Lendo e relendo: Descentralização dá aos municípios reforço de 2% a 10% das verbas

12-11-2018
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E é isto que, afinal de contas, parece
interessar – o envelope financeiro.

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O resultado final

Embora Pedro Soares tenha, ainda há dias,
vaticinado ser difícil concluir o processo de descentralização e de o PSD ter
acusado o Governo de não estar a cumprir o acordo firmado entre PS e PSD, o
conselho diretivo da ANMP (Associação Nacional dos
Municípios Portugueses) aprovou ontem, dia 3, com um voto contra, as propostas já negociadas
com o Executivo de António Costa no âmbito do processo de descentralização e da
nova Lei das Finanças Locais.

Neste processo negocial, a ANMP garantiu o aumento de 2% a 10%
das verbas a transferir para as autarquias, em praticamente 100% dos
municípios”, como referiu aos jornalistas o socialista Manuel Machado, presidente
da ANMP e da Câmara Municipal de Coimbra. Ao mesmo tempo, receberão 7,5% da receita obtida com o IVA cobrado em serviços
essenciais no respetivo município, como comunicações, eletricidade, água
e gás, bem como nos setores de alojamento e restauração, já durante o ano
económico de 2020 – medida que representa uma melhoria para as autarquias, já
que, no início das negociações, estava previsto receberem apenas 5% desta
receita. De 48 milhões, passam a receber 72 milhões.

Segundo Manuel Machado, 16 dos 17 membros do conselho diretivo da ANMP votaram pelas propostas da associação relacionadas com os
critérios de distribuição de verbas pelos municípios, de modo a
ficar garantido que os montantes das transferências do Orçamento do Estado
contribuam para o reforço da coesão territorial e equilíbrio entre os 308
municípios.

Também adiantou que, no âmbito da Lei das Finanças Locais, serão assumidas
as propostas apresentadas pela ANMP”. Com efeito, na sequência da reunião
realizada com o Governo, no dia 2, a direção da ANMP decidiu pelo acolhimento das
propostas da organização relativamente à futura Lei-Quadro da Descentralização.
E foi aprovada, por maioria, em reunião extraordinária do conselho diretivo,
realizada na sede na associação, em Coimbra, uma resolução com as principais
propostas da ANMP, em matéria de descentralização de competências da
Administração Central para as autarquias e da futura Lei das Finanças Locais.

Machado deu, assim, por “concluído – e formalmente
aprovado – este processo de negociação com o Governo, iniciado em julho de 2016 e decorrente da
resolução aprovada no Congresso da ANMP”, realizado em Troia, em março de 2015.

***

Antecedentes próximos

A 24 de junho, domingo, Eduardo Cabrita,
Ministro da Administração Interna, de visita à Figueira da Foz, considerou “decisivo” o papel da
descentralização para a melhoria das políticas públicas. Dizia o Governante, Eduardo Cabrita, naquele domingo:

“Estamos a viver um momento que não pode ser
desperdiçado, em que temos um Presidente da República totalmente comprometido
com o incentivo a esta estratégia de descentralização e um primeiro-ministro e
um líder do maior partido da oposição que têm como momentos altos das suas
carreiras políticas anteriores terem presidido às duas maiores autarquias do
país”.

Eduardo Cabrita, que falava na sessão solene do Dia da Cidade da Figueira
da Foz, no Centro de Artes e Espetáculos – em que atribuiu a medalha de ouro e o título
de cidadão honorário a José Manuel Leite, o primeiro presidente da autarquia eleito democraticamente –, considerou que “não pode ser desperdiçada” a oportunidade de localmente se poder
fazer melhor na educação, saúde, cultura, ação social, gestão das praias e das zonas
marítimas. Salientando a confiança do Governo nas entidades locais e “na
sua capacidade de bem gerir os recursos públicos”, o Ministro frisou que as autarquias locais “foram o setor da administração pública com melhor
desempenho financeiro ao longo dos últimos anos”. Sublinhou que, em
2017, ano de eleições, em que alguns desconfiavam da capacidade de localmente
bem gerir os recursos públicos, “o setor local voltou a ter um saldo orçamental
positivo e a reduzir a dívida em quase 500 milhões de euros”. E declarou que,
no ano passado, “não foi a despesa corrente que subiu, o que subiu foi a
despesa de investimento, tendo os municípios liderado a
capacidade de começar a utilizar os fundos europeus”. Por outro lado, vincou:

“Se em 2015 cerca de 80 municípios violavam
os limites legais do endividamento, esse número encontra-se hoje reduzido a
cerca de 25 e com uma evolução globalmente positiva na generalidade desses
concelhos”.

É caso
para perguntar ao governante porque estão, de momento, sob suspeita tantas
autarquias, nomeadamente do PS e do PSD, mercê de investigação policial,
inspetiva e judiciária, se o poder local é o alfobre da eficiência e da retidão
na gestão dos negócios públicos? Porque não olham também os governantes para os
núcleos e ações de caciquismo local e da instalada rede de dependências
pessoais e partidárias por que passam alguns (muitos municípios)? Porque ficou tão sem efeito a
lei de limitação de mandatos, graças à sua interpretação restritiva e à
habilidade chico-espertista de quem a soube contornar?

***

Ainda há pouco tempo, o PSD acusava Governo de
não cumprir o acordo sobre descentralização. Por um lado, sem apoio político do
partido do Governo, a proposta de Lei das Finanças Locais ia baixar à especialidade sem
votação embora o Executivo Governo mostrasse abertura para enviar mais dados
sobre transferências para as câmaras, respondendo ao pedido do partido liderado por Rui Rio no sentido de fornecer
os dados sobre quanto cada município vai receber para o reforço da
descentralização. Por outro lado, como afirmava o
deputado socialdemocrata António Costa Silva, “o 1.º pilar do acordo celebrado
entre o Governo e PSD (Transferência de competências para as autarquias
locais) pressupõe que, nesta sessão
legislativa, seja aprovada esta reforma, composta formal e politicamente pela
Lei-Quadro, complementada pelos Decretos-lei setoriais, pela revisão da Lei das
Finanças Locais e pelos “envelopes” financeiros associados a cada autarquia
local com identificação das verbas por área de competências”.

Antes, Cabrita, que tem a tutela das autarquias, garantira que a informação sobre quanto vai para cada autarquia para financiar o
reforço das competências chegará ao Parlamento ainda durante o debate na
especialidade. E, enquanto o PSD lamentava a falta de cumprimento do
acordo por parte do Executivo, chegaram críticas à proposta do Executivo por
parte dos parceiros políticos do Governo – Bloco de Esquerda e PCP. Assim, o deputado
bloquista João Vasconcelos, para mostrar a insatisfação do partido com a
proposta que saiu do Conselho de Ministros, acusou o Governo de ter preferido o
PSD e de se ter afastado do Bloco de Esquerda. E também o PCP se mostrou
descontente com a proposta de lei. Paula Santos, deputada comunista, afirmou
que “associar a Lei das Finanças Locais ao processo de
descentralização não augura nada de bom” e acusou o Governo de
“esconder o incumprimento da Lei das Finanças Locais”, concluindo que “é
inaceitável que adie o cumprimento da Lei das Finanças Locais”.

O Ministro da Administração Interna, além de mostrar abertura para ajustar
a proposta do Governo durante o debate na especialidade, que se seguirá, afirmou
que esta é uma “oportunidade histórica”, mostrando-se satisfeito com o facto de
“todas as bancadas fazerem declarações solenes sobre a importância da
descentralização”.

***

Os acordos entre Governo e PSD sobre fundos
comunitários a partir de 2020 e descentralização tinham sido assinados, a 18 de
abril, em reunião em São Bento, com a
presença de António Costa, Rui Rio e, do lado dos negociadores do Governo,
Eduardo Cabrita e Pedro Marques, bem como Álvaro Amaro e Manuel Castro Almeida,
do lado do PSD. E Nuno Santos, Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares
também esteve presente.

A formalização destes dois acordos ocorreu quase dois meses após o
encontro entre o Primeiro-Ministro e o líder do PSD, realizado a 20 de
fevereiro, dois dias após o Congresso que consagrou Rui Rio. E, horas
antes do encontro, o Presidente da República emitiu uma nota a elogiar os
acordos políticos em causa, desafiando os outros partidos a
juntarem-se a estes entendimentos. Pôde ler-se na aludida nota:

“Desde o seu discurso na tomada de posse
perante a Assembleia da República, a 9 de março de 2016, que o chefe de Estado
tem insistido amiúde na exigência nacional de consensos alargados entre as
várias forças políticas em domínios vitais da vida coletiva e onde o que as
aproxima é mais importante do que o que as separa”.

E, mais adiante afirma o Presidente:

“É por isso com agrado que o
Presidente da República vê os acordos hoje anunciados entre o Governo e o
Partido Social Democrata sobre fundos estruturais e sobre descentralização,
esperando que os consensos possam ser alargados a outros partidos e parceiros
sociais, a bem dos portugueses e independentemente das dinâmicas de governação
e oposição”.

O acordo entre Governo e PSD sobre estas duas matérias aconteceu
numa altura em que as relações dentro dos partidos da atual maioria sofreram um
abalo. Com efeito, o Governo entregou a atualização do Programa de
Estabilidade, onde revê em baixa a meta do défice para este ano, dos 1,1%
aprovados no Parlamento em outubro último, para os 0,7% projetados agora.

O Bloco de Esquerda entregara, entretanto, um projeto de resolução para forçar o Parlamento a debater aquela “alteração” de estratégia
orçamental, embora sem ter concretizado que leitura política faria dum
cenário de chumbo ou de aprovação do seu projeto. E o PCP deixou o assunto para
discussão em sede de preparação do OE para 2019.

O Chefe do Governo, por seu turno, disse que as metas do défice não são
negociadas com os parceiros políticos e garantiu que as medidas aprovadas serão
todas cumpridas.

***

Que descentralização

Como foi referido, está fechado o acordo de
descentralização entre o Governo e a ANMP, após dois anos de negociações,
ficando agora “assegurado um crescimento [dos orçamentos municipais]
entre dois e 10% em praticamente 100% dos municípios”. E, quanto à Lei
das Finanças Locais, serão assumidas as propostas apresentadas pela ANMP. É o
caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Como o DN avançou, as autarquias vão ficar com 7,5% das receitas do IVA
cobrado no próprio município: a ANMP conseguiu subir a fasquia inicialmente
avançada pelo executivo, que propusera a atribuição de um valor de 5% das
receitas próprias nos setores do alojamento, restauração, comunicações,
eletricidade, água e gás.

De acordo com estas previsões, há 20 autarquias que vão
receber mais de 10 milhões de euros para fazer face ao aumento das despesas com
a saúde e a educação.

Mas de que descentralização estamos a falar? Não é da
criação de entidades organizadas regionalmente nem da atribuição de mais
competências a entidades de cunho regional já existentes, a que falta a origem legitimária
eleitoral e a dotação dos órgãos colegiais previstos na Constituição, pois isso
exige o referendo e Marcelo já avisou que não aceitará uma regionalização encapotada.

Também não estamos a falar de transferência de competências
na área das finanças como, por exemplo, a cobrança de impostos, a definição de
impostos regionais ou locais, nem de mecanismos de coordenação económica (comércio, agricultura, florestas, barragens, pescas,
polícia, forças armadas, justiça) ou da segurança social, cultura, polícia, forças
armadas e justiça.

O acordo fechado com a ANMP estabelece a transferência
de novas competências, atualmente asseguradas pelo Estado central, para as
autarquias. É o caso, por exemplo, da gestão das escolas, que passará integralmente
para a esfera autárquica. Assim, ficará sob alçada autárquica a limpeza dos
estabelecimentos, a contratação de novos funcionários (pessoal não docente), as refeições ao transporte escolar, etc. A descentralização
ocorrerá em todos os ciclos do ensino básico e secundário, mas não o ensino
superior. De fora ficam os professores, que continuam a
responder ao Ministério da Educação, que também continuará a definir as
políticas educativas.

O setor da educação leva a parte de leão do orçamento
que o Governo conta transferir dos ministérios para os municípios. Assim, de
acordo com as estimativas do executivo, a gestão das escolas levará 797 milhões
do valor total de 889 milhões que serão transferidos do Orçamento do Estado
para o FFD (Fundo de Financiamento da
Descentralização).

Também na saúde haverá transferência de novas
competências para a esfera municipal, caso dos centros de saúde, que passam
a ser geridos pelas câmaras (edifícios, manutenção, limpeza, segurança). O pessoal médico continua
sob a alçada do Ministério da Saúde.

Resta saber se e do motivo por que ficarão fora da
alçada do Governo o pessoal técnico e administrativo das escolas (importante na gestão) e os enfermeiros,
psicólogos, assistentes sociais e terapeutas, na área da saúde. Ou porque ficam
de fora da alçada das autarquias as universidades e os hospitais.  

Mas há muito mais – dizem. Com a descentralização, as câmaras municipais passam a ser responsáveis
por toda a habitação social, por medidas de proteção animal e
segurança alimentar, pela autorização e licenciamento de todas as
infraestruturas e equipamentos de praia, pela fiscalização da segurança contra
incêndios em todos os edifícios classificados na 1.ª categoria de risco (onde se incluem as habitações, parques de
estacionamento, restaurante ou lares de terceira idade). No caso
do estacionamento dentro de cada município, as coimas passam a reverter
parcialmente para os cofres locais. Já a manutenção das estradas, que
inicialmente também integrava o pacote de descentralização, fica de fora.

As autarquias terão agora três anos para aderir ao
processo de descentralização, que só se torna obrigatório a partir de 2021. Até
lá, cada município decide por si se já tem reunidas as condições para assegurar
a transferência de competências.

No caso das maiores cidades, será uma mudança em larga
escala, sobretudo na educação. Lisboa, por exemplo, passará a ficar com a
tutela de 1915 funcionários (não docentes), distribuídos
por 32 escolas que, no conjunto, têm 109 edifícios.

Todavia, como era de supor, “o Rei vai nu”: a aprovação do processo de
descentralização já não vai a tempo do próximo ano letivo. Com o novo ano
escolar já em preparação, a transferência de competências no setor da educação
só poderá concretizar-se em 2019/2020. Assim, as autarquias deverão decidir se chamam
si, já nessa altura, as novas competências no setor – que implica a mudança
para a esfera autárquica de mais de 43 mil funcionários e quase mil escolas –
ou se esperam pelo ano seguinte, pois as câmaras podem escolher o momento de
adesão ao processo, até ao limite de 2021. A remissão para 2019 da transferência de competências no setor da educação
foi confirmada, em declarações aos jornalistas, pelo ministro da Administração
Interna, Eduardo Cabrita, no final de uma audição na comissão parlamentar de
Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Habitação e Poder Local.

O Ministro esclareceu também que as autarquias poderão aderir de forma
gradual à descentralização, podendo, por exemplo, ficar num ano com as novas
competências na área da saúde e só no seguinte reclamarem o património e ação
social. É a transferência a conta-gotas.

***

Prováveis consequências políticas

Numa audição centrada no tema da descentralização, um dia depois de o
governo e a Associação ANMP terem chegado a um entendimento sobre os termos da transferência
de competências para as autarquias – e depois do acordo já firmado entre PS e
PSD – Eduardo Cabrita ouviu muitas críticas das bancadas à esquerda.

Nestes termos o bloquista João Vasconcelos, acusando o executivo de estar a
avançar para uma “hipermunicipalização”, não falando de regionalização,
vincando que, não obstante o Governo “ser suportado pelos partidos à sua
esquerda, nesta questão optou por fazer um acordo típico de Bloco Central”.

Enfim, tanto o BE
como o PCP sublinharam o risco de as câmaras virem a privatizar serviços que,
para os dois partidos, devem estar no âmbito do Estado, sobretudo nas áreas da
educação, saúde e património. Por isso, a deputada comunista Paula Santos
questionou a intenção de o Governo passar monumentos nacionais para a gestão
autárquica, como castelos, sem que essa competência seja acompanhada de dotação
orçamental. É certo que o Ministro justificou que haverá um aumento das
receitas das autarquias que permitirá fazer face a estas situações. No entanto,
PCP e BE foram claros na oposição a todo este processo. “Para isto não conta
com o PCP”, advertiu Paula Santos. E “cada um seguirá o seu caminho”, frisou
João Vasconcelos.

Com um CDS também crítico, coube ao PSD acompanhar os socialistas no apoio
ao acordo ora fechado, mas destacando que falta dar o passo seguinte para uma
efetiva descentralização. O processo de transferência de competências para as
autarquias “abre caminho para uma reflexão a outros níveis”, destacou o socialdemocrata
António Costa Silva, nomeadamente na esfera supramunicipal e regional, o que
deve ser debatido “sem tabus”.

Entretanto, a Assembleia da República debate na tarde de hoje, dia 4, no
plenário, um projeto de lei conjunto do PS e PSD – o primeiro da legislatura
entre os dois partidos – que formaliza a constituição duma comissão
independente que, até julho do próximo ano, deverá apresentar propostas para
uma descentralização mais ampla, incluindo a distribuição dos serviços do
Estado por todo o território. E de que serviços se tratará?

***

Obviamente,
se não gostei do projeto de regionalização rejeitado pelo referendo, não gosto
desta descentralização, que abre caminho aos desvios locais sem garantir a dimensão
de Estado e a carga de equidade que estes setores temáticos e de atuação
merecem. E, do ângulo da arquitetura política, a atitude do PS é ilegítima por
criar confusão ou significar reorientação partidária  mediis in rebus, o que não se faz. Também dos políticos se exige
coerência!

2018.07.04 –
Louro de Carvalho

E é isto que, afinal de contas, parece
interessar – o envelope financeiro.

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O resultado final

Embora Pedro Soares tenha, ainda há dias,
vaticinado ser difícil concluir o processo de descentralização e de o PSD ter
acusado o Governo de não estar a cumprir o acordo firmado entre PS e PSD, o
conselho diretivo da ANMP (Associação Nacional dos
Municípios Portugueses) aprovou ontem, dia 3, com um voto contra, as propostas já negociadas
com o Executivo de António Costa no âmbito do processo de descentralização e da
nova Lei das Finanças Locais.

Neste processo negocial, a ANMP garantiu o aumento de 2% a 10%
das verbas a transferir para as autarquias, em praticamente 100% dos
municípios”, como referiu aos jornalistas o socialista Manuel Machado, presidente
da ANMP e da Câmara Municipal de Coimbra. Ao mesmo tempo, receberão 7,5% da receita obtida com o IVA cobrado em serviços
essenciais no respetivo município, como comunicações, eletricidade, água
e gás, bem como nos setores de alojamento e restauração, já durante o ano
económico de 2020 – medida que representa uma melhoria para as autarquias, já
que, no início das negociações, estava previsto receberem apenas 5% desta
receita. De 48 milhões, passam a receber 72 milhões.

Segundo Manuel Machado, 16 dos 17 membros do conselho diretivo da ANMP votaram pelas propostas da associação relacionadas com os
critérios de distribuição de verbas pelos municípios, de modo a
ficar garantido que os montantes das transferências do Orçamento do Estado
contribuam para o reforço da coesão territorial e equilíbrio entre os 308
municípios.

Também adiantou que, no âmbito da Lei das Finanças Locais, serão assumidas
as propostas apresentadas pela ANMP”. Com efeito, na sequência da reunião
realizada com o Governo, no dia 2, a direção da ANMP decidiu pelo acolhimento das
propostas da organização relativamente à futura Lei-Quadro da Descentralização.
E foi aprovada, por maioria, em reunião extraordinária do conselho diretivo,
realizada na sede na associação, em Coimbra, uma resolução com as principais
propostas da ANMP, em matéria de descentralização de competências da
Administração Central para as autarquias e da futura Lei das Finanças Locais.

Machado deu, assim, por “concluído – e formalmente
aprovado – este processo de negociação com o Governo, iniciado em julho de 2016 e decorrente da
resolução aprovada no Congresso da ANMP”, realizado em Troia, em março de 2015.

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Antecedentes próximos

A 24 de junho, domingo, Eduardo Cabrita,
Ministro da Administração Interna, de visita à Figueira da Foz, considerou “decisivo” o papel da
descentralização para a melhoria das políticas públicas. Dizia o Governante, Eduardo Cabrita, naquele domingo:

“Estamos a viver um momento que não pode ser
desperdiçado, em que temos um Presidente da República totalmente comprometido
com o incentivo a esta estratégia de descentralização e um primeiro-ministro e
um líder do maior partido da oposição que têm como momentos altos das suas
carreiras políticas anteriores terem presidido às duas maiores autarquias do
país”.

Eduardo Cabrita, que falava na sessão solene do Dia da Cidade da Figueira
da Foz, no Centro de Artes e Espetáculos – em que atribuiu a medalha de ouro e o título
de cidadão honorário a José Manuel Leite, o primeiro presidente da autarquia eleito democraticamente –, considerou que “não pode ser desperdiçada” a oportunidade de localmente se poder
fazer melhor na educação, saúde, cultura, ação social, gestão das praias e das zonas
marítimas. Salientando a confiança do Governo nas entidades locais e “na
sua capacidade de bem gerir os recursos públicos”, o Ministro frisou que as autarquias locais “foram o setor da administração pública com melhor
desempenho financeiro ao longo dos últimos anos”. Sublinhou que, em
2017, ano de eleições, em que alguns desconfiavam da capacidade de localmente
bem gerir os recursos públicos, “o setor local voltou a ter um saldo orçamental
positivo e a reduzir a dívida em quase 500 milhões de euros”. E declarou que,
no ano passado, “não foi a despesa corrente que subiu, o que subiu foi a
despesa de investimento, tendo os municípios liderado a
capacidade de começar a utilizar os fundos europeus”. Por outro lado, vincou:

“Se em 2015 cerca de 80 municípios violavam
os limites legais do endividamento, esse número encontra-se hoje reduzido a
cerca de 25 e com uma evolução globalmente positiva na generalidade desses
concelhos”.

É caso
para perguntar ao governante porque estão, de momento, sob suspeita tantas
autarquias, nomeadamente do PS e do PSD, mercê de investigação policial,
inspetiva e judiciária, se o poder local é o alfobre da eficiência e da retidão
na gestão dos negócios públicos? Porque não olham também os governantes para os
núcleos e ações de caciquismo local e da instalada rede de dependências
pessoais e partidárias por que passam alguns (muitos municípios)? Porque ficou tão sem efeito a
lei de limitação de mandatos, graças à sua interpretação restritiva e à
habilidade chico-espertista de quem a soube contornar?

***

Ainda há pouco tempo, o PSD acusava Governo de
não cumprir o acordo sobre descentralização. Por um lado, sem apoio político do
partido do Governo, a proposta de Lei das Finanças Locais ia baixar à especialidade sem
votação embora o Executivo Governo mostrasse abertura para enviar mais dados
sobre transferências para as câmaras, respondendo ao pedido do partido liderado por Rui Rio no sentido de fornecer
os dados sobre quanto cada município vai receber para o reforço da
descentralização. Por outro lado, como afirmava o
deputado socialdemocrata António Costa Silva, “o 1.º pilar do acordo celebrado
entre o Governo e PSD (Transferência de competências para as autarquias
locais) pressupõe que, nesta sessão
legislativa, seja aprovada esta reforma, composta formal e politicamente pela
Lei-Quadro, complementada pelos Decretos-lei setoriais, pela revisão da Lei das
Finanças Locais e pelos “envelopes” financeiros associados a cada autarquia
local com identificação das verbas por área de competências”.

Antes, Cabrita, que tem a tutela das autarquias, garantira que a informação sobre quanto vai para cada autarquia para financiar o
reforço das competências chegará ao Parlamento ainda durante o debate na
especialidade. E, enquanto o PSD lamentava a falta de cumprimento do
acordo por parte do Executivo, chegaram críticas à proposta do Executivo por
parte dos parceiros políticos do Governo – Bloco de Esquerda e PCP. Assim, o deputado
bloquista João Vasconcelos, para mostrar a insatisfação do partido com a
proposta que saiu do Conselho de Ministros, acusou o Governo de ter preferido o
PSD e de se ter afastado do Bloco de Esquerda. E também o PCP se mostrou
descontente com a proposta de lei. Paula Santos, deputada comunista, afirmou
que “associar a Lei das Finanças Locais ao processo de
descentralização não augura nada de bom” e acusou o Governo de
“esconder o incumprimento da Lei das Finanças Locais”, concluindo que “é
inaceitável que adie o cumprimento da Lei das Finanças Locais”.

O Ministro da Administração Interna, além de mostrar abertura para ajustar
a proposta do Governo durante o debate na especialidade, que se seguirá, afirmou
que esta é uma “oportunidade histórica”, mostrando-se satisfeito com o facto de
“todas as bancadas fazerem declarações solenes sobre a importância da
descentralização”.

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Os acordos entre Governo e PSD sobre fundos
comunitários a partir de 2020 e descentralização tinham sido assinados, a 18 de
abril, em reunião em São Bento, com a
presença de António Costa, Rui Rio e, do lado dos negociadores do Governo,
Eduardo Cabrita e Pedro Marques, bem como Álvaro Amaro e Manuel Castro Almeida,
do lado do PSD. E Nuno Santos, Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares
também esteve presente.

A formalização destes dois acordos ocorreu quase dois meses após o
encontro entre o Primeiro-Ministro e o líder do PSD, realizado a 20 de
fevereiro, dois dias após o Congresso que consagrou Rui Rio. E, horas
antes do encontro, o Presidente da República emitiu uma nota a elogiar os
acordos políticos em causa, desafiando os outros partidos a
juntarem-se a estes entendimentos. Pôde ler-se na aludida nota:

“Desde o seu discurso na tomada de posse
perante a Assembleia da República, a 9 de março de 2016, que o chefe de Estado
tem insistido amiúde na exigência nacional de consensos alargados entre as
várias forças políticas em domínios vitais da vida coletiva e onde o que as
aproxima é mais importante do que o que as separa”.

E, mais adiante afirma o Presidente:

“É por isso com agrado que o
Presidente da República vê os acordos hoje anunciados entre o Governo e o
Partido Social Democrata sobre fundos estruturais e sobre descentralização,
esperando que os consensos possam ser alargados a outros partidos e parceiros
sociais, a bem dos portugueses e independentemente das dinâmicas de governação
e oposição”.

O acordo entre Governo e PSD sobre estas duas matérias aconteceu
numa altura em que as relações dentro dos partidos da atual maioria sofreram um
abalo. Com efeito, o Governo entregou a atualização do Programa de
Estabilidade, onde revê em baixa a meta do défice para este ano, dos 1,1%
aprovados no Parlamento em outubro último, para os 0,7% projetados agora.

O Bloco de Esquerda entregara, entretanto, um projeto de resolução para forçar o Parlamento a debater aquela “alteração” de estratégia
orçamental, embora sem ter concretizado que leitura política faria dum
cenário de chumbo ou de aprovação do seu projeto. E o PCP deixou o assunto para
discussão em sede de preparação do OE para 2019.

O Chefe do Governo, por seu turno, disse que as metas do défice não são
negociadas com os parceiros políticos e garantiu que as medidas aprovadas serão
todas cumpridas.

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Que descentralização

Como foi referido, está fechado o acordo de
descentralização entre o Governo e a ANMP, após dois anos de negociações,
ficando agora “assegurado um crescimento [dos orçamentos municipais]
entre dois e 10% em praticamente 100% dos municípios”. E, quanto à Lei
das Finanças Locais, serão assumidas as propostas apresentadas pela ANMP. É o
caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Como o DN avançou, as autarquias vão ficar com 7,5% das receitas do IVA
cobrado no próprio município: a ANMP conseguiu subir a fasquia inicialmente
avançada pelo executivo, que propusera a atribuição de um valor de 5% das
receitas próprias nos setores do alojamento, restauração, comunicações,
eletricidade, água e gás.

De acordo com estas previsões, há 20 autarquias que vão
receber mais de 10 milhões de euros para fazer face ao aumento das despesas com
a saúde e a educação.

Mas de que descentralização estamos a falar? Não é da
criação de entidades organizadas regionalmente nem da atribuição de mais
competências a entidades de cunho regional já existentes, a que falta a origem legitimária
eleitoral e a dotação dos órgãos colegiais previstos na Constituição, pois isso
exige o referendo e Marcelo já avisou que não aceitará uma regionalização encapotada.

Também não estamos a falar de transferência de competências
na área das finanças como, por exemplo, a cobrança de impostos, a definição de
impostos regionais ou locais, nem de mecanismos de coordenação económica (comércio, agricultura, florestas, barragens, pescas,
polícia, forças armadas, justiça) ou da segurança social, cultura, polícia, forças
armadas e justiça.

O acordo fechado com a ANMP estabelece a transferência
de novas competências, atualmente asseguradas pelo Estado central, para as
autarquias. É o caso, por exemplo, da gestão das escolas, que passará integralmente
para a esfera autárquica. Assim, ficará sob alçada autárquica a limpeza dos
estabelecimentos, a contratação de novos funcionários (pessoal não docente), as refeições ao transporte escolar, etc. A descentralização
ocorrerá em todos os ciclos do ensino básico e secundário, mas não o ensino
superior. De fora ficam os professores, que continuam a
responder ao Ministério da Educação, que também continuará a definir as
políticas educativas.

O setor da educação leva a parte de leão do orçamento
que o Governo conta transferir dos ministérios para os municípios. Assim, de
acordo com as estimativas do executivo, a gestão das escolas levará 797 milhões
do valor total de 889 milhões que serão transferidos do Orçamento do Estado
para o FFD (Fundo de Financiamento da
Descentralização).

Também na saúde haverá transferência de novas
competências para a esfera municipal, caso dos centros de saúde, que passam
a ser geridos pelas câmaras (edifícios, manutenção, limpeza, segurança). O pessoal médico continua
sob a alçada do Ministério da Saúde.

Resta saber se e do motivo por que ficarão fora da
alçada do Governo o pessoal técnico e administrativo das escolas (importante na gestão) e os enfermeiros,
psicólogos, assistentes sociais e terapeutas, na área da saúde. Ou porque ficam
de fora da alçada das autarquias as universidades e os hospitais.  

Mas há muito mais – dizem. Com a descentralização, as câmaras municipais passam a ser responsáveis
por toda a habitação social, por medidas de proteção animal e
segurança alimentar, pela autorização e licenciamento de todas as
infraestruturas e equipamentos de praia, pela fiscalização da segurança contra
incêndios em todos os edifícios classificados na 1.ª categoria de risco (onde se incluem as habitações, parques de
estacionamento, restaurante ou lares de terceira idade). No caso
do estacionamento dentro de cada município, as coimas passam a reverter
parcialmente para os cofres locais. Já a manutenção das estradas, que
inicialmente também integrava o pacote de descentralização, fica de fora.

As autarquias terão agora três anos para aderir ao
processo de descentralização, que só se torna obrigatório a partir de 2021. Até
lá, cada município decide por si se já tem reunidas as condições para assegurar
a transferência de competências.

No caso das maiores cidades, será uma mudança em larga
escala, sobretudo na educação. Lisboa, por exemplo, passará a ficar com a
tutela de 1915 funcionários (não docentes), distribuídos
por 32 escolas que, no conjunto, têm 109 edifícios.

Todavia, como era de supor, “o Rei vai nu”: a aprovação do processo de
descentralização já não vai a tempo do próximo ano letivo. Com o novo ano
escolar já em preparação, a transferência de competências no setor da educação
só poderá concretizar-se em 2019/2020. Assim, as autarquias deverão decidir se chamam
si, já nessa altura, as novas competências no setor – que implica a mudança
para a esfera autárquica de mais de 43 mil funcionários e quase mil escolas –
ou se esperam pelo ano seguinte, pois as câmaras podem escolher o momento de
adesão ao processo, até ao limite de 2021. A remissão para 2019 da transferência de competências no setor da educação
foi confirmada, em declarações aos jornalistas, pelo ministro da Administração
Interna, Eduardo Cabrita, no final de uma audição na comissão parlamentar de
Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Habitação e Poder Local.

O Ministro esclareceu também que as autarquias poderão aderir de forma
gradual à descentralização, podendo, por exemplo, ficar num ano com as novas
competências na área da saúde e só no seguinte reclamarem o património e ação
social. É a transferência a conta-gotas.

***

Prováveis consequências políticas

Numa audição centrada no tema da descentralização, um dia depois de o
governo e a Associação ANMP terem chegado a um entendimento sobre os termos da transferência
de competências para as autarquias – e depois do acordo já firmado entre PS e
PSD – Eduardo Cabrita ouviu muitas críticas das bancadas à esquerda.

Nestes termos o bloquista João Vasconcelos, acusando o executivo de estar a
avançar para uma “hipermunicipalização”, não falando de regionalização,
vincando que, não obstante o Governo “ser suportado pelos partidos à sua
esquerda, nesta questão optou por fazer um acordo típico de Bloco Central”.

Enfim, tanto o BE
como o PCP sublinharam o risco de as câmaras virem a privatizar serviços que,
para os dois partidos, devem estar no âmbito do Estado, sobretudo nas áreas da
educação, saúde e património. Por isso, a deputada comunista Paula Santos
questionou a intenção de o Governo passar monumentos nacionais para a gestão
autárquica, como castelos, sem que essa competência seja acompanhada de dotação
orçamental. É certo que o Ministro justificou que haverá um aumento das
receitas das autarquias que permitirá fazer face a estas situações. No entanto,
PCP e BE foram claros na oposição a todo este processo. “Para isto não conta
com o PCP”, advertiu Paula Santos. E “cada um seguirá o seu caminho”, frisou
João Vasconcelos.

Com um CDS também crítico, coube ao PSD acompanhar os socialistas no apoio
ao acordo ora fechado, mas destacando que falta dar o passo seguinte para uma
efetiva descentralização. O processo de transferência de competências para as
autarquias “abre caminho para uma reflexão a outros níveis”, destacou o socialdemocrata
António Costa Silva, nomeadamente na esfera supramunicipal e regional, o que
deve ser debatido “sem tabus”.

Entretanto, a Assembleia da República debate na tarde de hoje, dia 4, no
plenário, um projeto de lei conjunto do PS e PSD – o primeiro da legislatura
entre os dois partidos – que formaliza a constituição duma comissão
independente que, até julho do próximo ano, deverá apresentar propostas para
uma descentralização mais ampla, incluindo a distribuição dos serviços do
Estado por todo o território. E de que serviços se tratará?

***

Obviamente,
se não gostei do projeto de regionalização rejeitado pelo referendo, não gosto
desta descentralização, que abre caminho aos desvios locais sem garantir a dimensão
de Estado e a carga de equidade que estes setores temáticos e de atuação
merecem. E, do ângulo da arquitetura política, a atitude do PS é ilegítima por
criar confusão ou significar reorientação partidária  mediis in rebus, o que não se faz. Também dos políticos se exige
coerência!

2018.07.04 –
Louro de Carvalho

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