"Deixem-nos trabalhar" e muitos palavrões. O protesto "correu bem" para manifestantes e polícia

14-11-2020
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Já passava mais de uma hora sobre o recolher obrigatório decretado pelo Governo quando Paulo Silva se dirigiu ao comandante das operações policiais no Rossio. “Muito obrigada pela colaboração”, disse o homem que, minutos antes gritava ao microfone a plenos pulmões: “gritem à vontade e mandem tudo para o c…, mas por favor, violência não”.

“Excedi-me um bocadinho, mas sabe como é”, confessou ao polícia o dono do restaurante Solar da Calçada, uma das vítimas colaterais da pandemia da covid 19 e um dos organizadores do protesto que, este sábado, encheu grande parte do Rossio . “Tudo bem. Correu tudo com zero problemas”, responde o comandante operacional.

A polícia esteve atenta e muito presente. Entre elementos da brigada de trânsito que pararam a circulação na avenida da Liberdade, vários agentes do comando geral da PSP e corpo de intervenção “reforçado”, o comandante recusa dizer quantos homens foram deslocados para o local. “Os suficientes de acordo com as indicações dos organizadores”, diz ao Expresso, falando na previsão de mil manifestantes que “foi a estimativa sobre a qual trabalhamos”. À cautela, cães de guarda, coletes anti-bala e até shotguns – “com balas de borracha”, esclarece o comandante - preparavam as autoridades para quaisquer eventualidades.

Mas, “correu tudo bem”, garantem todos no final do protesto, de onde saíram ordeiramente, sem qualquer problema. O único incidente a registar surgiu quando o representante das empresas de eventos lamentou ao microfone que o Observador tenha publicado uma notícia dando conta da presença de 200 manifestantes no local. “Ele está ali”, disse, apontando o dedo. Houve quem aproveitasse a deixa e avançasse como leões. Mas, os gritos dos organizadores de que “estamos aqui pela paz” e de que “não lhes deem motivos para escrever”, para além da aproximação da polícia, acabou com o incidente pela raiz. “Exaltei-me, mas o coração está a saltar”, disse minutos depois o instigador, de novo com o microfone nas mãos e lugar no palanque colocado em cima de uma caixa aberta. E minutos depois, era com o pedido de "uma salva de palmas para o Observador que corrigiu a notícia", que as pazes se faziam e tudo voltava à normalidade

Um protesto com bola vermelha e contra os jornalistas

A ideia de que o protesto era "pacífico, apartidário e cívico" foi um ponto de honra da organização. Lubomir Stanisic, que na véspera participou na manifestação do Porto, lembrou aos manifestantes de Lisboa como um momento de violência pode deitar tudo a perder, porque "é disso só que depois as televisões falam". "Os que querem a violência, não são bem vindos", assumiu.

O chefe sérvio radicado em Portugal falava, certamente, de violência física. Essa, sem dúvida, não existiu durante as quase três horas que durou o protesto, parte das quais já em pleno recolher obrigatório, porque "os direitos cívicos não estão suspensos", como disseram várias vezes os organizadores e confirmou o comandante da PSP.

Mas, já quanto a violência verbal, a verdade é que foi uma constante porque quase nada ficou por dizer. Raramente se ouviu tantas vezes e tão alto o conjunto de palavrões que se desfiaram do palco improvisado em cima de uma carrinha de caixa aberta. Se isto fosse uma reportagem de video, era obrigatória a bolinha vermelha em cima, para permitir a transcrição do "f... que ninguem se lembra da noite", ou os lamentos contra "essa corja de f... da p...", a "escumalha" ou as vezes em que se concluíam as frases com "f.." ou "c...".

"Fomos completamente abandonados pela corja de políticos que temos", dizia, às tantas, um dos oradores que, depois de abusar do calão em várias frases, aproveitou para se justificar. "Asneiras também são da língua portuguesa".

A linguagem é uma marca da diferença destes protestos. E os organizadores querem que assim seja, para vincar a distância de quaisquer forças políticas e partidárias. "Viemos em paz, sem política e sem políticas", começou por dizer Lubomir aos manifestantes que compunham a praça do Rossio. "Sem politiquices" e com a intenção de não "ser provocantes", os organizadores não impediram, porém, que o líder do Chega se juntasse aos manifestantes.

André Ventura chegou discretamente à Praça (não fosse o circulo de seguranças que o rodearam, passaria despercebido) e até pediu aos jornalistas para não ser fotografado. A organização garantiu ao Expresso que pediu ao Chega para não se associar à iniciativa para evitar colagens políticas. Foi o único dirigente partidário a marcar presença. E mesmo o presidente da Câmara de Lisboa, ao contrário dos seus colegas do Porto e de Setúbal, não compareceu no local dos protestos para falar com os organizadores. "Fernando Medina não gosta dos restaurantes e, ao contrário da polícia, até achou que não nos deviamos manifestar", disse o chefe Paulo Silva ao Expresso.

Para além do aparente apartidarismo da organização, há outra marca importante nesta manifestação: as críticas aos jornalistas e aos meios de Comunicação Social em geral. A ideia de que são "silenciados" ou "deturpados" no que dizem e fazem é uma constante em várias intervenções. Houve queixas diretas a "estes f... da p.... da desinformação" e ao longo do desfile da avenida da Liberdade foram gritadas palavras de ordem de "abaixo os jornalistas" e apelos para que os manifestantes não falassem "com essa gente".

O tom geral, porém, foi outro. Um sem número de vezes se ouviu "deixem-nos trabalhar!", à boa tradição de Cavaco ou de Salazar e houve até quem elogiasse o facto inédito na "História de se fazer uma revolução só porque se quer trabalhar". Mas as palavras de ordem e a banda sonora, tornaram o evento difícil de classificar. Houve apelos à "luta continua", gritos à "liberdade" e a "Portugal, Portugal, Portugal". Cantou-se a Grândola e o Hino Nacional, mas também o Despacito. Definitivamente, o mundo está confuso. E não é só por causa da covid.

Já passava mais de uma hora sobre o recolher obrigatório decretado pelo Governo quando Paulo Silva se dirigiu ao comandante das operações policiais no Rossio. “Muito obrigada pela colaboração”, disse o homem que, minutos antes gritava ao microfone a plenos pulmões: “gritem à vontade e mandem tudo para o c…, mas por favor, violência não”.

“Excedi-me um bocadinho, mas sabe como é”, confessou ao polícia o dono do restaurante Solar da Calçada, uma das vítimas colaterais da pandemia da covid 19 e um dos organizadores do protesto que, este sábado, encheu grande parte do Rossio . “Tudo bem. Correu tudo com zero problemas”, responde o comandante operacional.

A polícia esteve atenta e muito presente. Entre elementos da brigada de trânsito que pararam a circulação na avenida da Liberdade, vários agentes do comando geral da PSP e corpo de intervenção “reforçado”, o comandante recusa dizer quantos homens foram deslocados para o local. “Os suficientes de acordo com as indicações dos organizadores”, diz ao Expresso, falando na previsão de mil manifestantes que “foi a estimativa sobre a qual trabalhamos”. À cautela, cães de guarda, coletes anti-bala e até shotguns – “com balas de borracha”, esclarece o comandante - preparavam as autoridades para quaisquer eventualidades.

Mas, “correu tudo bem”, garantem todos no final do protesto, de onde saíram ordeiramente, sem qualquer problema. O único incidente a registar surgiu quando o representante das empresas de eventos lamentou ao microfone que o Observador tenha publicado uma notícia dando conta da presença de 200 manifestantes no local. “Ele está ali”, disse, apontando o dedo. Houve quem aproveitasse a deixa e avançasse como leões. Mas, os gritos dos organizadores de que “estamos aqui pela paz” e de que “não lhes deem motivos para escrever”, para além da aproximação da polícia, acabou com o incidente pela raiz. “Exaltei-me, mas o coração está a saltar”, disse minutos depois o instigador, de novo com o microfone nas mãos e lugar no palanque colocado em cima de uma caixa aberta. E minutos depois, era com o pedido de "uma salva de palmas para o Observador que corrigiu a notícia", que as pazes se faziam e tudo voltava à normalidade

Um protesto com bola vermelha e contra os jornalistas

A ideia de que o protesto era "pacífico, apartidário e cívico" foi um ponto de honra da organização. Lubomir Stanisic, que na véspera participou na manifestação do Porto, lembrou aos manifestantes de Lisboa como um momento de violência pode deitar tudo a perder, porque "é disso só que depois as televisões falam". "Os que querem a violência, não são bem vindos", assumiu.

O chefe sérvio radicado em Portugal falava, certamente, de violência física. Essa, sem dúvida, não existiu durante as quase três horas que durou o protesto, parte das quais já em pleno recolher obrigatório, porque "os direitos cívicos não estão suspensos", como disseram várias vezes os organizadores e confirmou o comandante da PSP.

Mas, já quanto a violência verbal, a verdade é que foi uma constante porque quase nada ficou por dizer. Raramente se ouviu tantas vezes e tão alto o conjunto de palavrões que se desfiaram do palco improvisado em cima de uma carrinha de caixa aberta. Se isto fosse uma reportagem de video, era obrigatória a bolinha vermelha em cima, para permitir a transcrição do "f... que ninguem se lembra da noite", ou os lamentos contra "essa corja de f... da p...", a "escumalha" ou as vezes em que se concluíam as frases com "f.." ou "c...".

"Fomos completamente abandonados pela corja de políticos que temos", dizia, às tantas, um dos oradores que, depois de abusar do calão em várias frases, aproveitou para se justificar. "Asneiras também são da língua portuguesa".

A linguagem é uma marca da diferença destes protestos. E os organizadores querem que assim seja, para vincar a distância de quaisquer forças políticas e partidárias. "Viemos em paz, sem política e sem políticas", começou por dizer Lubomir aos manifestantes que compunham a praça do Rossio. "Sem politiquices" e com a intenção de não "ser provocantes", os organizadores não impediram, porém, que o líder do Chega se juntasse aos manifestantes.

André Ventura chegou discretamente à Praça (não fosse o circulo de seguranças que o rodearam, passaria despercebido) e até pediu aos jornalistas para não ser fotografado. A organização garantiu ao Expresso que pediu ao Chega para não se associar à iniciativa para evitar colagens políticas. Foi o único dirigente partidário a marcar presença. E mesmo o presidente da Câmara de Lisboa, ao contrário dos seus colegas do Porto e de Setúbal, não compareceu no local dos protestos para falar com os organizadores. "Fernando Medina não gosta dos restaurantes e, ao contrário da polícia, até achou que não nos deviamos manifestar", disse o chefe Paulo Silva ao Expresso.

Para além do aparente apartidarismo da organização, há outra marca importante nesta manifestação: as críticas aos jornalistas e aos meios de Comunicação Social em geral. A ideia de que são "silenciados" ou "deturpados" no que dizem e fazem é uma constante em várias intervenções. Houve queixas diretas a "estes f... da p.... da desinformação" e ao longo do desfile da avenida da Liberdade foram gritadas palavras de ordem de "abaixo os jornalistas" e apelos para que os manifestantes não falassem "com essa gente".

O tom geral, porém, foi outro. Um sem número de vezes se ouviu "deixem-nos trabalhar!", à boa tradição de Cavaco ou de Salazar e houve até quem elogiasse o facto inédito na "História de se fazer uma revolução só porque se quer trabalhar". Mas as palavras de ordem e a banda sonora, tornaram o evento difícil de classificar. Houve apelos à "luta continua", gritos à "liberdade" e a "Portugal, Portugal, Portugal". Cantou-se a Grândola e o Hino Nacional, mas também o Despacito. Definitivamente, o mundo está confuso. E não é só por causa da covid.

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