Supervisão – Tavaresensarilhou o governo

20-07-2018
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O relatório sobre supervisão apresentado por Carlos Tavares tem três vícios. E basta lê-lo até à página 11 para perceber que só há um caminho possível para a supervisão em Portugal – vertente prudencial para o BdP e comportamental para a CMVM

Vamos lá ver se nos entendemos, o que está a ser discutido não é um texto da responsabilidade do governo, antes um estudo cocho da autoria de três personalidades.

Tenho Carlos Tavares como alguém com méritos vários. Porém, a exterioridade com que desempenhou as funções de presidente da CMVM não consagram curriculum para se transformar no grande “manitu” da supervisão. Mário Centeno teria feito bem se tivesse concedido a Pedro Siza a função de coordenação da comissão, porque sairia do círculo restrito, porque concederia uma leitura mais aprofundada a qualquer resultado, porque alargaria os contributos.

A Comissão Tavares não entendeu o alcance do despacho do ministro das Finanças. Este é bem claro quanto ao mandato que a comissão deve observar e quanto às propostas que deveria fazer – “reorganizar as funções de regulação e supervisão, reforçar a independência dos reguladores e supervisores face aos setores regulados e prevenir abusos do setor financeiro”.

O relatório apresentado por Tavares tem três vícios que, à partida, impõem a sua desconsideração. O primeiro, o da ausência de acompanhamento. Fosse Tavares um homem avisado teria constituído um núcleo de acompanhamento, integrando os atuais reguladores e personalidades de reconhecido mérito que permitissem alargar a visão, questionar a situação e calibrar as propostas. O segundo, o da negação do pensamento académico sobre a matéria. Ninguém pode afastar de um trabalho desta natureza quem estuda, pensa, cria doutrina nestas áreas (a bibliografia indicada é de uma pobreza franciscana). Tavares deve saber que há entidades com vocação, história e prestígio para o cumprimento da missão, sendo o caso mais relevante o do CEDIPRE, presidido por Vital Moreira. O terceiro universo é o do enquadramento legislativo das propostas. Um relatório desta natureza deveria observar o atual património orgânico e avançar com as grandes alterações a fazer para uma outra etapa a concretizar. Nenhum destes pressupostos foi conseguido.

Por outro lado, o relatório confunde as funções de regulação com as funções de supervisão e insere, ainda, as relevantes competências do mais recente universo da “resolução”. Alguém com critério teria apartado as três entidades de regulação atuais e deveria ter ponderado a sua existência, a mais-valia que elas comportam (ou não) para a economia, a sua carga regulamentar e o seu desempenho administrativo. Ora, o relatório é ausente deste universo.

Nas funções de supervisão, apesar de sobre elas consagrar teoria (desatualizada), não vai mais longe do que se poderia esperar perante o quadro vigente. Havendo três entidades com responsabilidades na supervisão, não se descortinando uma linha de rumo sobre os universos prudencial e comportamental, o que a comissão faz é deixar tudo como está, manter o minifúndio institucional que hoje vigora e partir para a criação de mais um ente, uma quarta perna num sistema francamente podre e tecnicamente incompetente.

Quem lê o relatório até à página 11 pode parar aí. Porque verifica, com clareza que só há um caminho possível para a supervisão em Portugal – vertente prudencial para o Banco de Portugal e comportamental para a Comissão de Mercados. Porém, a comissão Tavares mantém o que já hoje existe, porque a Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões tem uma palavra a dizer, e cria um Conselho que servirá de chapéu para o tripé. Nenhum outro país da EU confirma este ente abastardado.

Quem sabe coisas mínimas sobre administração pública rapidamente intui que um “conselho” não suporta atribuições e competências hard de administração. O relatório nada nos diz sobre o conteúdo final da quarta entidade, mas há uma pergunta a fazer – os atuais departamentos de supervisão do BdP, CMVM e ASF vão manter-se? Dependerão diretamente de quem? As orientações do novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira são de cumprimento obrigatório e imediato? Quem tem as competências regulamentares e contraordenacionais sequentes a ação de supervisão?

Olhemos agora para a alocação dos poderes de resolução. Esta matéria é revelante na leitura da Diretiva 2014/59/EU e seus desenvolvimentos comitológicos, mas é anacronicamente trabalhada por Tavares. Há, até, no texto uma perversão que não pode deixar de ser assinalada – a da captura do governo perante a decisão de intervir.

Tavares faz uma “chouriça” com dois condimentos incompatíveis, mistura água e azeite, consagra funções que em nenhum outro Estado se agregaram. Supervisão e Resolução têm origens teológicas diferentes, tempos de urgência diferenciados, vocações, sentidos e premências dissemelhantes.

A autoridade de resolução tem formatações diferentes de país para país. Porém, a que mais comum se constata é a da existência de um ente específico agregado ao Banco Central. É assim em França, Itália ou Irlanda. Ora, Tavares em vez de melhorar esta realidade atual, concedendo a segregação de funções ao nível operacional e decisório, optou por passar a “coisa” para esse novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira.

Não satisfeito com a criação esdrúxula, a proposta vai mais longe. Ao ministro das Finanças está entregue a responsabilidade de ser o bode expiatório de tudo o que vier a acontecer. No limite, toda a inação, incompetência e compadrio dos reguladores infra seria sempre assumida pelo CSSF e pelo governo. Há aqui dois problemas: 1º o que sempre esteve no funcionamento de reguladores e supervisores – passa culpas; 2º a da parlamentarização da responsabilidade de intervenção e resolução no sistema financeiro. Não vejo, com o atual registo parlamentar e com a maioria que atualmente suporta o governo, qualquer vantagem da proposta apresentada.

Por tudo isto, a proposta da comissão Tavares pode ter dois caminhos: seguir para aprovação pelo governo (faltando conhecer os diplomas que lhe dão corpo e a sua possível e difícil apreciação sucessiva pelo parlamento); ou esperar por 2019 quando houver outro governo, outra composição parlamentar e até outro líder do PSD. Sim, porque nisto tudo há um responsável que nunca se pode esquecer – o governo do PSD/CDS.

Deputado do Partido Socialista

O relatório sobre supervisão apresentado por Carlos Tavares tem três vícios. E basta lê-lo até à página 11 para perceber que só há um caminho possível para a supervisão em Portugal – vertente prudencial para o BdP e comportamental para a CMVM

Vamos lá ver se nos entendemos, o que está a ser discutido não é um texto da responsabilidade do governo, antes um estudo cocho da autoria de três personalidades.

Tenho Carlos Tavares como alguém com méritos vários. Porém, a exterioridade com que desempenhou as funções de presidente da CMVM não consagram curriculum para se transformar no grande “manitu” da supervisão. Mário Centeno teria feito bem se tivesse concedido a Pedro Siza a função de coordenação da comissão, porque sairia do círculo restrito, porque concederia uma leitura mais aprofundada a qualquer resultado, porque alargaria os contributos.

A Comissão Tavares não entendeu o alcance do despacho do ministro das Finanças. Este é bem claro quanto ao mandato que a comissão deve observar e quanto às propostas que deveria fazer – “reorganizar as funções de regulação e supervisão, reforçar a independência dos reguladores e supervisores face aos setores regulados e prevenir abusos do setor financeiro”.

O relatório apresentado por Tavares tem três vícios que, à partida, impõem a sua desconsideração. O primeiro, o da ausência de acompanhamento. Fosse Tavares um homem avisado teria constituído um núcleo de acompanhamento, integrando os atuais reguladores e personalidades de reconhecido mérito que permitissem alargar a visão, questionar a situação e calibrar as propostas. O segundo, o da negação do pensamento académico sobre a matéria. Ninguém pode afastar de um trabalho desta natureza quem estuda, pensa, cria doutrina nestas áreas (a bibliografia indicada é de uma pobreza franciscana). Tavares deve saber que há entidades com vocação, história e prestígio para o cumprimento da missão, sendo o caso mais relevante o do CEDIPRE, presidido por Vital Moreira. O terceiro universo é o do enquadramento legislativo das propostas. Um relatório desta natureza deveria observar o atual património orgânico e avançar com as grandes alterações a fazer para uma outra etapa a concretizar. Nenhum destes pressupostos foi conseguido.

Por outro lado, o relatório confunde as funções de regulação com as funções de supervisão e insere, ainda, as relevantes competências do mais recente universo da “resolução”. Alguém com critério teria apartado as três entidades de regulação atuais e deveria ter ponderado a sua existência, a mais-valia que elas comportam (ou não) para a economia, a sua carga regulamentar e o seu desempenho administrativo. Ora, o relatório é ausente deste universo.

Nas funções de supervisão, apesar de sobre elas consagrar teoria (desatualizada), não vai mais longe do que se poderia esperar perante o quadro vigente. Havendo três entidades com responsabilidades na supervisão, não se descortinando uma linha de rumo sobre os universos prudencial e comportamental, o que a comissão faz é deixar tudo como está, manter o minifúndio institucional que hoje vigora e partir para a criação de mais um ente, uma quarta perna num sistema francamente podre e tecnicamente incompetente.

Quem lê o relatório até à página 11 pode parar aí. Porque verifica, com clareza que só há um caminho possível para a supervisão em Portugal – vertente prudencial para o Banco de Portugal e comportamental para a Comissão de Mercados. Porém, a comissão Tavares mantém o que já hoje existe, porque a Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões tem uma palavra a dizer, e cria um Conselho que servirá de chapéu para o tripé. Nenhum outro país da EU confirma este ente abastardado.

Quem sabe coisas mínimas sobre administração pública rapidamente intui que um “conselho” não suporta atribuições e competências hard de administração. O relatório nada nos diz sobre o conteúdo final da quarta entidade, mas há uma pergunta a fazer – os atuais departamentos de supervisão do BdP, CMVM e ASF vão manter-se? Dependerão diretamente de quem? As orientações do novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira são de cumprimento obrigatório e imediato? Quem tem as competências regulamentares e contraordenacionais sequentes a ação de supervisão?

Olhemos agora para a alocação dos poderes de resolução. Esta matéria é revelante na leitura da Diretiva 2014/59/EU e seus desenvolvimentos comitológicos, mas é anacronicamente trabalhada por Tavares. Há, até, no texto uma perversão que não pode deixar de ser assinalada – a da captura do governo perante a decisão de intervir.

Tavares faz uma “chouriça” com dois condimentos incompatíveis, mistura água e azeite, consagra funções que em nenhum outro Estado se agregaram. Supervisão e Resolução têm origens teológicas diferentes, tempos de urgência diferenciados, vocações, sentidos e premências dissemelhantes.

A autoridade de resolução tem formatações diferentes de país para país. Porém, a que mais comum se constata é a da existência de um ente específico agregado ao Banco Central. É assim em França, Itália ou Irlanda. Ora, Tavares em vez de melhorar esta realidade atual, concedendo a segregação de funções ao nível operacional e decisório, optou por passar a “coisa” para esse novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira.

Não satisfeito com a criação esdrúxula, a proposta vai mais longe. Ao ministro das Finanças está entregue a responsabilidade de ser o bode expiatório de tudo o que vier a acontecer. No limite, toda a inação, incompetência e compadrio dos reguladores infra seria sempre assumida pelo CSSF e pelo governo. Há aqui dois problemas: 1º o que sempre esteve no funcionamento de reguladores e supervisores – passa culpas; 2º a da parlamentarização da responsabilidade de intervenção e resolução no sistema financeiro. Não vejo, com o atual registo parlamentar e com a maioria que atualmente suporta o governo, qualquer vantagem da proposta apresentada.

Por tudo isto, a proposta da comissão Tavares pode ter dois caminhos: seguir para aprovação pelo governo (faltando conhecer os diplomas que lhe dão corpo e a sua possível e difícil apreciação sucessiva pelo parlamento); ou esperar por 2019 quando houver outro governo, outra composição parlamentar e até outro líder do PSD. Sim, porque nisto tudo há um responsável que nunca se pode esquecer – o governo do PSD/CDS.

Deputado do Partido Socialista

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