
homem de cultura que é João Serra, ou
da experiência de gestão de projectos culturais de Francisca Abreu,
que
viriam a integrar o Conselho de Administração a que presidia.
Pela parte dos da SMS, o benefício da dúvida começou a esmorecer
logo ao primeiro contacto mais próximo, na sede da instituição.
Afinal,
começávamos a perceber, não havia necessidade em ir buscar fora
quem se fazia pagar a peso de ouro, sem
que acrescentasse valor, nem competência, uma vez
que a Câmara Municipal de Guimarães tinha, nos seus quadros, profissionais bem
mais experientes e competentes na gestão e organização de
projectos culturais e na comunicação.
No
tocante à comunicação, uma
escolha desastrosa
logo
virou
piada. Uma directora de comunicação, caída sabe-se lá de onde,
de quem, reparo agora, esqueci o nome (vá-se lá saber porquê, só
me lembro de um par de botas), não tardou a ir parar
ao pior sítio onde alguém pode ter a má dita de cair, o
anedotário local. O reportório era acrescentado quase todos os dias. Um vez, telefonou para a SMS a pedir para falar
com um membro da direção. Estava a preparar uma nota de imprensa
sobre o primeiro grande evento pré-CEC (seria a primeira conferência de
Eduardo Lourenço em Guimarães) e precisava de saber em
que
rua ficava
a
sede da instituição.
A resposta que recebeu esteve na origem do
rótulo de malcriados que logo colaram à gente da Sociedade. Mesmo
assim, não acertou na morada: no dia seguinte, os jornais nacionais
anunciavam que o Prof. Eduardo Lourenço ia proferir uma conferência
na rua Dr. Avelino da Silva Guimarães. De outra vez, conta-se que andava à
procura do número do ‘fax’ da muralha, para lhe pedir autorização
para lá afixar qualquer coisa (eventualmente confundindo a muralha
de D. Dinis com a Associação Muralha). E
assim por diante…
Aqueles
dias, e os que se seguiram, por demasiado tempo, foram os mais
penosos da vida política de Francisca Abreu, que acompanhava o caminho para o
desastre com desesperada impotência. Calava o
desencanto e o desalento, mas, tantas vezes, não conseguia suster as
lágrimas.
As
gentes de Guimarães não seriam aquilo que são se baixassem os
braços ao verem transformar-se em pesadelo um dos seus sonhos mais
bonitos. Guimarães ergueu-se e deu uma lição de cidadania
comparável a outras que estão inscritas na sua história.
O
processo foi longo, doloroso, desgastante. Aquela
era
uma luta
que se
travava
com todos os verbos, menos um: desistir, apesar
de
alguns terem
começado
a deitar a toalha ao chão ou
a fazer pontaria aos próprios pés.
A
partir de certa altura, o ambiente estava completamente inquinado.
Não faltava quem quisesse bater com a porta, por concluir que não
havia solução. Outros que os seguravam, porque percebiam que
haveria solução, apenas temiam
que chegasse demasiado tarde.
As
reuniões
do Conselho Geral da Fundação eram cada vez mais tensas. A certa
altura, já não era possível calar a sensação de estarmos a
caminhar
para o abismo.
Lembro em particular uma reunião no Campus de Azurém que, ao
terminar, se julgava ter sido decisiva, mas que não o foi. Teve
direito a intervalo e a almoço improvisado sem se
sair
da sala (lá fora, os jornalistas esperavam por notícias). As
críticas ao processo e à imagem que se estava a projectar de
Guimarães na imprensa nacional foram tão assertivas que, no
intervalo para a refeição,
o reitor da Universidade, António Cunha, me
sussurrou:
“tu és um incendiário”.
Não era.
Aliás, visto a esta distância, o nosso
papel ali era mais o dos
bombeiros.
Confesso que o que mais me incomodava naquelas reuniões eram os que
assistiam sem direito à palavra. E, mais do que qualquer um, a
Francisca, que
estava sentada à minha frente, forçada
a calar o coração que, como
já disse e bem sabem todos os que a conheceram, o tinha ao pé da boca.
O
inevitável aconteceu num Conselho Geral realizado no Paço dos
Duques, para o qual todos fomos avisados pelo presidente do Conselho
Geral, Jorge Sampaio: devíamos suspender todos os nossos
compromissos, porque a reunião só terminaria quando fosse colocada
uma pedra sobre o assunto. Assim foi. Dos mais de cinco anos que
tivemos para preparar a CEC, já só sobravam cinco Ainda iríamos a
tempo?
Com
a saída da presidente do Conselho de Administração da Fundação
Cidade de Guimarães, houve
que encontrar uma solução que
seria necessariamente de
ruptura e de continuidade. Havia
que romper com a inércia acumulada, mas, como não era possível
fazer o tempo recuar, tinha
que se
dar
continuidade o trabalho que já estava feito pelos programadores.
Naquela
altura, já todos sabiam que 2012 não ia ser aquilo com que
Guimarães tinha sonhado. Mas também sabiam que não iria ser o
desastre que chegou a estar anunciado. A CEC2012 foi um caso exemplar
de envolvimento dos cidadãos num imenso projecto colectivo. Todos
fizemos parte. E só temos que ter orgulho pelo que aconteceu em
Guimarães em 2012.
Aqui,
devo confessar que, para aqueles que, como eu, alimentaram
expectativas que 2012 iria ser um momento de viragem para as
instituições culturais da cidade, o resultado foi frustrante. A
reposição da ordem natural das coisas chegou tarde.
No
caso da instituição onde eu tinha responsabilidades, o saldo de
2012 foi praticamente nulo, o que constituiu um sério problema, uma
vez que a instituição se tinha dimensionado para o que estava
comprometido e não se cumpriu (não do lado da programação, mas
do lado das obras
físicas). Pode-se dizer que a Sociedade Martins Sarmento deu
mais à CEC do que aquilo que recebeu.
Desde
o início do Verão de 2004, eu estava no exercício de funções de
presidente da direção da SMS, que nunca desejei, mas para onde fui
empurrado por circunstâncias dolorosas. Quando Santos Simões
faleceu, ainda estava em curso uma das grandes obras que fechavam a
profunda renovação que vinha operando na instituição desde o
início da década de 1990, a casa de acolhimento da Citânia de
Briteiros. Os seus mandatos tinham sido, para mim, um processo de
aprendizagem permanente, mas foram
especialmente desgastantes
para quem tinha que lidar com a crónica carência de meios para
fazer frente às necessidades da instituição. O edifício da sede
tinha começado, literalmente, a desabar: caiu o tecto do salão
nobre, caiu o tecto da sala de leitura da biblioteca. Houve
necessidade de criar espaços de trabalho, nas duas salas que ladeiam
o átrio de entrada do edifício. Avançou-se com o projecto do Museu
da Cultura Castreja e, logo a seguir, com a construção da nova casa
de acolhimento da Citânia. Estes projectos foram sustentados
com o esgotamento dos recursos próprios da instituição, com alguns
apoios,
muita imaginação e muita fé em promessas que se esqueciam com a
mesma velocidade
com
que se
faziam. Lembro-me
que havia
mesmo
um
deputado que, quando se discutia o orçamento de Estado, apresentava
sucessivamente uma proposta de apoio que seria a solução para os
problemas da instituição. Proposta
que esqueceu no
dia em que o seu partido deixou a oposição e assumiu o governo.
As
receitas próprias, os apoios que recebia (que quase se reduziam
ao subsídio da Câmara) e
os financiamentos que alcançava com o resultado de candidaturas a
financiamento europeu eram manifestamente insuficientes para cobrirem
os custos com os projectos em andamento e com o dia-a-dia da
instituição. Mas todos sabíamos que, com Santos Simões, acabaria
por
ser
encontrada uma solução, como sempre tinha acontecido. Só que a
morte, que já antes
tinha
fintado, levou-o sem que lhe
dar tempo para consolidar a
estabilidade financeira
da
SMS, que nunca a tivera,
e que era o seu grande projecto para a instituição, depois de a
dotar com infra-estruturas modernas.
Com
a casa endividada, mas com a obra feita, os que cá ficaram assumiram
a missão de honrar
a memória de
Santos Simões e
completar o seu projecto para a SMS. Com entusiasmo, imaginação e
muitas noites mal-dormidas, por volta de 2009 a Sociedade Martins
Sarmento completava o ciclo iniciado com as direcções de Santos
Simões, com as obras feitas e as dívidas quase saldadas, com
as
perspectivas abertas
pela
Fundação Martins Sarmento e os projectos da CEC que beneficiavam a
SMS, a
instituição parecia ter assegurada a
sustentabilidade que se procurava. Pela parte que me tocava, sentia
que estava cumprida a tarefa a que me tinha proposto e que era tempo
de dar lugar a outros e ir à minha vida. Quando anunciei a minha
intenção de não em candidatar a novo mandato, a Francisca Abreu
teve uma reacção que me tocou: “Não pode sair agora, porque
vamos
precisar de si.
Não é tempo de mudar as pessoas numa instituição com a
importância da SMS para
a Capital Europeia da Cultura.”
Portugal
vivia então, como hoje, um tempo de democracia consolidada, mas com
fragilidades que teimam em não se resolver. Uma delas tem a ver com
a percepção de muitos de que a intervenção política é, antes de
serviço público, uma carreira ou uma passagem breve para ganhar
balanço (influência, cumplicidades, carteira de contactos,
perspectivas de negócios futuros — algumas vezes, não tão
futuros assim). Tal percepção faz com que a primeira obra de muitos
dos nossos políticos seja a de arrasarem a obra daqueles que os
antecederam nos cargos que ocupam, como se o mundo tivesse começado
no dia em que eles nasceram. Assim aconteceu com o sucessor de Isabel
Pires de Lima no MC, que tomou posse logo a seguir à publicação
dos estatutos da Fundação Martins Sarmento. À
publicação, iria seguir-se a negociação da sua execução, a
começar pela parte mais relevante: a do financiamento por parte do
Estado, já que a Câmara tinha assumido o princípio de acompanhar,
com igual valor,
o que fosse decidido com o Ministério. A
mudança no Ministério trouxe uma alteração no
relacionamento do Ministério com a
SMS, que já não era tratada,
como dantes, como parceiro, mas como uma estrutura dependente. E não
houve nenhum avanço quanto à comparticipação do Estado na
Fundação, o que, além do mais, condicionava o apoio do Município.
Na cerimónia de 9 de Março, a direção da SMS tornou pública a
situação. A seguir, recebeu uma transferência do Ministério de
valor que não era mais que uma fracção do que se esperava — que,
se tivesse sido acompanhado pelo Município, implicaria uma drástica
redução do subsídio que a autarquia concedia à Sociedade antes da
criação da Fundação — e a manifestação da intenção do
ministro visitar a instituição, para a conhecer.
Não conheceu nada. Numa breve reunião com a direcção, deu conta,
em modo de ralhete quase
polido,
do seu desagrado por a SMS ter tornado pública a situação em que
estava e deixou claro que, não sendo os estatutos da Fundação obra
sua, também não eram seus os compromissos que estariam assumidos.
Ou seja, foi à sede as Sociedade Martins Sarmento, não para a
conhecer, mas para mostrar quem mandava. Naquele
dia, morreu a Fundação Martins Sarmento, porque quem manda naquela
casa são os seus sócios. É
que aquela instituição
sempre viveu com dificuldades económicas, mas nunca prescindiu da
sua autonomia
face aos poderes políticos, porque
a independência está na
sua matriz.
Este
era um projecto que Francisca Abreu, que integrou o seu Conselho de
Administração, acarinhou.
A
saída de Júlio Mendes da vereação teve o mesmo efeito. Nele a SMS
encontrou alguém que, perante os problemas, ajudava a encontrar
soluções. E a solução para a SMS seria a requalificação e
modernização do Museu e uma ligação directa à futura Casa da
Memória, cuja concepção e gestão seria entregue à Sociedade, com
os meios financeiros necessários, e a que ficaria afecta parte dos
quadros que a instituição vinha a preparar, com a CEC2012 no
horizonte. Mais uma vez, a mudança de responsável, desta vez na
vereação municipal, foi acompanhada pelo rasgar de compromissos
anteriormente assumidos. Na primeira reunião que tivemos com a
vereadora que assumiu as funções que antes pertenceram a Júlio
Mendes, percebemos que os projectos estruturantes para a Sociedade que constavam da
candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura estavam
mortos e enterrados.
Francisca
Abreu fazia parte de um género de políticos que se vão tornando
raros: os dos que exercem o exercício de cargos políticos com a
generosidade de quem se empenha na causa pública, sem preocupações
de gestão de carreira e sem cuidar dos seus interesses pessoais.
O
mandato autárquico que coincidiu com a Capital Europeia da Cultura,
seria o último de um presidente de Câmara carismático, dotado de
uma inteligência política incomum, que sabia ouvir e sabia dizer
não, mas que, quando dizia sim, era sim. Sob a sua liderança, que
durou mais de duas décadas, Guimarães passou por uma transformação
profunda, que consolidaram o caminho que conduziu à qualificação
do Centro Histórico como Património Mundial e à designação de
Guimarães para Capital Europeia da Cultura em 2012. Francisca Abreu
esteve nesses dois momentos únicos da história da cidade. O papel
que desempenhou na CEC posicionavam-na entre os candidatos naturais à
sucessão de António Magalhães. Mas para isso seria necessário
trabalhar para conquistar a federação de sindicatos de votos em que
o seu partido, a nível local e regional, se foi transformando. Como
essa modalidade de trabalho político não se quadrava com a sua
personalidade, passou ao lado do destino que muitos lhe anteviam: o
de ser a primeira mulher a presidir à Câmara Municipal de
Guimarães. O último mandato de António Magalhães também foi o
último de Francisca Abreu.
Ao
longo dos anos de convívio e de envolvimento em projectos comuns, fomos sedimentando uma relação de amizade, assente na franqueza e
no respeito mútuo. Das
conversas que fomos mantendo ao longo dos últimos anos, percebi
muito desencanto
e
alguma desilusão com
pessoas que lhe foram próximas,
que atribuo ao seu afastamento precoce da actividade política
executiva, em que acumulara todo um cabedal de conhecimento e de
experiência que, digo-o eu, estava a ser manifestamente
desperdiçado. Mas não será essa imagem amargurada
que
irei guardar da Francisca Abreu, preferindo-lhe
a memória do seu
sorriso
aberto e contagiante.
Francisca
Abreu não era aquilo que pode parecer ter sido, quando se lêem os
votos de condolências que têm sido tornados públicos. Quando
uma pessoa com
pensamento próprio
se torna consensual, é sinal
de que já não
se
conta entre os vivos.
Não
sei se deixou escritas
as suas
memórias, por
onde
passaria
a história de mais de duas décadas da história da nossa cidade.
Mas quem é que perde tempo a escrever memórias, quando ainda tem,
como a Francisca tinha, tantos anos pela frente para continuar a
acumulá-las?

várias vezes falei a
um amigo da
urgência em recolher os testemunhos de pessoas que viveram por
dentro os
acontecimentos irrepetíveis
dos dias da pré-história e da história do
tempo em
que Guimarães foi capital cultural
da
Europa. Qualquer
dia, argumentava
eu, iam começar
a desaparecer alguns dos seus protagonistas, por
não ser
verdade a
frase feita que afirma que
a vida não pára. A da Francisca parou demasiado cedo. Tão
cedo, que custa
a acreditar na
sua
partida súbita e inesperada.
Vai-nos
fazer falta.

marcar artigo