Congresso do PCP: Governo está impedido de cancelar, adiar ou determinar realização por videoconferência?

25-11-2020
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"O Governo só pode regulamentar o decreto do senhor Presidente da República e este só pode proibir no seu decreto o que é autorizado pela Assembleia da República e o que é permitido pela lei do 'Estado de Emergência'. A verdade é que a lei do 'Estado de Emergência' não permite em caso algum que sejam proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia as reuniões dos órgãos estatutários, designadamente dos partidos políticos.", afirmou o primeiro-ministro António Costa, no dia 21 de novembro, após uma reunião do Conselho de Ministros.

"Portanto, mesmo que o Governo quisesse, mesmo que a Assembleia da República quisesse e mesmo que o senhor Presidente da República quisesse, nenhum de nós o poderia fazer nos termos da lei que estão em vigor desde 1986. É assim que está na lei e insisto, o 'Estado de Emergência permite a restrição na medida do estritamente necessário, proporcional e que é adequado, a restrição de certos direitos, liberdades e garantias mas só nos termos do que a Constituição e a lei permitem", acrescentou.

Ao que Rui Rio, líder do PSD, em publicação no Twitter, contrapôs: "O Governo não quer tratar todos os portugueses por igual. A Lei 44/86, que o senhor primeiro-ministro invoca para proteger o PCP, não diz que o Congresso não pode ser adiado e, muito menos, proíbe o Governo de determinar que ele se tenha de realizar por videoconferência. Não o faz porque não quer".

Quem tem razão? O Polígrafo questionou vários constitucionalistas sobre esta matéria, em busca de uma resposta.

"A lei que regula o 'Estado de Sítio' e o 'Estado de Emergência' - Lei n.º 44/86, de 30 de setembro - é clara no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea e, estabelecendo que as reuniões dos órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia", começa por sublinhar Paula Veiga, professora de Direito Constitucional na Universidade de Coimbra.

A docente explica que esta "é uma norma que não admite exceções" e que é necessário cruzá-la com o Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro, que declara o "Estado de Emergência".

Este decreto "não prevê a limitação, restrição ou condicionamento desse direito político, uma vez que, no artigo 4º, só refere os direitos de liberdade e deslocação, a iniciativa privada, social e cooperativa; os direitos dos trabalhadores; e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e vertente negativa do direito à saúde", clarifica Paula Veiga.

No entanto, a constitucionalista ressalva que esta "não possibilidade de limitação do direito político" não decorre da Constituição, mas sim do estado de excepção, uma vez que "a Constituição só não permite restrições ou limitações, mesmo em estados de excepção constitucional, dos direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião".

"Subsistindo problemas de interpretação, a competência para apreciar a aplicação da declaração do 'Estado de Emergência' é da Assembleia da República, no exercício das suas funções de fiscalização", conclui.

Por sua vez, Catarina Santos Botelho, constitucionalista e professora de Direito na Universidade Católica do Porto, começa por salientar que a Constituição estabelece, no seu artigo 19º, "um conjunto de direitos fundamentais que nunca poderão ser suspensos, nem durante a vigência do 'Estado de Emergência', não fazendo parte deste elenco o direito à reunião para fins políticos".

Contudo, na sua perspetiva, a cláusula do artigo 19.º estabelece apenas "um patamar mínimo de proteção, não impedindo que o legislador opte por reforçar o número de direitos imunes à suspensão, tendo sido isso o que sucedeu no artigo 2.º da Lei do 'Estado de Emergência' em que se prevê que não podem ser afetados os direitos de reunião dos órgãos estatutários".

De acordo com Catarina Santos Botelho, esta inserção na lei visou obter uma "amplificação das garantias constitucionais" motivada pela situação de excepção constitucional que ocorre nos estados de emergência, em que "é necessário garantir o equilíbrio de poderes públicos, para que não se potenciem governos musculados e parlamentos diminuídos ou sem uma oposição convincente".

"Parece-me assim que, no nosso enquadramento jurídico-constitucional, o Governo não poderia tomar medidas para cancelar ou adiar o congresso do PCP", conclui, admitindo porém a "possibilidade de alteração dos trâmites em que a reunião partidária poderia ocorrer".

A constitucionalista explica que, neste caso, a posição do Governo teria que radicar em "elementos técnico-sanitários de saúde pública" emitidos pela Direção-Geral da Saúde (DGS), uma vez que o Governo "legitimado em razões ponderosas de saúde pública poderia fixar a realização do congresso por videoconferência, medida esta que acaba por não atingir o núcleo essencial do direito de reunião, já que não está implicada uma proibição ou supressão do direito".

Catarina Santos Botelho aponta ainda para o facto de "a legislação de emergência, quer constitucional, quer infraconstitucional, não ter sido pensada para um contexto de pandemia como o atual". Nesse sentido avisa que "quanto mais tardar a elaboração de uma lei sanitária, mais se agudizará o conflito social".

Também questionado pelo Polígrafo, Tiago Duarte, professor de Direito Constitucional na Universidade Católica de Lisboa, afirma que "se o Governo quisesse evitar agrupamentos de pessoas como os que decorrem num congresso partidário poderia tê-lo feito, mas com tempo, com a alteração da lei do 'Estado de Emergência'".

"O direito de participação política não integra a lista de direitos, na Constituição, que em nenhum caso podem ser afetados com a declaração do 'Estado de Emergência', a sua suspensão é possível", explica o constitucionalista. Mas para que tal acontecesse seria necessário que "a declaração do 'Estado de Emergência' do Presidente da República assim o determinasse e que não existisse uma lei a impedi-lo".

Tiago Duarte admite que, no limite, a lei do "Estado de Emergência" possa "ser considerada inconstitucional tal como está consagrada, porque estabelece uma limitação aos poderes do Presidente da República para além daquilo que a Constituição estabelece".

"Não existindo tempo para se alterar a lei e para o Presidente da República incluir a suspensão deste direito no decreto presidencial", sublinha Tiago Duarte, as opções de que o Governo dispõe são as de "determinar o adiamento do Congresso, estabelecer o condicionamento deste, por exemplo estabelecendo que teria de ser realizado por videoconferência, ou ainda a introdução de um dever cívico, ou seja, lançar um apelo para que o Congresso não se realize".

"O Governo só pode regulamentar o decreto do senhor Presidente da República e este só pode proibir no seu decreto o que é autorizado pela Assembleia da República e o que é permitido pela lei do 'Estado de Emergência'. A verdade é que a lei do 'Estado de Emergência' não permite em caso algum que sejam proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia as reuniões dos órgãos estatutários, designadamente dos partidos políticos.", afirmou o primeiro-ministro António Costa, no dia 21 de novembro, após uma reunião do Conselho de Ministros.

"Portanto, mesmo que o Governo quisesse, mesmo que a Assembleia da República quisesse e mesmo que o senhor Presidente da República quisesse, nenhum de nós o poderia fazer nos termos da lei que estão em vigor desde 1986. É assim que está na lei e insisto, o 'Estado de Emergência permite a restrição na medida do estritamente necessário, proporcional e que é adequado, a restrição de certos direitos, liberdades e garantias mas só nos termos do que a Constituição e a lei permitem", acrescentou.

Ao que Rui Rio, líder do PSD, em publicação no Twitter, contrapôs: "O Governo não quer tratar todos os portugueses por igual. A Lei 44/86, que o senhor primeiro-ministro invoca para proteger o PCP, não diz que o Congresso não pode ser adiado e, muito menos, proíbe o Governo de determinar que ele se tenha de realizar por videoconferência. Não o faz porque não quer".

Quem tem razão? O Polígrafo questionou vários constitucionalistas sobre esta matéria, em busca de uma resposta.

"A lei que regula o 'Estado de Sítio' e o 'Estado de Emergência' - Lei n.º 44/86, de 30 de setembro - é clara no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea e, estabelecendo que as reuniões dos órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia", começa por sublinhar Paula Veiga, professora de Direito Constitucional na Universidade de Coimbra.

A docente explica que esta "é uma norma que não admite exceções" e que é necessário cruzá-la com o Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro, que declara o "Estado de Emergência".

Este decreto "não prevê a limitação, restrição ou condicionamento desse direito político, uma vez que, no artigo 4º, só refere os direitos de liberdade e deslocação, a iniciativa privada, social e cooperativa; os direitos dos trabalhadores; e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e vertente negativa do direito à saúde", clarifica Paula Veiga.

No entanto, a constitucionalista ressalva que esta "não possibilidade de limitação do direito político" não decorre da Constituição, mas sim do estado de excepção, uma vez que "a Constituição só não permite restrições ou limitações, mesmo em estados de excepção constitucional, dos direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião".

"Subsistindo problemas de interpretação, a competência para apreciar a aplicação da declaração do 'Estado de Emergência' é da Assembleia da República, no exercício das suas funções de fiscalização", conclui.

Por sua vez, Catarina Santos Botelho, constitucionalista e professora de Direito na Universidade Católica do Porto, começa por salientar que a Constituição estabelece, no seu artigo 19º, "um conjunto de direitos fundamentais que nunca poderão ser suspensos, nem durante a vigência do 'Estado de Emergência', não fazendo parte deste elenco o direito à reunião para fins políticos".

Contudo, na sua perspetiva, a cláusula do artigo 19.º estabelece apenas "um patamar mínimo de proteção, não impedindo que o legislador opte por reforçar o número de direitos imunes à suspensão, tendo sido isso o que sucedeu no artigo 2.º da Lei do 'Estado de Emergência' em que se prevê que não podem ser afetados os direitos de reunião dos órgãos estatutários".

De acordo com Catarina Santos Botelho, esta inserção na lei visou obter uma "amplificação das garantias constitucionais" motivada pela situação de excepção constitucional que ocorre nos estados de emergência, em que "é necessário garantir o equilíbrio de poderes públicos, para que não se potenciem governos musculados e parlamentos diminuídos ou sem uma oposição convincente".

"Parece-me assim que, no nosso enquadramento jurídico-constitucional, o Governo não poderia tomar medidas para cancelar ou adiar o congresso do PCP", conclui, admitindo porém a "possibilidade de alteração dos trâmites em que a reunião partidária poderia ocorrer".

A constitucionalista explica que, neste caso, a posição do Governo teria que radicar em "elementos técnico-sanitários de saúde pública" emitidos pela Direção-Geral da Saúde (DGS), uma vez que o Governo "legitimado em razões ponderosas de saúde pública poderia fixar a realização do congresso por videoconferência, medida esta que acaba por não atingir o núcleo essencial do direito de reunião, já que não está implicada uma proibição ou supressão do direito".

Catarina Santos Botelho aponta ainda para o facto de "a legislação de emergência, quer constitucional, quer infraconstitucional, não ter sido pensada para um contexto de pandemia como o atual". Nesse sentido avisa que "quanto mais tardar a elaboração de uma lei sanitária, mais se agudizará o conflito social".

Também questionado pelo Polígrafo, Tiago Duarte, professor de Direito Constitucional na Universidade Católica de Lisboa, afirma que "se o Governo quisesse evitar agrupamentos de pessoas como os que decorrem num congresso partidário poderia tê-lo feito, mas com tempo, com a alteração da lei do 'Estado de Emergência'".

"O direito de participação política não integra a lista de direitos, na Constituição, que em nenhum caso podem ser afetados com a declaração do 'Estado de Emergência', a sua suspensão é possível", explica o constitucionalista. Mas para que tal acontecesse seria necessário que "a declaração do 'Estado de Emergência' do Presidente da República assim o determinasse e que não existisse uma lei a impedi-lo".

Tiago Duarte admite que, no limite, a lei do "Estado de Emergência" possa "ser considerada inconstitucional tal como está consagrada, porque estabelece uma limitação aos poderes do Presidente da República para além daquilo que a Constituição estabelece".

"Não existindo tempo para se alterar a lei e para o Presidente da República incluir a suspensão deste direito no decreto presidencial", sublinha Tiago Duarte, as opções de que o Governo dispõe são as de "determinar o adiamento do Congresso, estabelecer o condicionamento deste, por exemplo estabelecendo que teria de ser realizado por videoconferência, ou ainda a introdução de um dever cívico, ou seja, lançar um apelo para que o Congresso não se realize".

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