Memórias da resistência e da liberdade

11-11-2018
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Acaba de ser lançado o livro Guimarães Daqui houve resistência, coordenado por César Machado, desenhado
por Alexandra Xavier e ilustrado por Nuno Vieira. A edição é do Cineclube de
Guimarães, com apoio da Câmara Municipal de Guimarães. O lançamento aconteceu
no dia 11 de Julho, no Salão Nobre da ACIG. Como objecto, este livro é do
melhor que tem sido feito por aí. Quanto ao conteúdo, composto por um conjunto
de 25 longos depoimentos recolhidos e tratados pelo organizador, é
surpreendente.

Quando César Machado me falou deste projecto pela primeira vez, há
exactamente um ano, foi no final da apresentação o livro de Jerónimo Silva com
memórias pessoais e alheias da antiga Escola do Godinho ou das dominicas,
estava longe de antecipar o seu resultado final.

Na altura, tinha-se falado acerca da importância das memórias dos
indivíduos enquanto componentes da memória colectiva e da falta de tradição
memorialista em Guimarães, provavelmente a terra portuguesa onde se publicam
mais livros de história local. Trata-se de uma reflexão que, há muito, venho
fazendo com os meus botões e com os meus remorsos, que ressurgem sempre que
desaparece do meio de nós alguém de quem seria fundamental recolher e preservar
o testemunho da sua passagem pelo breve tempo de uma vida.

A memória histórica é produzida a partir de fontes de diferentes
naturezas, que filtra, acumula, transmite e é analítica, crítica, precisa e
racional. É constante, embora em permanente processo de acrescentamento e de
reinterpretação. A memória colectiva, mesmo quando dirigida para acontecimentos
remotos, é efémera e inconstante. Apaga, refaz e reescreve segundo o seu
próprio arbítrio, em função do momento presente, da imaginação e do regresso
doe reminiscências recalcadas. É mutável, em função do tempo e das
circunstâncias. Ao contrário da memória histórica, não é rigorosa, é
caprichosa. Ora desvenda, ora oculta. Vive em permanente processo de
reciclagem.

As memórias não são retratos exactos da realidade vivida. São
reconstruções singulares e pessoais formatadas pelos contextos, pelas
mundividências, pelos preconceitos, pelas paixões de quem as rememora. Os
mesmos factos passados, contados de memória por diferentes pessoas que os
viveram ou testemunharam, não são necessariamente relatados da mesma maneira.
Contadas pelos seus protagonistas, as memórias de qualquer confrontação,
independentemente da sua natureza (uma escaramuça, uma batalha, uma guerra, um
golpe de Estado ou uma revolução), são diferentes consoante o lado da barricada
em que estiveram aqueles que as contam.

Em suma: um livro de memórias não é um livro de história, porque a
história não se escreve exclusivamente a partir de um agregado de memórias
individuais. Socorre-se de muitas outras fontes, de diferentes naturezas.

Guimarães Daqui houve
resistência é um livro de memórias, onde estão inscritas  as memórias dos dias de hoje de um tempo que
já já distante. Será também, um valioso documento histórico, fundamental para a
compreensão da resistência ao fascismo e da construção da democracia em
Portugal, que nos diz tanto sobre as experiências vividas pelos narradores como
sobre o modo como vêem hoje aquilo que viveram há quatro, cinco ou mais
décadas.

O que fica dito serve de prevenção para quem, a páginas tantas deste
livro, como o autor destas linhas, acabará por dizer, em relação a este ou
àquele facto: isto não foi assim. O que está neste livro são as memórias
pessoais e intransmissíveis de quem as relata. Estas são as suas histórias.
Fossem outros os narradores, outras seriam as histórias.

~*~

Guimarães Daqui houve resistência passará, seguramente, a ser uma obra de referência para o estudo da história da resistência à
ditadura e da construção da democracia em Portugal. Reúne vinte e cinco
testemunhos de pessoas que, cada um a seu modo, lutaram pela liberdade e pela
democracia, e que, cada uma à sua maneira, estão ligadas a Guimarães. No
entanto, estes testemunhos não se encerram dentro dos velhos muros desta velha
cidade. Aqui temos Guimarães, a região, o país, a Europa.

O seu conteúdo está resumido na nuvem de palavras que vai aí abaixo que
reúne as 150 palavras com entoação política com mais ocorrências ao longo do o
texto, inscritas em dimensões proporcionais ao número de vezes que foram
escritas:

Esmiuçar este gráfico pode ser um exercício muito interessante. Pelo que
lá está, mas também pelo que lá falta. Estão lá expressões óbvias, como
Guimarães, 25 e Abril. Além de Guimarães, Coimbra, Porto, Braga, Lisboa, Fafe,
Famalicão e Paris. Entre as personalidades, Santos Simões aparece claramente
destacado (118 ocorrências), seguido por Zeca Afonso (107), Humberto Delgado
(44), Álvaro Cunhal (41), Eduardo Ribeiro (38), Adriano Correia de Oliveira
(32). Mário Soares (29 referências), já não aparece na nuvem. Das
organizações políticas, o PCP é o que tem mais referências (227), seguido à
distância pelo MRPP, (138), pela LUAR (69) e pela OCMLP (31). No entanto, o
fascismo não está lá, o que é revelador do modo como o tempo tem um efeito
amaciador sobre  as palavras.

~*~

Os 25 testemunhos de Guimarães
Daqui houve resistência atravessam o século XX desde a década de 1930. São
histórias contadas na primeira pessoa onde se fala da resistência, das
perseguições, da prisão, da tortura e do quotidiano dos dias de chumbo da
ditadura fascista, da guerra e da emigração forçada. Mas também da alegria
daquele amanhecer claro em Abril e da construção da democracia. São histórias
de vida de um tempo em que Portugal era um paradoxo acantonado no extremo ocidental
da Europa.

Eduardo
Ribeiro (1926), uma das principais referências dos democratas de Braga, companheiro
de todos os dias e de todas as lutas J. Santos Simões.

Padre Avelino
Cardoso (1932), pároco de Ronfe, mentor do Movimento Operário Católico.

João Ribeiro
(1934), sindicalista e militante político, principal figura da lista operária
que ganhou as eleições do Sindicato Têxtil do Distrito de Braga, um dos grandes
marcos da resistência em Guimarães.

Manuel
Teixeira Júnior (1938), ourives, resistente clandestino, que conheceu as
prisões políticas e a emigração.

Lurdes Mesquita,
a Lurdinhas de Urgezes (1939), católica progressista e
sindicalista.

Luís Caldas
(1939), livreiro, responsável pela antiga Livraria Raul Brandão, ligada à
oposição democrática.

José Casimiro
Ribeiro (1940),desertor, emigrante clandestino em França, onde viveu o Maio de
68, militante da LUAR que estava preso em Caxias no dia 25 de Abril de 1974.

Rui Guimarães
(1943), militar, Capitão de Abril.

António Mota
Prego (1944), advogado, passou por Coimbra e pela Guerra Colonial na Guiné,
responsável pela instalação do PS em Guimarães.

Alberto
Martins (1945), advogado e actualmente deputado, presidiu à Associação
Académica de Coimbra durante a crise de 1969.

António Vieira
Mendes Henriques (1946), emigrante clandestino.

Nuno Padrão
(1947), militar em Abril.

Tino Flores
(1947), cantor, refractário, emigrante clandestino, militante político .

Fernando
Ribeiro, o Ribeiro da Batoca (1947), dos Trofas (família de
oposicionistas de Fafe), foi funcionário político do PCP durante o Verão
Quente, ligado à experiência autogestionária da Fogo Posto.

Jaime Silva
(1947), pintor, professor na Escola João de Meira em 1974, responsável por
murais pintados por crianças.

José Machado
(1948), desertor, emigrante clandestino, militante político, amigo de Emídio
Guerreiro, ligado ao movimento associativa dos emigrantes.

Firmino Mendes
(1949), militar até 24 de Abril de 1974, testemunha do 16 de Março.

Manuela Juncal
(1949), militante política, no 25 vivia na clandestina em Brito.

Jorge
Nascimento (1950), militar em Abril.

Jaime Marques
(1952), um dos responsáveis pela viragem de 1973 no Sindicato Têxtil, militar
em Abril.

Agostinho
Araújo (1952), militar em Abril, tendo integrado a coluna do Capitão Salgueiro
Maia.

Luís Mário
(1952), militar em Abril.

Amadeu Santos
(1953), militante político, iniciou o serviço militar no dia 24 de Abril de
1974.

António Cruz
Mendes (1953), estudante em Coimbra em 1974, militante político.

Isabel Santos
Simões (1961), filha de de Joaquim António Santos Simões e de Maria Açucena Neves Simões.

Estas vidas
davam muitos filmes.

~*~

Ao publicar
este livro, o Cineclube de Guimarães dá (mais) um importante contributo o
resgate da nossa memória colectiva e um exemplo da capacidade de iniciativa, da
produtividade e da criatividade dos obreiros das associações vimaranenses. Esta
edição é uma obra feita com grande profissionalismo e competência por amadores,
aqueles que fazem por amor e que são gratificados com a singela alegria da obra feita.

Acaba de ser lançado o livro Guimarães Daqui houve resistência, coordenado por César Machado, desenhado
por Alexandra Xavier e ilustrado por Nuno Vieira. A edição é do Cineclube de
Guimarães, com apoio da Câmara Municipal de Guimarães. O lançamento aconteceu
no dia 11 de Julho, no Salão Nobre da ACIG. Como objecto, este livro é do
melhor que tem sido feito por aí. Quanto ao conteúdo, composto por um conjunto
de 25 longos depoimentos recolhidos e tratados pelo organizador, é
surpreendente.

Quando César Machado me falou deste projecto pela primeira vez, há
exactamente um ano, foi no final da apresentação o livro de Jerónimo Silva com
memórias pessoais e alheias da antiga Escola do Godinho ou das dominicas,
estava longe de antecipar o seu resultado final.

Na altura, tinha-se falado acerca da importância das memórias dos
indivíduos enquanto componentes da memória colectiva e da falta de tradição
memorialista em Guimarães, provavelmente a terra portuguesa onde se publicam
mais livros de história local. Trata-se de uma reflexão que, há muito, venho
fazendo com os meus botões e com os meus remorsos, que ressurgem sempre que
desaparece do meio de nós alguém de quem seria fundamental recolher e preservar
o testemunho da sua passagem pelo breve tempo de uma vida.

A memória histórica é produzida a partir de fontes de diferentes
naturezas, que filtra, acumula, transmite e é analítica, crítica, precisa e
racional. É constante, embora em permanente processo de acrescentamento e de
reinterpretação. A memória colectiva, mesmo quando dirigida para acontecimentos
remotos, é efémera e inconstante. Apaga, refaz e reescreve segundo o seu
próprio arbítrio, em função do momento presente, da imaginação e do regresso
doe reminiscências recalcadas. É mutável, em função do tempo e das
circunstâncias. Ao contrário da memória histórica, não é rigorosa, é
caprichosa. Ora desvenda, ora oculta. Vive em permanente processo de
reciclagem.

As memórias não são retratos exactos da realidade vivida. São
reconstruções singulares e pessoais formatadas pelos contextos, pelas
mundividências, pelos preconceitos, pelas paixões de quem as rememora. Os
mesmos factos passados, contados de memória por diferentes pessoas que os
viveram ou testemunharam, não são necessariamente relatados da mesma maneira.
Contadas pelos seus protagonistas, as memórias de qualquer confrontação,
independentemente da sua natureza (uma escaramuça, uma batalha, uma guerra, um
golpe de Estado ou uma revolução), são diferentes consoante o lado da barricada
em que estiveram aqueles que as contam.

Em suma: um livro de memórias não é um livro de história, porque a
história não se escreve exclusivamente a partir de um agregado de memórias
individuais. Socorre-se de muitas outras fontes, de diferentes naturezas.

Guimarães Daqui houve
resistência é um livro de memórias, onde estão inscritas  as memórias dos dias de hoje de um tempo que
já já distante. Será também, um valioso documento histórico, fundamental para a
compreensão da resistência ao fascismo e da construção da democracia em
Portugal, que nos diz tanto sobre as experiências vividas pelos narradores como
sobre o modo como vêem hoje aquilo que viveram há quatro, cinco ou mais
décadas.

O que fica dito serve de prevenção para quem, a páginas tantas deste
livro, como o autor destas linhas, acabará por dizer, em relação a este ou
àquele facto: isto não foi assim. O que está neste livro são as memórias
pessoais e intransmissíveis de quem as relata. Estas são as suas histórias.
Fossem outros os narradores, outras seriam as histórias.

~*~

Guimarães Daqui houve resistência passará, seguramente, a ser uma obra de referência para o estudo da história da resistência à
ditadura e da construção da democracia em Portugal. Reúne vinte e cinco
testemunhos de pessoas que, cada um a seu modo, lutaram pela liberdade e pela
democracia, e que, cada uma à sua maneira, estão ligadas a Guimarães. No
entanto, estes testemunhos não se encerram dentro dos velhos muros desta velha
cidade. Aqui temos Guimarães, a região, o país, a Europa.

O seu conteúdo está resumido na nuvem de palavras que vai aí abaixo que
reúne as 150 palavras com entoação política com mais ocorrências ao longo do o
texto, inscritas em dimensões proporcionais ao número de vezes que foram
escritas:

Esmiuçar este gráfico pode ser um exercício muito interessante. Pelo que
lá está, mas também pelo que lá falta. Estão lá expressões óbvias, como
Guimarães, 25 e Abril. Além de Guimarães, Coimbra, Porto, Braga, Lisboa, Fafe,
Famalicão e Paris. Entre as personalidades, Santos Simões aparece claramente
destacado (118 ocorrências), seguido por Zeca Afonso (107), Humberto Delgado
(44), Álvaro Cunhal (41), Eduardo Ribeiro (38), Adriano Correia de Oliveira
(32). Mário Soares (29 referências), já não aparece na nuvem. Das
organizações políticas, o PCP é o que tem mais referências (227), seguido à
distância pelo MRPP, (138), pela LUAR (69) e pela OCMLP (31). No entanto, o
fascismo não está lá, o que é revelador do modo como o tempo tem um efeito
amaciador sobre  as palavras.

~*~

Os 25 testemunhos de Guimarães
Daqui houve resistência atravessam o século XX desde a década de 1930. São
histórias contadas na primeira pessoa onde se fala da resistência, das
perseguições, da prisão, da tortura e do quotidiano dos dias de chumbo da
ditadura fascista, da guerra e da emigração forçada. Mas também da alegria
daquele amanhecer claro em Abril e da construção da democracia. São histórias
de vida de um tempo em que Portugal era um paradoxo acantonado no extremo ocidental
da Europa.

Eduardo
Ribeiro (1926), uma das principais referências dos democratas de Braga, companheiro
de todos os dias e de todas as lutas J. Santos Simões.

Padre Avelino
Cardoso (1932), pároco de Ronfe, mentor do Movimento Operário Católico.

João Ribeiro
(1934), sindicalista e militante político, principal figura da lista operária
que ganhou as eleições do Sindicato Têxtil do Distrito de Braga, um dos grandes
marcos da resistência em Guimarães.

Manuel
Teixeira Júnior (1938), ourives, resistente clandestino, que conheceu as
prisões políticas e a emigração.

Lurdes Mesquita,
a Lurdinhas de Urgezes (1939), católica progressista e
sindicalista.

Luís Caldas
(1939), livreiro, responsável pela antiga Livraria Raul Brandão, ligada à
oposição democrática.

José Casimiro
Ribeiro (1940),desertor, emigrante clandestino em França, onde viveu o Maio de
68, militante da LUAR que estava preso em Caxias no dia 25 de Abril de 1974.

Rui Guimarães
(1943), militar, Capitão de Abril.

António Mota
Prego (1944), advogado, passou por Coimbra e pela Guerra Colonial na Guiné,
responsável pela instalação do PS em Guimarães.

Alberto
Martins (1945), advogado e actualmente deputado, presidiu à Associação
Académica de Coimbra durante a crise de 1969.

António Vieira
Mendes Henriques (1946), emigrante clandestino.

Nuno Padrão
(1947), militar em Abril.

Tino Flores
(1947), cantor, refractário, emigrante clandestino, militante político .

Fernando
Ribeiro, o Ribeiro da Batoca (1947), dos Trofas (família de
oposicionistas de Fafe), foi funcionário político do PCP durante o Verão
Quente, ligado à experiência autogestionária da Fogo Posto.

Jaime Silva
(1947), pintor, professor na Escola João de Meira em 1974, responsável por
murais pintados por crianças.

José Machado
(1948), desertor, emigrante clandestino, militante político, amigo de Emídio
Guerreiro, ligado ao movimento associativa dos emigrantes.

Firmino Mendes
(1949), militar até 24 de Abril de 1974, testemunha do 16 de Março.

Manuela Juncal
(1949), militante política, no 25 vivia na clandestina em Brito.

Jorge
Nascimento (1950), militar em Abril.

Jaime Marques
(1952), um dos responsáveis pela viragem de 1973 no Sindicato Têxtil, militar
em Abril.

Agostinho
Araújo (1952), militar em Abril, tendo integrado a coluna do Capitão Salgueiro
Maia.

Luís Mário
(1952), militar em Abril.

Amadeu Santos
(1953), militante político, iniciou o serviço militar no dia 24 de Abril de
1974.

António Cruz
Mendes (1953), estudante em Coimbra em 1974, militante político.

Isabel Santos
Simões (1961), filha de de Joaquim António Santos Simões e de Maria Açucena Neves Simões.

Estas vidas
davam muitos filmes.

~*~

Ao publicar
este livro, o Cineclube de Guimarães dá (mais) um importante contributo o
resgate da nossa memória colectiva e um exemplo da capacidade de iniciativa, da
produtividade e da criatividade dos obreiros das associações vimaranenses. Esta
edição é uma obra feita com grande profissionalismo e competência por amadores,
aqueles que fazem por amor e que são gratificados com a singela alegria da obra feita.

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