Vai começar o grande circo das autárquicas

23-05-2019
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Não estamos no ano 50 antes de Cristo nem a Gália está ocupada por romanos mas, no panorama nacional português de 2017, parece que o CDS, um pequeno partido sem grande dimensão autárquica, se quer assumir, perante o PSD, como os irredutíveis gauleses perante os legionários de Júlio César.

Assunção Cristas começou cedo a distanciar-se do seu antigo parceiro de coligação. Não só no Parlamento, onde se assumiu há muito como uma oposição pró-ativa, mas também nas ruas, com cartazes com gráficos invertidos, a apontar para o facto de o PS ter “virado a economia de pernas para o ar” e, mais tarde, com outros a apelar a uma “política positiva”. Em setembro, lançava-se na corrida autárquica à capital.

Enquanto o PSD se desgastava por não ter ainda candidato, Assunção Cristas visitava escolas e bairros sociais, empresas, associações e hospitais, mostrando-se, apresentando-se – “já não sou ministra. Agora sou a candidata do CDS à Câmara Municipal de Lisboa”, explicava a uma senhora, no bairro de Alvalade. Anda há meses pela cidade, a distribuir empatia. O CDS tem fé que esta empatia dê resultados quando for altura de ir a votos, a 1 de outubro. Sociais-democratas e analistas acreditam mais na base eleitoral e resultante peso político de cada partido, remetendo a expectativa centrista para uma certa insignificância. Mas, enquanto no PSD há quem se indigne por o CDS ter conseguido pôr o partido a discutir o segundo lugar em Lisboa, do Largo do Caldas responde-se que “o CDS não é a primeira força política nas legislativas, mas ganha câmaras. Quando as candidaturas são fortes, vota-se nos candidatos e não nos partidos”.

Impassível perante tudo isto, Passos Coelho continuou fiel a si mesmo. Abrandou o discurso de que o diabo estava a caminho, mas não se tornou otimista nem mais próximo de um País confrontado com os números e as palavras de António Costa de que era possível fazer diferente. Assim vai enfrentar às autárquicas.

Em 2013, o CDS chegou ao penta, juntando à sua tradicional Ponte de Lima as câmaras de Albergaria-a-Velha, Santana, Vale de Cambra e Velas. Mas com este salto também chegaram as dores de crescimento. Em Ponte de Lima, o escolhido pelas estruturas locais do CDS terá de defrontar o ex-dirigente e ex-deputado Abel Baptista, que renunciou a todos os cargos partidários para se dedicar à sua terra numa candidatura própria. E para contrariar o panorama nacional, de acordos à esquerda, o PS decidiu apoiá-lo a ele, um candidato democrata-cristão.

Mesmo assim, e porque a política local é, em muito, diferente daquela que se faz a nível nacional, CDS e PSD reforçaram as coligações. Se em 2013 firmaram 88 acordos PSD-CDS e quatro CDS-PSD, este ano perspetivam-se mais de cem, apesar de ter sido decretado o divórcio entre as duas partes no distrito da Guarda. É que em Meda, apesar de o CDS pesar mais, o PSD não quis mudar a relação de forças, na hora de negociar o acordo. E assim se zangam as partes.

O PS entre as mulheres

Enquanto Fernando Medina não deixa o papel de presidente para assumir a pele de candidato, a campanha em Lisboa divide-se entre João Ferreira (CDU), Pedro Robles (BE), Assunção Cristas e Teresa Leal Coelho (PSD). Não é a primeira vez que os alfacinhas se deparam com uma candidata do CDS – em 2005, já Maria José Nogueira Pinto havia concorrido, com o azul e amarelo do seu partido. No PSD é uma estreia, mas Leal Coelho já fora a segunda na lista de 2013 e o partido pode gabar-se de ter tido uma líder mulher (Manuela Ferreira Leite), além das muitas candidatas à Assembleia da República.

Surpreendente é que o partido que mais defendeu as quotas e teve, no tempo de António Guterres, um Ministério da Igualdade, nunca tenha candidatado mulheres no distrito de Viana do Castelo. Miguel Alves, líder daquela distrital pelo PS, pode gabar-se de ser o promotor dessa estreia, lançando não uma mas duas mulheres à presidência de câmaras: para defrontar o atual presidente de Arcos de Valdevez, lança a advogada e deputada municipal Dora Brandão; em Valença, e nas mesmas condições, vai a psicóloga e vereadora Anabela Rodrigues. A sua lista ainda está a ser feita, mas Miguel Alves avisa: “Os homens vão ter de se pôr a pau, porque, pelas movimentações e convites que vejo aceites, ainda precisarão de ter quota na lista.”

Se é responsável pela estreia de candidatas no feminino, Miguel Alves, que acumula a presidência da distrital com a da Câmara de Caminha, também quer ser responsável pela derrota de outra mulher – de Júlia Paula Costa, a candidata do PSD, que esteve no seu lugar entre 2001 e 2013 e regressa, após quatro anos fora das lides. “Ironias da política”, diz.

Narciso e Isaltino

Júlia Paula Costa não é a única a regressar, após ter deixado funções, por ter atingido o limite de mandatos (três) permitidos por lei. O cenário, de regresso de históricos autárquicos repete-se, por exemplo, em Matosinhos, Oeiras e Anadia.

Matosinhos: Narciso Miranda, que liderou a autarquia entre 1979 e 2005 (com um interregno entre outubro de 1999 e setembro de 2000, para assumir o cargo de secretário de Estado da Administração Marítima e Aeroportuária) está de regresso. Em 2005, um ano após a morte de Sousa Franco, na sequência do episódio da lota de Matosinhos, durante uma ação de campanha para as europeias de 2004, é afastado das autárquicas. O PS transfere o apoio para Guilherme Pinto, seu vice-presidente. Em 2009, Narciso lança-se na batalha, como independente, mas perde com Guilherme Pinto, recentemente falecido. Agora, Narciso (que nas ruas ainda é tratado por “presidente”) volta para confrontar Luísa Salgueiro (a candidata do PS, apoiada pelo presidente interino). O PSD também está numa situação difícil. A concelhia queria lançar Joaquim Jorge, presidente do Clube dos Pensadores, mas este tem sido contestado por algumas áreas do PSD local. Em surdina, a distrital diz “nem pensar” ao seu nome, tendo como alternativa Virgílio Macedo, ex-presidente daquela estrutura. Quem ganhará o braço de ferro?

Matosinhos vive tempos difíceis, mas é em Oeiras que se fazem mais descobertas arqueológicas. Afinal, é por lá que correm Isaltino Morais (ex-presidente pelo PSD) e Joaquim Raposo (ex-autarca da Amadora, pelo PS). Estudos de opinião dão Isaltino como o mais bem posicionado, com larga vantagem sobre o candidato do PSD (o jovem Ângelo Pereira) e o seu ex-delfim, Paulo Vistas, que volta a correr como independente. Será que as sondagens acertam?

No país dos vira-casacas

Há-os em muitos concelhos e partidos. Viajemos até Amares, distrito de Braga. O presidente da autarquia, Manuel Moreira, socialista desde 1974, é candidato a um novo mandato, como independente, mas pelo PSD. Com ele, leva (do PS para o PSD) a vereadora socialista Cidália Abreu. Na base desta troca está a quebra de confiança entre Manuel Moreira e Jorge Tinoco que, além de seu vice, era também presidente da concelhia de Amares. Para o lugar de Tinoco convidou Isidro Araújo, que havia sido o cabeça de lista da coligação PSD-CDS.

A história de Belmonte precisaria de várias páginas para ser bem contada. Tentando tornar curta uma história longa, diga-se que tudo começa há 30 anos, com António Dias Rocha eleito presidente da câmara. Para seu número dois leva Amândio Melo. No primeiro governo guterrista, José Sócrates, então ministro do Ambiente, convida António Rocha para presidente das Águas do Zêzere e Coa. Amândio Melo assume as funções até que, em 1997, se candidata pelo PS e se mantém no lugar durante três mandatos seguidos. Atingido o limite de mandatos, o PS convida, para substituir Amândio, António Dias Rocha. Nas próximas eleições, Dias Rocha volta a candidatar-se pelo PS. Amândio Melo, passados os quatro anos de descanso forçado, regressa, como independente, apoiado pelo PSD.

Em Proença-a-Nova, o caso é mais simples: Helena Mendonça era vereadora do ex-presidente da Câmara socialista (que saiu antecipadamente, antes de completar os três mandatos), demitiu-se dos seus pelouros e foi até Castelo Branco anunciar que seria candidata à mesma Câmara (de Proença), mas pelo PSD. Na Sertã, o caminho foi o inverso: o PS foi buscar José Luís Jacinto (colaborador de Cavaco Silva no governo e em Belém) para encabeçar a sua candidatura.

E o CDS até pode ser um partido sem expressão autárquica, mas não está alheado deste jogo político. Em Alcobaça, Celorico da Beira, Marco de Canaveses e Tondela, os seus candidatos à presidência da câmara vêm, respetivamente, do PSD (Carlos Bonifácio foi vice-presidente da autarquia entre 2002 e 2009), do PS (António Silva foi vereador independente eleito pelo PS durante dois mandatos), e novamente do PSD (Paulo Teixeira tornou-se conhecido a nível nacional aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, concelho do qual era presidente, eleito pelo PSD; por fim, António Dinis foi dirigente da JSD, membro da concelhia e da distrital do PSD e vereador da câmara, pelo PSD, entre 2005 e 2013).

Duelos entre pais e filhos

Poderíamos ter contado esta história ao falar dos vira-casacas. Mas cabe muito bem aqui, onde se aborda o complexo contrário ao de Édipo, ou seja, aquele em que o pai quer destronar o filho, no qual se concentram as atenções não da mãe mas dos partidos e do eleitorado.

Retomemos o caso de Litério Marques, o autarca social-democrata que dirigiu a Câmara de Anadia entre 1995 e 2013. Impedido de se recandidatar, em 2013, por ter atingido o limite de mandatos, criou um movimento independente e com ele elegeu Maria Teresa Cardoso, que o substituiu na presidência do concelho. A brincadeira de afrontar um candidato do PSD teve consequências e foi decretado o seu afastamento do partido por indecente e má figura. Mas quatro anos passados, quem é que o PSD quer, para retirar Maria Teresa Cardoso da presidência da autarquia? Litério. E este aceitou o desafio.

Em Barcelos, Domingos Pereira, que foi vice-presidente de Miguel Costa Gomes na câmara, candidata-se como independente depois de ter sido apontado pelos órgãos concelhio e distrital do PS como o melhor candidato à câmara. Com a direção nacional do partido a avocar o processo e a aplicar, também em Barcelos, a regra de recandidatar os presidentes em funções, Costa Gomes viu o seu vice-presidente transformar-se no seu primeiro rival autárquico. Em Vizela, aconteceu sensivelmente o mesmo: Vítor Hugo Salgado era vice-presidente de Dinis Costa quando convocou eleições na concelhia socialista para determinar o candidato à câmara. Salgado não só perdeu por quatro votos (teve 14, contra os 18 de Dinis Costa) mas também a confiança política do presidente, que lhe retirou os pelouros da câmara.

Em Bragança e na Maia, o caso é outro. Não houve disputas entre pais e filhos (políticos), entre mentores e aprendizes. As histórias, nestes dois concelhos, são mesmo de sangue. O CDS lança na corrida Francisco Pinheiro, filho do primeiro presidente da câmara bragantina, José Luís Pinheiro, eleito em 1975 pelo CDS e que se manteve no lugar até 1990. Na Maia, surge outro filho. É com Francisco Vieira de Carvalho, filho de José, o histórico autarca do concelho (que foi presidente entre 1970 e 1974 e de 1979 a 2002, pelo CDS, PSD e pelos dois juntos), que o PS pretende roubar a autarquia à direita, agora que Bragança Fernandes tem de sair por ter atingido o limite de mandatos. Enfim, coisas de família.

O peso dos independentes

Marco Almeida é o exemplo acabado dos falsos independentes. Militante social-democrata, em 2013 foi preterido pelo PSD (que apostou em Pedro Pinto) na corrida a Sintra e não teve dúvidas em afastar-se do partido e concorrer como independente. Quatro anos depois, é o PSD que lhe vem bater à porta, desejoso de cavalgar a dinâmica que o ex-vereador conseguiu construir. Mas, se ganhar, quem será eleito ganhador? O movimento de Marco Almeida (apoiado pelo excomungado António Capucho) ou o PSD?

Depois de ter sido 12 anos vice-presidente de Fernando Seara na autarquia, Marco Almeida alcançou, com a sua candidatura independente, 25,4% dos votos (o vencedor, Basílio Horta, não passou dos 26,8%) e o segundo melhor resultado dessas autárquicas. A vida correu-lhe bem, como correu bem a Adelaide Teixeira (a social-democrata que se candidatou como independente em Portalegre), a Teresa Cardoso, em Anadia; a António Anselmo, em Borba, e a Luís Filipe Mourinha, em Estremoz. Correu muito bem a 13 candidatos que se assumiram como o rosto de um verdadeiro movimento de cidadãos-eleitores (caso de Teresa Cardoso, em Anadia, ou Rui Moreira, no Porto) ou foram movidos pela discordância ou o ressentimento face ao seu partido de origem (caso de Marco Almeida, em Sintra, Adelaide Teixeira, em Portalegre, Paulo Vistas, em Oeiras, ou do centrista Abel Baptista, que concorre em Ponte de Lima com o apoio do PS).

Em 2013, foram eleitos 13 presidentes de câmara sem partido, fazendo da categoria “independentes” a quarta maior força autárquica em Portugal, depois do PS (que conquistou 149 câmaras), do PSD (106) e da CDU (35). Só a seguir aos movimentos independentes (sejam eles verdadeiros movimentos de cidadãos, independentes, ou “falsos independentes”, como são chamados os que se afastaram dos seus partidos para se candidatar) surge o CDS, com as cinco câmaras que conquistou em 2013.

Mesmo com uma associação constituída, ainda é cedo para saber quantos candidatos independentes se apresentarão ao eleitorado, a 1 de outubro. A Associação Nacional de Movimentos Autárquicos Independentes foi criada para apoiar candidaturas, tirar dúvidas, explicar procedimentos. Mas a inscrição dos movimentos não é obrigatória. O que se sabe é que o seu presidente, Aurélio Ferreira, será candidato à Marinha Grande. “Nenhuma das pessoas que está connosco teve ligações a partidos. Ninguém se zangou nem anda contra alguém. Andamos todos pela nossa terra”, diz, explicando assim também os trunfos das candidaturas independentes, que são “mais soltas, mais desprendidas” e, à sua medida e perante cada realidade, “tentam responder às necessidades das comunidades, aos problemas concretos das terras, sem diretivas que vêm de cima.” É o que se propõe José Manuel Silva, o ex-bastonário da Ordem dos Médicos que se candidata, como independente, à Câmara de Coimbra e que convidou Rui Moreira, “um candidato verdadeiramente independente, com sucesso na eleição e na governação” do Porto, para uma conferência onde quis ouvir e “aprender com outras experiências.”

Há quem, no PSD, aponte baterias às estruturas locais por não terem apostado em José Manuel Silva. A verdade é que nem o ex-bastonário teve contactos formais com a concelhia e a distrital laranja, “só houve uma conversa de amigos, absolutamente indefinida”, nem o presidente da distrital, Maurício Marques, tem “conhecimento de contactos com dirigentes do PSD.” Foi um processo em tudo inverso ao de Abel Baptista, o ex-deputado do CDS, candidato independente a Ponte de Lima com o apoio do PS. “Não existimos para ter listas em todo o lado, mas para ter alternativas em todo o lado”, explicou à VISÃO o socialista Miguel Alves.

Além do mais, nem sempre se conseguem, nas fileiras do partido, os melhores quadros. No mundo laranja, são frequentes as críticas de que “há excelentes quadros no PSD, mas para ir para o governo ou para cargos de nomeação”. “Disponibilidade autárquica” é que é mais difícil de encontrar, desabafou um dirigente distrital. José Manuel Fernandes, líder da distrital de Braga, está bem ciente do seu papel: se a presidência da “Associação Nacional de Municípios [ANMP] é o objetivo definido pela direção nacional, temos de ser ambiciosos nos objetivos.” Até lá, diz, “cada um tem de fazer a sua parte, porque não é Passos Coelho o candidato às câmaras.”

Para o liderar a ANMP, o PSD tem de roubar 23 câmaras ao PS sem perder nenhuma. Há quem, olhando para o panorama, clame “desgraça” e “desastre”; os que, como Isaltino Morais, garantam que “o PSD vai perder as eleições”, e aqueles que apontam o dedo ao “amadorismo” e à “falta de criatividade” e de “proximidade” com que o PSD geriu o processo autárquico. Depois, há os criativos, que acreditam que, se o partido “ganhar mais câmaras do que tinha, já será uma vitória.”

Sobre o “a seguir”, as opiniões oscilam entre o “depende do resultado”, o “se perder, o partido vai pedir-lhe que saia” e, por fim, a ideia de que “se ele [Passos] não quiser sair, que vá às autárquicas, para lhe comerem os ossos. A seguir sim, hão de aparecer vários candidatos”.

(Artigo publicado na VISÃO 1259, de 20 de abril de 2017)

Não estamos no ano 50 antes de Cristo nem a Gália está ocupada por romanos mas, no panorama nacional português de 2017, parece que o CDS, um pequeno partido sem grande dimensão autárquica, se quer assumir, perante o PSD, como os irredutíveis gauleses perante os legionários de Júlio César.

Assunção Cristas começou cedo a distanciar-se do seu antigo parceiro de coligação. Não só no Parlamento, onde se assumiu há muito como uma oposição pró-ativa, mas também nas ruas, com cartazes com gráficos invertidos, a apontar para o facto de o PS ter “virado a economia de pernas para o ar” e, mais tarde, com outros a apelar a uma “política positiva”. Em setembro, lançava-se na corrida autárquica à capital.

Enquanto o PSD se desgastava por não ter ainda candidato, Assunção Cristas visitava escolas e bairros sociais, empresas, associações e hospitais, mostrando-se, apresentando-se – “já não sou ministra. Agora sou a candidata do CDS à Câmara Municipal de Lisboa”, explicava a uma senhora, no bairro de Alvalade. Anda há meses pela cidade, a distribuir empatia. O CDS tem fé que esta empatia dê resultados quando for altura de ir a votos, a 1 de outubro. Sociais-democratas e analistas acreditam mais na base eleitoral e resultante peso político de cada partido, remetendo a expectativa centrista para uma certa insignificância. Mas, enquanto no PSD há quem se indigne por o CDS ter conseguido pôr o partido a discutir o segundo lugar em Lisboa, do Largo do Caldas responde-se que “o CDS não é a primeira força política nas legislativas, mas ganha câmaras. Quando as candidaturas são fortes, vota-se nos candidatos e não nos partidos”.

Impassível perante tudo isto, Passos Coelho continuou fiel a si mesmo. Abrandou o discurso de que o diabo estava a caminho, mas não se tornou otimista nem mais próximo de um País confrontado com os números e as palavras de António Costa de que era possível fazer diferente. Assim vai enfrentar às autárquicas.

Em 2013, o CDS chegou ao penta, juntando à sua tradicional Ponte de Lima as câmaras de Albergaria-a-Velha, Santana, Vale de Cambra e Velas. Mas com este salto também chegaram as dores de crescimento. Em Ponte de Lima, o escolhido pelas estruturas locais do CDS terá de defrontar o ex-dirigente e ex-deputado Abel Baptista, que renunciou a todos os cargos partidários para se dedicar à sua terra numa candidatura própria. E para contrariar o panorama nacional, de acordos à esquerda, o PS decidiu apoiá-lo a ele, um candidato democrata-cristão.

Mesmo assim, e porque a política local é, em muito, diferente daquela que se faz a nível nacional, CDS e PSD reforçaram as coligações. Se em 2013 firmaram 88 acordos PSD-CDS e quatro CDS-PSD, este ano perspetivam-se mais de cem, apesar de ter sido decretado o divórcio entre as duas partes no distrito da Guarda. É que em Meda, apesar de o CDS pesar mais, o PSD não quis mudar a relação de forças, na hora de negociar o acordo. E assim se zangam as partes.

O PS entre as mulheres

Enquanto Fernando Medina não deixa o papel de presidente para assumir a pele de candidato, a campanha em Lisboa divide-se entre João Ferreira (CDU), Pedro Robles (BE), Assunção Cristas e Teresa Leal Coelho (PSD). Não é a primeira vez que os alfacinhas se deparam com uma candidata do CDS – em 2005, já Maria José Nogueira Pinto havia concorrido, com o azul e amarelo do seu partido. No PSD é uma estreia, mas Leal Coelho já fora a segunda na lista de 2013 e o partido pode gabar-se de ter tido uma líder mulher (Manuela Ferreira Leite), além das muitas candidatas à Assembleia da República.

Surpreendente é que o partido que mais defendeu as quotas e teve, no tempo de António Guterres, um Ministério da Igualdade, nunca tenha candidatado mulheres no distrito de Viana do Castelo. Miguel Alves, líder daquela distrital pelo PS, pode gabar-se de ser o promotor dessa estreia, lançando não uma mas duas mulheres à presidência de câmaras: para defrontar o atual presidente de Arcos de Valdevez, lança a advogada e deputada municipal Dora Brandão; em Valença, e nas mesmas condições, vai a psicóloga e vereadora Anabela Rodrigues. A sua lista ainda está a ser feita, mas Miguel Alves avisa: “Os homens vão ter de se pôr a pau, porque, pelas movimentações e convites que vejo aceites, ainda precisarão de ter quota na lista.”

Se é responsável pela estreia de candidatas no feminino, Miguel Alves, que acumula a presidência da distrital com a da Câmara de Caminha, também quer ser responsável pela derrota de outra mulher – de Júlia Paula Costa, a candidata do PSD, que esteve no seu lugar entre 2001 e 2013 e regressa, após quatro anos fora das lides. “Ironias da política”, diz.

Narciso e Isaltino

Júlia Paula Costa não é a única a regressar, após ter deixado funções, por ter atingido o limite de mandatos (três) permitidos por lei. O cenário, de regresso de históricos autárquicos repete-se, por exemplo, em Matosinhos, Oeiras e Anadia.

Matosinhos: Narciso Miranda, que liderou a autarquia entre 1979 e 2005 (com um interregno entre outubro de 1999 e setembro de 2000, para assumir o cargo de secretário de Estado da Administração Marítima e Aeroportuária) está de regresso. Em 2005, um ano após a morte de Sousa Franco, na sequência do episódio da lota de Matosinhos, durante uma ação de campanha para as europeias de 2004, é afastado das autárquicas. O PS transfere o apoio para Guilherme Pinto, seu vice-presidente. Em 2009, Narciso lança-se na batalha, como independente, mas perde com Guilherme Pinto, recentemente falecido. Agora, Narciso (que nas ruas ainda é tratado por “presidente”) volta para confrontar Luísa Salgueiro (a candidata do PS, apoiada pelo presidente interino). O PSD também está numa situação difícil. A concelhia queria lançar Joaquim Jorge, presidente do Clube dos Pensadores, mas este tem sido contestado por algumas áreas do PSD local. Em surdina, a distrital diz “nem pensar” ao seu nome, tendo como alternativa Virgílio Macedo, ex-presidente daquela estrutura. Quem ganhará o braço de ferro?

Matosinhos vive tempos difíceis, mas é em Oeiras que se fazem mais descobertas arqueológicas. Afinal, é por lá que correm Isaltino Morais (ex-presidente pelo PSD) e Joaquim Raposo (ex-autarca da Amadora, pelo PS). Estudos de opinião dão Isaltino como o mais bem posicionado, com larga vantagem sobre o candidato do PSD (o jovem Ângelo Pereira) e o seu ex-delfim, Paulo Vistas, que volta a correr como independente. Será que as sondagens acertam?

No país dos vira-casacas

Há-os em muitos concelhos e partidos. Viajemos até Amares, distrito de Braga. O presidente da autarquia, Manuel Moreira, socialista desde 1974, é candidato a um novo mandato, como independente, mas pelo PSD. Com ele, leva (do PS para o PSD) a vereadora socialista Cidália Abreu. Na base desta troca está a quebra de confiança entre Manuel Moreira e Jorge Tinoco que, além de seu vice, era também presidente da concelhia de Amares. Para o lugar de Tinoco convidou Isidro Araújo, que havia sido o cabeça de lista da coligação PSD-CDS.

A história de Belmonte precisaria de várias páginas para ser bem contada. Tentando tornar curta uma história longa, diga-se que tudo começa há 30 anos, com António Dias Rocha eleito presidente da câmara. Para seu número dois leva Amândio Melo. No primeiro governo guterrista, José Sócrates, então ministro do Ambiente, convida António Rocha para presidente das Águas do Zêzere e Coa. Amândio Melo assume as funções até que, em 1997, se candidata pelo PS e se mantém no lugar durante três mandatos seguidos. Atingido o limite de mandatos, o PS convida, para substituir Amândio, António Dias Rocha. Nas próximas eleições, Dias Rocha volta a candidatar-se pelo PS. Amândio Melo, passados os quatro anos de descanso forçado, regressa, como independente, apoiado pelo PSD.

Em Proença-a-Nova, o caso é mais simples: Helena Mendonça era vereadora do ex-presidente da Câmara socialista (que saiu antecipadamente, antes de completar os três mandatos), demitiu-se dos seus pelouros e foi até Castelo Branco anunciar que seria candidata à mesma Câmara (de Proença), mas pelo PSD. Na Sertã, o caminho foi o inverso: o PS foi buscar José Luís Jacinto (colaborador de Cavaco Silva no governo e em Belém) para encabeçar a sua candidatura.

E o CDS até pode ser um partido sem expressão autárquica, mas não está alheado deste jogo político. Em Alcobaça, Celorico da Beira, Marco de Canaveses e Tondela, os seus candidatos à presidência da câmara vêm, respetivamente, do PSD (Carlos Bonifácio foi vice-presidente da autarquia entre 2002 e 2009), do PS (António Silva foi vereador independente eleito pelo PS durante dois mandatos), e novamente do PSD (Paulo Teixeira tornou-se conhecido a nível nacional aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, concelho do qual era presidente, eleito pelo PSD; por fim, António Dinis foi dirigente da JSD, membro da concelhia e da distrital do PSD e vereador da câmara, pelo PSD, entre 2005 e 2013).

Duelos entre pais e filhos

Poderíamos ter contado esta história ao falar dos vira-casacas. Mas cabe muito bem aqui, onde se aborda o complexo contrário ao de Édipo, ou seja, aquele em que o pai quer destronar o filho, no qual se concentram as atenções não da mãe mas dos partidos e do eleitorado.

Retomemos o caso de Litério Marques, o autarca social-democrata que dirigiu a Câmara de Anadia entre 1995 e 2013. Impedido de se recandidatar, em 2013, por ter atingido o limite de mandatos, criou um movimento independente e com ele elegeu Maria Teresa Cardoso, que o substituiu na presidência do concelho. A brincadeira de afrontar um candidato do PSD teve consequências e foi decretado o seu afastamento do partido por indecente e má figura. Mas quatro anos passados, quem é que o PSD quer, para retirar Maria Teresa Cardoso da presidência da autarquia? Litério. E este aceitou o desafio.

Em Barcelos, Domingos Pereira, que foi vice-presidente de Miguel Costa Gomes na câmara, candidata-se como independente depois de ter sido apontado pelos órgãos concelhio e distrital do PS como o melhor candidato à câmara. Com a direção nacional do partido a avocar o processo e a aplicar, também em Barcelos, a regra de recandidatar os presidentes em funções, Costa Gomes viu o seu vice-presidente transformar-se no seu primeiro rival autárquico. Em Vizela, aconteceu sensivelmente o mesmo: Vítor Hugo Salgado era vice-presidente de Dinis Costa quando convocou eleições na concelhia socialista para determinar o candidato à câmara. Salgado não só perdeu por quatro votos (teve 14, contra os 18 de Dinis Costa) mas também a confiança política do presidente, que lhe retirou os pelouros da câmara.

Em Bragança e na Maia, o caso é outro. Não houve disputas entre pais e filhos (políticos), entre mentores e aprendizes. As histórias, nestes dois concelhos, são mesmo de sangue. O CDS lança na corrida Francisco Pinheiro, filho do primeiro presidente da câmara bragantina, José Luís Pinheiro, eleito em 1975 pelo CDS e que se manteve no lugar até 1990. Na Maia, surge outro filho. É com Francisco Vieira de Carvalho, filho de José, o histórico autarca do concelho (que foi presidente entre 1970 e 1974 e de 1979 a 2002, pelo CDS, PSD e pelos dois juntos), que o PS pretende roubar a autarquia à direita, agora que Bragança Fernandes tem de sair por ter atingido o limite de mandatos. Enfim, coisas de família.

O peso dos independentes

Marco Almeida é o exemplo acabado dos falsos independentes. Militante social-democrata, em 2013 foi preterido pelo PSD (que apostou em Pedro Pinto) na corrida a Sintra e não teve dúvidas em afastar-se do partido e concorrer como independente. Quatro anos depois, é o PSD que lhe vem bater à porta, desejoso de cavalgar a dinâmica que o ex-vereador conseguiu construir. Mas, se ganhar, quem será eleito ganhador? O movimento de Marco Almeida (apoiado pelo excomungado António Capucho) ou o PSD?

Depois de ter sido 12 anos vice-presidente de Fernando Seara na autarquia, Marco Almeida alcançou, com a sua candidatura independente, 25,4% dos votos (o vencedor, Basílio Horta, não passou dos 26,8%) e o segundo melhor resultado dessas autárquicas. A vida correu-lhe bem, como correu bem a Adelaide Teixeira (a social-democrata que se candidatou como independente em Portalegre), a Teresa Cardoso, em Anadia; a António Anselmo, em Borba, e a Luís Filipe Mourinha, em Estremoz. Correu muito bem a 13 candidatos que se assumiram como o rosto de um verdadeiro movimento de cidadãos-eleitores (caso de Teresa Cardoso, em Anadia, ou Rui Moreira, no Porto) ou foram movidos pela discordância ou o ressentimento face ao seu partido de origem (caso de Marco Almeida, em Sintra, Adelaide Teixeira, em Portalegre, Paulo Vistas, em Oeiras, ou do centrista Abel Baptista, que concorre em Ponte de Lima com o apoio do PS).

Em 2013, foram eleitos 13 presidentes de câmara sem partido, fazendo da categoria “independentes” a quarta maior força autárquica em Portugal, depois do PS (que conquistou 149 câmaras), do PSD (106) e da CDU (35). Só a seguir aos movimentos independentes (sejam eles verdadeiros movimentos de cidadãos, independentes, ou “falsos independentes”, como são chamados os que se afastaram dos seus partidos para se candidatar) surge o CDS, com as cinco câmaras que conquistou em 2013.

Mesmo com uma associação constituída, ainda é cedo para saber quantos candidatos independentes se apresentarão ao eleitorado, a 1 de outubro. A Associação Nacional de Movimentos Autárquicos Independentes foi criada para apoiar candidaturas, tirar dúvidas, explicar procedimentos. Mas a inscrição dos movimentos não é obrigatória. O que se sabe é que o seu presidente, Aurélio Ferreira, será candidato à Marinha Grande. “Nenhuma das pessoas que está connosco teve ligações a partidos. Ninguém se zangou nem anda contra alguém. Andamos todos pela nossa terra”, diz, explicando assim também os trunfos das candidaturas independentes, que são “mais soltas, mais desprendidas” e, à sua medida e perante cada realidade, “tentam responder às necessidades das comunidades, aos problemas concretos das terras, sem diretivas que vêm de cima.” É o que se propõe José Manuel Silva, o ex-bastonário da Ordem dos Médicos que se candidata, como independente, à Câmara de Coimbra e que convidou Rui Moreira, “um candidato verdadeiramente independente, com sucesso na eleição e na governação” do Porto, para uma conferência onde quis ouvir e “aprender com outras experiências.”

Há quem, no PSD, aponte baterias às estruturas locais por não terem apostado em José Manuel Silva. A verdade é que nem o ex-bastonário teve contactos formais com a concelhia e a distrital laranja, “só houve uma conversa de amigos, absolutamente indefinida”, nem o presidente da distrital, Maurício Marques, tem “conhecimento de contactos com dirigentes do PSD.” Foi um processo em tudo inverso ao de Abel Baptista, o ex-deputado do CDS, candidato independente a Ponte de Lima com o apoio do PS. “Não existimos para ter listas em todo o lado, mas para ter alternativas em todo o lado”, explicou à VISÃO o socialista Miguel Alves.

Além do mais, nem sempre se conseguem, nas fileiras do partido, os melhores quadros. No mundo laranja, são frequentes as críticas de que “há excelentes quadros no PSD, mas para ir para o governo ou para cargos de nomeação”. “Disponibilidade autárquica” é que é mais difícil de encontrar, desabafou um dirigente distrital. José Manuel Fernandes, líder da distrital de Braga, está bem ciente do seu papel: se a presidência da “Associação Nacional de Municípios [ANMP] é o objetivo definido pela direção nacional, temos de ser ambiciosos nos objetivos.” Até lá, diz, “cada um tem de fazer a sua parte, porque não é Passos Coelho o candidato às câmaras.”

Para o liderar a ANMP, o PSD tem de roubar 23 câmaras ao PS sem perder nenhuma. Há quem, olhando para o panorama, clame “desgraça” e “desastre”; os que, como Isaltino Morais, garantam que “o PSD vai perder as eleições”, e aqueles que apontam o dedo ao “amadorismo” e à “falta de criatividade” e de “proximidade” com que o PSD geriu o processo autárquico. Depois, há os criativos, que acreditam que, se o partido “ganhar mais câmaras do que tinha, já será uma vitória.”

Sobre o “a seguir”, as opiniões oscilam entre o “depende do resultado”, o “se perder, o partido vai pedir-lhe que saia” e, por fim, a ideia de que “se ele [Passos] não quiser sair, que vá às autárquicas, para lhe comerem os ossos. A seguir sim, hão de aparecer vários candidatos”.

(Artigo publicado na VISÃO 1259, de 20 de abril de 2017)

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