Quanto valem 360 mil visualizações no YouTube para André Ventura (ou para qualquer outro político)?

06-11-2019
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Três minutos e cinquenta e nove segundos vistos (teoricamente e até à hora de publicação deste texto) por trezentas e sessenta e cinco mil quinhentas e sete pessoas. Ao consultar cada uma das páginas dos partidos no Youtube, todos eles - exceção apenas para o BE e o CDS - publicaram a primeira intervenção no novo Parlamento. Ora, os números de visualizações dão uma clara vantagem a André Ventura. O único deputado eleito pelo Chega já passou a barreira das 360 mil visualizações. Segue-o de longe Rui Rio, numa interpelação a António Costa, com perto de 82 mil. Mas o que significam realmente estes números?

“Sejam os 360 mil do Ventura, os 80 mil do Rio, os quatro mil da Joacine, temos muita dificuldade em dizer que foram de facto 360 mil ou 80 mil ou quatro mil pessoas autónomas, vivas e com existência física a fazerem o clique no play”, diz ao Expresso Luís Santos, professor da Universidade do Minho.

Para o também director-adjunto do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, ainda que com a dúvida das visualizações reais, é inquestionável o grande avanço que Ventura leva nesta corrida. No entanto, ver um vídeo não é gostar, menos ainda identificar-se com a mensagem. “Vi esse vídeo nos dias seguintes várias vezes no meu feed de Facebook e diria que não tenho assim tanta proximidade com pessoas que eventualmente estão alinhadas com as ideias do Chega. Quer isto dizer que entre estes milhares de views, além de apoiantes, estão as pessoas que partilham com o objetivo de criticar. Curioso é que mesmo não concordando, essas mesmas pessoas estão a replicar uma mensagem e não se dão conta de que é precisamente essa a lógica mais favorável ao Chega e a Ventura. Seja para criticar ou para elogiar, as duas valem quase a mesma coisa nesta apreciação dos números”, aponta o professor universitário.

A seguir ao PSD, na lista de vídeos mais vistos da primeira sessão parlamentar da nova legislatura, está a intervenção de João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, com 20.508 visualizações; à distância está Joacine Katar Moreira, do Livre, com apenas 5 059. Nos últimos lugares, surgem a CDU e o PAN. A intervenção de Jerónimo de Sousa, político com longo percurso no Parlamento, foi vista 127 vezes; por sua vez, a de André Silva conta com 167 visualizações.

“À escala portuguesa, 360 mil não é um número normal (noutros países seria). Talvez se explique pelo factor surpresa: primeira intervenção no Parlamento, depois de ter havido aquelas conversas sobre as portas novas, os atrasos ou se iria cumprimentar o presidente da AR”, nota Luís Santos, que acrescenta que, nas próximas intervenções, a situação deve ir-se “banalizando”, a não ser que exista algum “momento de maior altercação com alguém”. “Aí haverá potencial para se voltar a atingir estes números ou mais.”

O potencial de que fala estende-se, também, ao Iniciativa Liberal e ao Livre. Os partidos considerados pequenos e que se estreiam no Parlamento precisam de se mostrar, defende - “talvez não de igual forma”. “A forma de se mostrarem na AR é pelos discursos, por eventuais comparações ou referências a episódios mais curiosos ou divertidos da governação. Vão ter de chamar à atenção para a sua mensagem política pela sua performance no Parlamento, sendo que vão ter muito menos tempo que os outros. Vai haver aqui um jogo exibicionista interessante por parte destes três partidos”, acrescenta Luís Santos.

Já Pedro Adão e Silva sublinha que os novos partidos conseguem agora juntar a presença parlamentar a outras formas de comunicação menos institucionais que dominavam melhor do que os partidos mais tradicionais. “As novas forças políticas sempre tiveram como primeiro obstáculo a invisibilidade e, no passado, era necessário ter presença na AR e nos meios de comunicação tradicionais. As redes sociais ajudaram a que essa intermediação não seja necessária”, diz o sociólogo e especialista em ciência política. “A verdade é que por vários motivos as novas formações políticas têm um discurso mais adequado às novas redes sociais.”

Ainda assim, refere o antigo dirigente socialista, o público dos meios considerados tradicionais - as televisões e as rádios - é aquele que habitualmente menos se abstém em eleições. “Provavelmente, estas reproduções nas redes sociais chegam a outro público, que não é aquele que está em casa a ver os debates nos canais noticiosos. Do ponto de vista do impacto no voto, tenderia a dizer que, apesar de tudo, os media tradicionais chegam a mais gente e a gente que vota”, defende.

Outro ponto que Adão e Silva diz beneficiar os partidos pequenos é a facilidade de criar uma identidade com o seu eleitorado. Se, por um lado, PS e PSD são forças “com eleitores muito diversos” - o que “dificulta um discurso que separa o nós dos outros” -, por outro, os mais pequenos conseguem ter uma “posição muito identitária”. “É muito mais difícil para um partido que faz parte do arco da governação, e que tem como prioridade governar, ter um discurso simplista e linear que pode passar em 30 segundos numa rede social.”

Mensagem pró-redes sociais

Para Luís Santos, é muito provável que a intervenção de André Ventura na primeira reunião plenária tenha sido preparada para ser posteriormente replicada nas redes sociais. “Talvez tenha sido, de todos os partidos, o que fez isto de maneira mais eficaz porque estão aí os números para provar”, considera. E recorda que esta mesma interpelação no Parlamento foi pensada num contexto em que “havia muita expectativa criada” por parte dos meios de comunicação social.

“Os media têm muita responsabilidade porque alimentam situações que são absolutamente irrelevantes e, naturalmente, o senhor teve um comportamento digno, e aproveitou-se dessa quase onda de curiosidade de como seria a sua apresentação. Aqueles dois minutos foram preparados com muito cuidado, tendo em conta o público alvo e com a percepção muito clara de que um discurso inflamado vai ter impacto.

Mas impacto traduz-se em eficácia? “Só o facto de estarmos a falar disto agora, prova que a estratégia é eficaz”, diz Adão e Silva, que argumenta que as pessoas não estão a falar do programa do Governo ou do novo Executivo. “Comenta-se a gaguez da Joacine, as respostas no Twitter, as saias do assessor, a tese de doutoramento do André Ventura, fala-se da Iniciativa Liberal e do socialismo.”

Já para Luís Santos, o verdadeiro barómetro só acontece daqui a quatro anos, nas próximas eleições. “Seria redutor dizer que o Chega tem muitas visualizações no YouTube ou que a Iniciativa Liberal tem muitas partilhas no Twitter. Se só tomássemos estes números em conta, teríamos resultados eleitorais muito diferentes daquilo que realmente aconteceu. Embora possa ser enganador, há que não esquecer o carácter lúdico que as pessoas ainda dão à partilha de alguns conteúdos políticos.”

E compara com aquilo que aconteceu antes das eleições de Donald Trump e Jair Bolsonaro: “os críticos dedicaram-se tanto na crítica às publicações que a dado momento percebeu-se que eram essas publicações que dominavam o fluxo comunicacional da campanha”. Negando que isto seja sinal de que o mesmo vá acontecer em Portugal, Luís Santos salienta que a popularidade e atenção do Chega confirmam, “ainda que com alguma apreensão”, que a estratégia do partido está “em tudo alinhada com “a estratégia de outras forças com posicionamentos políticos semelhantes na Europa, no Brasil e nos EUA”.

“A primeira coisa a fazer é aprender com a experiência norte-americana e até brasileira: passaram a imagem de que Trump era um bobo, até que as coisas ficaram sérias. No Brasil, Bolsonaro também foi entendido assim, sobretudo pela imprensa mais séria e isso foi um enorme erro”, defende o professor universitário. “Com Ventura, primeiro foi a questão da nova porta, depois se ia ou não tratar bem o presidente da AR. Este tipo de construção informativa não ajuda. Os media devem ter um comportamento jornalístico, questioná-lo no que importa, perceber as propostas políticas. Devem fazer o mesmo escrutínio que fazem com os outros políticos, com seriedade”, conclui.

Três minutos e cinquenta e nove segundos vistos (teoricamente e até à hora de publicação deste texto) por trezentas e sessenta e cinco mil quinhentas e sete pessoas. Ao consultar cada uma das páginas dos partidos no Youtube, todos eles - exceção apenas para o BE e o CDS - publicaram a primeira intervenção no novo Parlamento. Ora, os números de visualizações dão uma clara vantagem a André Ventura. O único deputado eleito pelo Chega já passou a barreira das 360 mil visualizações. Segue-o de longe Rui Rio, numa interpelação a António Costa, com perto de 82 mil. Mas o que significam realmente estes números?

“Sejam os 360 mil do Ventura, os 80 mil do Rio, os quatro mil da Joacine, temos muita dificuldade em dizer que foram de facto 360 mil ou 80 mil ou quatro mil pessoas autónomas, vivas e com existência física a fazerem o clique no play”, diz ao Expresso Luís Santos, professor da Universidade do Minho.

Para o também director-adjunto do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, ainda que com a dúvida das visualizações reais, é inquestionável o grande avanço que Ventura leva nesta corrida. No entanto, ver um vídeo não é gostar, menos ainda identificar-se com a mensagem. “Vi esse vídeo nos dias seguintes várias vezes no meu feed de Facebook e diria que não tenho assim tanta proximidade com pessoas que eventualmente estão alinhadas com as ideias do Chega. Quer isto dizer que entre estes milhares de views, além de apoiantes, estão as pessoas que partilham com o objetivo de criticar. Curioso é que mesmo não concordando, essas mesmas pessoas estão a replicar uma mensagem e não se dão conta de que é precisamente essa a lógica mais favorável ao Chega e a Ventura. Seja para criticar ou para elogiar, as duas valem quase a mesma coisa nesta apreciação dos números”, aponta o professor universitário.

A seguir ao PSD, na lista de vídeos mais vistos da primeira sessão parlamentar da nova legislatura, está a intervenção de João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, com 20.508 visualizações; à distância está Joacine Katar Moreira, do Livre, com apenas 5 059. Nos últimos lugares, surgem a CDU e o PAN. A intervenção de Jerónimo de Sousa, político com longo percurso no Parlamento, foi vista 127 vezes; por sua vez, a de André Silva conta com 167 visualizações.

“À escala portuguesa, 360 mil não é um número normal (noutros países seria). Talvez se explique pelo factor surpresa: primeira intervenção no Parlamento, depois de ter havido aquelas conversas sobre as portas novas, os atrasos ou se iria cumprimentar o presidente da AR”, nota Luís Santos, que acrescenta que, nas próximas intervenções, a situação deve ir-se “banalizando”, a não ser que exista algum “momento de maior altercação com alguém”. “Aí haverá potencial para se voltar a atingir estes números ou mais.”

O potencial de que fala estende-se, também, ao Iniciativa Liberal e ao Livre. Os partidos considerados pequenos e que se estreiam no Parlamento precisam de se mostrar, defende - “talvez não de igual forma”. “A forma de se mostrarem na AR é pelos discursos, por eventuais comparações ou referências a episódios mais curiosos ou divertidos da governação. Vão ter de chamar à atenção para a sua mensagem política pela sua performance no Parlamento, sendo que vão ter muito menos tempo que os outros. Vai haver aqui um jogo exibicionista interessante por parte destes três partidos”, acrescenta Luís Santos.

Já Pedro Adão e Silva sublinha que os novos partidos conseguem agora juntar a presença parlamentar a outras formas de comunicação menos institucionais que dominavam melhor do que os partidos mais tradicionais. “As novas forças políticas sempre tiveram como primeiro obstáculo a invisibilidade e, no passado, era necessário ter presença na AR e nos meios de comunicação tradicionais. As redes sociais ajudaram a que essa intermediação não seja necessária”, diz o sociólogo e especialista em ciência política. “A verdade é que por vários motivos as novas formações políticas têm um discurso mais adequado às novas redes sociais.”

Ainda assim, refere o antigo dirigente socialista, o público dos meios considerados tradicionais - as televisões e as rádios - é aquele que habitualmente menos se abstém em eleições. “Provavelmente, estas reproduções nas redes sociais chegam a outro público, que não é aquele que está em casa a ver os debates nos canais noticiosos. Do ponto de vista do impacto no voto, tenderia a dizer que, apesar de tudo, os media tradicionais chegam a mais gente e a gente que vota”, defende.

Outro ponto que Adão e Silva diz beneficiar os partidos pequenos é a facilidade de criar uma identidade com o seu eleitorado. Se, por um lado, PS e PSD são forças “com eleitores muito diversos” - o que “dificulta um discurso que separa o nós dos outros” -, por outro, os mais pequenos conseguem ter uma “posição muito identitária”. “É muito mais difícil para um partido que faz parte do arco da governação, e que tem como prioridade governar, ter um discurso simplista e linear que pode passar em 30 segundos numa rede social.”

Mensagem pró-redes sociais

Para Luís Santos, é muito provável que a intervenção de André Ventura na primeira reunião plenária tenha sido preparada para ser posteriormente replicada nas redes sociais. “Talvez tenha sido, de todos os partidos, o que fez isto de maneira mais eficaz porque estão aí os números para provar”, considera. E recorda que esta mesma interpelação no Parlamento foi pensada num contexto em que “havia muita expectativa criada” por parte dos meios de comunicação social.

“Os media têm muita responsabilidade porque alimentam situações que são absolutamente irrelevantes e, naturalmente, o senhor teve um comportamento digno, e aproveitou-se dessa quase onda de curiosidade de como seria a sua apresentação. Aqueles dois minutos foram preparados com muito cuidado, tendo em conta o público alvo e com a percepção muito clara de que um discurso inflamado vai ter impacto.

Mas impacto traduz-se em eficácia? “Só o facto de estarmos a falar disto agora, prova que a estratégia é eficaz”, diz Adão e Silva, que argumenta que as pessoas não estão a falar do programa do Governo ou do novo Executivo. “Comenta-se a gaguez da Joacine, as respostas no Twitter, as saias do assessor, a tese de doutoramento do André Ventura, fala-se da Iniciativa Liberal e do socialismo.”

Já para Luís Santos, o verdadeiro barómetro só acontece daqui a quatro anos, nas próximas eleições. “Seria redutor dizer que o Chega tem muitas visualizações no YouTube ou que a Iniciativa Liberal tem muitas partilhas no Twitter. Se só tomássemos estes números em conta, teríamos resultados eleitorais muito diferentes daquilo que realmente aconteceu. Embora possa ser enganador, há que não esquecer o carácter lúdico que as pessoas ainda dão à partilha de alguns conteúdos políticos.”

E compara com aquilo que aconteceu antes das eleições de Donald Trump e Jair Bolsonaro: “os críticos dedicaram-se tanto na crítica às publicações que a dado momento percebeu-se que eram essas publicações que dominavam o fluxo comunicacional da campanha”. Negando que isto seja sinal de que o mesmo vá acontecer em Portugal, Luís Santos salienta que a popularidade e atenção do Chega confirmam, “ainda que com alguma apreensão”, que a estratégia do partido está “em tudo alinhada com “a estratégia de outras forças com posicionamentos políticos semelhantes na Europa, no Brasil e nos EUA”.

“A primeira coisa a fazer é aprender com a experiência norte-americana e até brasileira: passaram a imagem de que Trump era um bobo, até que as coisas ficaram sérias. No Brasil, Bolsonaro também foi entendido assim, sobretudo pela imprensa mais séria e isso foi um enorme erro”, defende o professor universitário. “Com Ventura, primeiro foi a questão da nova porta, depois se ia ou não tratar bem o presidente da AR. Este tipo de construção informativa não ajuda. Os media devem ter um comportamento jornalístico, questioná-lo no que importa, perceber as propostas políticas. Devem fazer o mesmo escrutínio que fazem com os outros políticos, com seriedade”, conclui.

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