A vitória dos tintins de André Ventura

07-10-2017
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Ontem uma amiga sempre desperta para coisas verdadeiramente importantes partilhou comigo a última das suas palpitações: com os olhos excessivamente abertos para aquela hora do dia, comunicou-me que muito provavelmente será eleita para um executivo municipal nas autárquicas que se realizam no próximo domingo.

Ao júbilo pós-adolescente da Maria – vamos chamar-lhe assim – reagi com uma grande, uma gigantesca manifestação de excitação, perdão, de compaixão. Porque ninguém decente merece estar associado ao que em Portugal costumamos designar de “poder local”, um eufemismo pomposo para mascarar um universo bacoco feito de compadrios baratos em que ser bandido é currículo e ser honesto é cadastro, como tão bem explicou o jornalista Vítor Matos num livro com um título sintomático: “Os Predadores”.

Não só por isso, mas também por isso, nos últimos meses fiz um esforço muito razoável para passar ao lado do folclore de uma campanha em que, aparentemente, se discutiram “coisas sérias”, embora poucas relacionadas com a situação risível em que se encontram algumas das maiores autarquias portuguesas. Falou-se, por exemplo, da morte – política, tanto quanto pude perceber – de Pedro Passos Coelho. Discutiu-se também o fenómeno da doença prolongada, a propósito da coligação-governativa-de-esquerda-que-não-é-coligação-nem-é-nada. Seguramente por défice de atenção, não tive a oportunidade de assistir a nenhuma discussão sobre a mais nobre das temáticas nestas alturas: a da esperança. Esperança de que as arruadas histéricas, os panfletos intrusivos e as beijocas regadas a saliva desalinhada cheguem rapidamente ao fim sem muitas vítimas a apontar.

Com os discípulos do politicamente correto preocupados em falar sobre tudo menos sobre o que verdadeiramente interessa numa eleição local, não surpreende que André Ventura, um professor e comentador televisivo até então extraordinariamente conhecido na sua rua, se tenha tornado na estrela maior da orquestra. Ventura até nem teve de suar muito: bastou-lhe debater política local onde ela se impunha, abordando um dos maiores problemas do concelho de Loures: os transportes. À boleia do discurso, fixou-se na relação heterodoxa que a comunidade cigana mantém com os ditos. Depois de devidamente imolado pelo status quo que oscila entre a política e as redes sociais, o candidato do PSD não só não recuou como reforçou de forma corajosa e inteligente as suas opiniões, como lembrou Rui Ramos no Observador: em democracia todos possuem os mesmos direitos, mas também têm os mesmos deveres – e até prova em contrário pagar pelos transportes em Loures é um deles.

O que é extraordinário no AndréVenturaGate não é que ele tenha dito o que disse – é que por causa disso se tenha transformado num fenómeno viral, saltando diretamente do perímetro da sua rua para as aberturas dos jornais televisivos. Desiludam-se os que pretendem fazer do professor com ar de matarruano-chic um populista encartado ou um xenófobo com uma agenda ideológica radical. Porque ali há tintins e ideias, mas a menos que atribuamos ao benfiquismo patológico uma densidade filosófica que este não parece possuir, há zero de ideologia.

Ontem uma amiga sempre desperta para coisas verdadeiramente importantes partilhou comigo a última das suas palpitações: com os olhos excessivamente abertos para aquela hora do dia, comunicou-me que muito provavelmente será eleita para um executivo municipal nas autárquicas que se realizam no próximo domingo.

Ao júbilo pós-adolescente da Maria – vamos chamar-lhe assim – reagi com uma grande, uma gigantesca manifestação de excitação, perdão, de compaixão. Porque ninguém decente merece estar associado ao que em Portugal costumamos designar de “poder local”, um eufemismo pomposo para mascarar um universo bacoco feito de compadrios baratos em que ser bandido é currículo e ser honesto é cadastro, como tão bem explicou o jornalista Vítor Matos num livro com um título sintomático: “Os Predadores”.

Não só por isso, mas também por isso, nos últimos meses fiz um esforço muito razoável para passar ao lado do folclore de uma campanha em que, aparentemente, se discutiram “coisas sérias”, embora poucas relacionadas com a situação risível em que se encontram algumas das maiores autarquias portuguesas. Falou-se, por exemplo, da morte – política, tanto quanto pude perceber – de Pedro Passos Coelho. Discutiu-se também o fenómeno da doença prolongada, a propósito da coligação-governativa-de-esquerda-que-não-é-coligação-nem-é-nada. Seguramente por défice de atenção, não tive a oportunidade de assistir a nenhuma discussão sobre a mais nobre das temáticas nestas alturas: a da esperança. Esperança de que as arruadas histéricas, os panfletos intrusivos e as beijocas regadas a saliva desalinhada cheguem rapidamente ao fim sem muitas vítimas a apontar.

Com os discípulos do politicamente correto preocupados em falar sobre tudo menos sobre o que verdadeiramente interessa numa eleição local, não surpreende que André Ventura, um professor e comentador televisivo até então extraordinariamente conhecido na sua rua, se tenha tornado na estrela maior da orquestra. Ventura até nem teve de suar muito: bastou-lhe debater política local onde ela se impunha, abordando um dos maiores problemas do concelho de Loures: os transportes. À boleia do discurso, fixou-se na relação heterodoxa que a comunidade cigana mantém com os ditos. Depois de devidamente imolado pelo status quo que oscila entre a política e as redes sociais, o candidato do PSD não só não recuou como reforçou de forma corajosa e inteligente as suas opiniões, como lembrou Rui Ramos no Observador: em democracia todos possuem os mesmos direitos, mas também têm os mesmos deveres – e até prova em contrário pagar pelos transportes em Loures é um deles.

O que é extraordinário no AndréVenturaGate não é que ele tenha dito o que disse – é que por causa disso se tenha transformado num fenómeno viral, saltando diretamente do perímetro da sua rua para as aberturas dos jornais televisivos. Desiludam-se os que pretendem fazer do professor com ar de matarruano-chic um populista encartado ou um xenófobo com uma agenda ideológica radical. Porque ali há tintins e ideias, mas a menos que atribuamos ao benfiquismo patológico uma densidade filosófica que este não parece possuir, há zero de ideologia.

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