No início desta semana decidi dedicar um pouco do meu tempo a espantar-me. Pensei ser um desafio. Afinal, num país em que tudo corre pelo melhor, num país quase perfeito, o que poderia ser mais desafiante do que encontrar factos preocupantes ou, o contrário, soluções tão milagrosas que delas um pobre cidadão sempre desconfie.
Comecemos pelos primeiros. Uma vergonha, ou melhor, outra vergonha na nossa justiça. Orlando Figueira, o procurador que, segundo o próprio, foi aliciado por Daniel Proença de Carvalho e pelo banqueiro angolano Carlos Silva, interpôs queixa contra os ditos. Ora, o Ministério Público, sábio e prudente, o MP no qual devemos depositar a nossa confiança, não deixou as coisas em mãos ignorantes e entregou o processo aos procuradores Bonina e Barão, as mesmas que investigaram o processo-mãe. Nada de mal não fosse estas magistradas terem sido acusadas por Orlando Figueira de terem deixado de fora do caso Fizz o advogado e o banqueiro.
Outro facto preocupante é uma peça jornalística sobre o BES e o BESA em que nasceram inocentes como nascem cogumelos. Aquele de quem se dizia ser um dos autores de uma das maiores fraudes realizadas na banca angolana, e que muito tinha afetado o BES em Portugal, aparece agora numa operação de lavagem de imagem dizendo-se vítima do regime angolano e defendendo Portugal e os portugueses dos malvados angolanos amigos de José Eduardo dos Santos.
Claro que estas vergonhas não estão sós. Estão, aliás, muito mal acompanhadas. Depois dos depoimentos de falta de memória de Vítor Constâncio e Carlos Costa, governadores do Banco de Portugal, no caso CGD, depois dos inenarráveis episódios da vida política, muitos em torno das relações familiares de membros do Governo, outros em torno de um advogado que é suspeito de estar envolvido com um hacker, isto é, um criminoso, que muitos querem tornar um herói, já nos vamos habituando a uma preocupação constante, ligeira, tipo febre da carraça, que não mata, mas mói. Tudo factos preocupantes, tudo vergonhas alheias que sentimos como nossas.
E uma última vergonha é não se discutir os temas de fundo neste país e, possivelmente, o maior é o que se refere à demografia. Dentro de 40 anos haverá um trabalhador ativo por cada reformado contra os atuais 1,5 ativos para cada reformado. E, dentro de 40 anos, o país recuará para um número de habitantes igual ao de 1950. O alerta é de António Horta Osório, presidente do Lloyds Bank, que esteve em Lisboa no âmbito dos 40 anos da FAE.
O país caminha rapidamente para o abismo sem rejuvenescimento da população. Lembramos que o nosso sistema de previdência não é de acumulação mas de redistribuição, o que significa que os jovens terão de trabalhar hoje para nós recebermos amanhã. Novas políticas de natalidade, atração dos jovens que emigraram a regressarem e atração de estrangeiros com incentivos, são alguma das ideias de Horta Osório. Pena é que este não seja um tema eleitoral, o que é outra vergonha.
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No início desta semana decidi dedicar um pouco do meu tempo a espantar-me. Pensei ser um desafio. Afinal, num país em que tudo corre pelo melhor, num país quase perfeito, o que poderia ser mais desafiante do que encontrar factos preocupantes ou, o contrário, soluções tão milagrosas que delas um pobre cidadão sempre desconfie.
Comecemos pelos primeiros. Uma vergonha, ou melhor, outra vergonha na nossa justiça. Orlando Figueira, o procurador que, segundo o próprio, foi aliciado por Daniel Proença de Carvalho e pelo banqueiro angolano Carlos Silva, interpôs queixa contra os ditos. Ora, o Ministério Público, sábio e prudente, o MP no qual devemos depositar a nossa confiança, não deixou as coisas em mãos ignorantes e entregou o processo aos procuradores Bonina e Barão, as mesmas que investigaram o processo-mãe. Nada de mal não fosse estas magistradas terem sido acusadas por Orlando Figueira de terem deixado de fora do caso Fizz o advogado e o banqueiro.
Outro facto preocupante é uma peça jornalística sobre o BES e o BESA em que nasceram inocentes como nascem cogumelos. Aquele de quem se dizia ser um dos autores de uma das maiores fraudes realizadas na banca angolana, e que muito tinha afetado o BES em Portugal, aparece agora numa operação de lavagem de imagem dizendo-se vítima do regime angolano e defendendo Portugal e os portugueses dos malvados angolanos amigos de José Eduardo dos Santos.
Claro que estas vergonhas não estão sós. Estão, aliás, muito mal acompanhadas. Depois dos depoimentos de falta de memória de Vítor Constâncio e Carlos Costa, governadores do Banco de Portugal, no caso CGD, depois dos inenarráveis episódios da vida política, muitos em torno das relações familiares de membros do Governo, outros em torno de um advogado que é suspeito de estar envolvido com um hacker, isto é, um criminoso, que muitos querem tornar um herói, já nos vamos habituando a uma preocupação constante, ligeira, tipo febre da carraça, que não mata, mas mói. Tudo factos preocupantes, tudo vergonhas alheias que sentimos como nossas.
E uma última vergonha é não se discutir os temas de fundo neste país e, possivelmente, o maior é o que se refere à demografia. Dentro de 40 anos haverá um trabalhador ativo por cada reformado contra os atuais 1,5 ativos para cada reformado. E, dentro de 40 anos, o país recuará para um número de habitantes igual ao de 1950. O alerta é de António Horta Osório, presidente do Lloyds Bank, que esteve em Lisboa no âmbito dos 40 anos da FAE.
O país caminha rapidamente para o abismo sem rejuvenescimento da população. Lembramos que o nosso sistema de previdência não é de acumulação mas de redistribuição, o que significa que os jovens terão de trabalhar hoje para nós recebermos amanhã. Novas políticas de natalidade, atração dos jovens que emigraram a regressarem e atração de estrangeiros com incentivos, são alguma das ideias de Horta Osório. Pena é que este não seja um tema eleitoral, o que é outra vergonha.