Fact-check. Quatro questões duvidosas do debate das rádios

30-09-2019
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“Temos em Portugal cidadãos de primeira e de segunda. Nas últimas eleições, houve 5 milhões de votantes e 500 mil votos não serviram para eleger qualquer mandato”

André Silva fazia assim a crítica ao sistema eleitoral português e às regras de distribuição de mandatos eleitorais - calculados em função de uma complexa fórmula matemática conhecida como Método de Hondt. Apesar de a primeira parte da intervenção ser um exercício retórico, nas últimas eleições houve 500 mil portugueses que votaram em partidos que ficaram à porta do Parlamento. A começar pelo PDR que, com apenas menos 14 mil votos que o PAN, não conseguiu eleger. André Silva acrescentaria ainda outro dado relevante: em círculos eleitorais mais pequenos (com menos mandatos para eleger) há milhares de votos “desperdiçados”. Por isso é que é sempre mais fácil aos partidos mais pequenos eleger em círculos como Lisboa e Porto. Jerónimo de Sousa chegou a chamar a atenção para o caso de Portalegre (cujo círculo passou de três para dois deputados), onde um partido que tenha 30% dos votos pode não eleger ninguém. Imaginemos um círculo eleitoral que faz eleger sete deputados, como mostra o caso prático disponível no próprio site da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Seriam assim as contas: Partido A - 3 deputados, correspondentes aos quocientes 12.000 (1.º eleito), 6.000 (3.º eleito) e 4.000 (5.º eleito). Partido B - 2 deputados, correspondentes aos quocientes 7.500 (2.º eleito) e 3.750 (6.º eleito). Partido C - 1 deputado, correspondente ao quociente 4.500 (4.º eleito). Partido D - 1 deputado, correspondente ao quociente 3.000 (7.º e último eleito) Tudo somado, a afirmação de André Silva é, no essencial:

“Ao longo desta legislatura a confiança das instituições democráticas aumentou muito significativamente”

Os vários líderes partidários discutiam sobre a necessidade de se fazer uma reforma profunda para credibilizar a política e os políticos quando António Costa se socorreu de dados oficiais: “Podemos achar muita coisa, mas o que os dados do Eurostat nos dizem [o socialista referia-se ao Eurobarómetro] é que “ao longo desta legislatura a confiança nas instituições democráticas aumentou muito significativamente”. Os números disponíveis no Portal Opinião Pública (que usa dados do Eurobarómetro) mostram que a confiança dos portugueses no Governo, Parlamento e partidos políticos disparou desde novembro de 2015. Nota: só existem dados a partir de 2001. Confiança no Governo Mínimo histórico: 10% em maio de 2013

Início de legislatura: 15% em novembro de 2015

Máximo na legislatura: 56% em maio de 2017

Último dado: 42% em junho de 2019

Confiança nos partidos: Mínimo histórico: 9% em maio de 2013

Início de legislatura: 11% em novembro de 2015

Máximo na legislatura e máximo histórico: 28% em março de 2018 (pico)

Último dado: 20% em junho de 2019 Parlamento Máximo histórico: 49% em abril de 2007

Mínimo histórico: 13% em maio de 2013

Início de legislatura: 18% em novembro de 2015

Máximo na legislatura: 48% em março de 2018

Último dado: 37% em junho de 2019

Ou seja, de acordo com dados do Eurobarómetro, a frase de António Costa é:

"Desenvolvemos um conjunto de mecanismos que permitiram diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e já adiámos em 22 anos a necessidade de recorrer a esse fundo". A frase foi dita por António Costa na primeira parte do debate a seis nas rádios. O fundo de estabilização financeira da Segurança Social é uma espécie de conta-poupança para ser usada quando o sistema contributivo de Segurança Social entrar em défice: quando as contribuições descontadas por quem está a trabalhar forem insuficientes para cobrir as despesas com pensões de quem está reformado (é por haver esta divisão de responsabilidades entre gerações que se chama ao sistema de “repartição”, por oposição à “capitalização”). Este fundo é financiado por excedentes da Segurança Social: recebe receitas consignadas como parte do IRC e do adicional ao IMI e, tendo as suas verbas aplicadas no mercado de capitais, beneficia ainda da valorização financeira que for conseguida. Para se perceber o que disse o primeiro-ministro, é preciso separar 3 questões: quanto tem o fundo, quando é que se espera que seja necessário recorrer a este pé-de-meia e quando é que ele se esgota. Em 2015, o fundo tinha 13,8 mil milhões de euros. No final de 2018, a reserva passou para 17,38 mil milhões de euros, o que daria para pagar 15,5 meses de pensões. E, em setembro, o Governo anunciou, através de um comunicado, que o fundo tinha ultrapassado os 20 mil milhões de euros. Não há relatórios públicos que confirmem o valor mas, dando o número por bom, significa isto que agora há uma reserva que dá para pagar 18,5 meses de pensões. Vamos então à segunda pergunta, a de saber quando é que este dinheiro vai ser preciso. Depende de quem faz as contas e de como elas são feitas (há conclusões muito variadas), mas vamos cingir-nos só aos relatórios oficiais. Em 2015, o anterior Governo estimava que fosse necessário recorrer ao FEFSS logo em 2020, o que equivale a dizer que o sistema previdencial de Segurança Social começaria a entrar no vermelho logo nessa data. O atual Governo, no relatório que acompanha o Orçamento do Estado de 2019, adia os primeiros défices - e a necessidade de recorrer ao fundo - para a segunda metade da década de 2020, lá para 2027. Face a 2015 ganharam-se 7 anos. E é possível que, dada a melhoria registada já este ano, este período estique um pouco mais e o sistema entre no vermelho alguns anos mais tarde. Quando, não se sabe. Vamos então à terceira pergunta: e quando é que o Fundo se esgota, isto é, fica a zeros? As projeções de 2015 diziam que o pé-de-meia da Segurança Social dava para pagar 15,5 meses de pensões e que ele se esgotava pouco tempo depois de ser acionado, ainda na década de 2020. Agora, segundo o Governo, já com os números atualizados a setembro, darão para pagar 18,5 meses, e só se esgota para lá de 2040. Ganharam-se mais 20 anos de duração do fundo. O que diz António Costa? Que conseguiu adiar em 22 anos o “recurso” ao fundo. Ainda não há números publicados, mas isto parece pouco verosímil face à evolução das projeções. O que foi adiado em 22 anos face a 2015 é o prazo em que o fundo se “esgota” por completo e fica vazio. Como “recorrer” a um pé-de-meia e “esgotar” um pé-de-meia são coisas bem diferentes, o argumento de António Costa é:

“Temos em Portugal cidadãos de primeira e de segunda. Nas últimas eleições, houve 5 milhões de votantes e 500 mil votos não serviram para eleger qualquer mandato”

André Silva fazia assim a crítica ao sistema eleitoral português e às regras de distribuição de mandatos eleitorais - calculados em função de uma complexa fórmula matemática conhecida como Método de Hondt. Apesar de a primeira parte da intervenção ser um exercício retórico, nas últimas eleições houve 500 mil portugueses que votaram em partidos que ficaram à porta do Parlamento. A começar pelo PDR que, com apenas menos 14 mil votos que o PAN, não conseguiu eleger. André Silva acrescentaria ainda outro dado relevante: em círculos eleitorais mais pequenos (com menos mandatos para eleger) há milhares de votos “desperdiçados”. Por isso é que é sempre mais fácil aos partidos mais pequenos eleger em círculos como Lisboa e Porto. Jerónimo de Sousa chegou a chamar a atenção para o caso de Portalegre (cujo círculo passou de três para dois deputados), onde um partido que tenha 30% dos votos pode não eleger ninguém. Imaginemos um círculo eleitoral que faz eleger sete deputados, como mostra o caso prático disponível no próprio site da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Seriam assim as contas: Partido A - 3 deputados, correspondentes aos quocientes 12.000 (1.º eleito), 6.000 (3.º eleito) e 4.000 (5.º eleito). Partido B - 2 deputados, correspondentes aos quocientes 7.500 (2.º eleito) e 3.750 (6.º eleito). Partido C - 1 deputado, correspondente ao quociente 4.500 (4.º eleito). Partido D - 1 deputado, correspondente ao quociente 3.000 (7.º e último eleito) Tudo somado, a afirmação de André Silva é, no essencial:

“Ao longo desta legislatura a confiança das instituições democráticas aumentou muito significativamente”

Os vários líderes partidários discutiam sobre a necessidade de se fazer uma reforma profunda para credibilizar a política e os políticos quando António Costa se socorreu de dados oficiais: “Podemos achar muita coisa, mas o que os dados do Eurostat nos dizem [o socialista referia-se ao Eurobarómetro] é que “ao longo desta legislatura a confiança nas instituições democráticas aumentou muito significativamente”. Os números disponíveis no Portal Opinião Pública (que usa dados do Eurobarómetro) mostram que a confiança dos portugueses no Governo, Parlamento e partidos políticos disparou desde novembro de 2015. Nota: só existem dados a partir de 2001. Confiança no Governo Mínimo histórico: 10% em maio de 2013

Início de legislatura: 15% em novembro de 2015

Máximo na legislatura: 56% em maio de 2017

Último dado: 42% em junho de 2019

Confiança nos partidos: Mínimo histórico: 9% em maio de 2013

Início de legislatura: 11% em novembro de 2015

Máximo na legislatura e máximo histórico: 28% em março de 2018 (pico)

Último dado: 20% em junho de 2019 Parlamento Máximo histórico: 49% em abril de 2007

Mínimo histórico: 13% em maio de 2013

Início de legislatura: 18% em novembro de 2015

Máximo na legislatura: 48% em março de 2018

Último dado: 37% em junho de 2019

Ou seja, de acordo com dados do Eurobarómetro, a frase de António Costa é:

"Desenvolvemos um conjunto de mecanismos que permitiram diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e já adiámos em 22 anos a necessidade de recorrer a esse fundo". A frase foi dita por António Costa na primeira parte do debate a seis nas rádios. O fundo de estabilização financeira da Segurança Social é uma espécie de conta-poupança para ser usada quando o sistema contributivo de Segurança Social entrar em défice: quando as contribuições descontadas por quem está a trabalhar forem insuficientes para cobrir as despesas com pensões de quem está reformado (é por haver esta divisão de responsabilidades entre gerações que se chama ao sistema de “repartição”, por oposição à “capitalização”). Este fundo é financiado por excedentes da Segurança Social: recebe receitas consignadas como parte do IRC e do adicional ao IMI e, tendo as suas verbas aplicadas no mercado de capitais, beneficia ainda da valorização financeira que for conseguida. Para se perceber o que disse o primeiro-ministro, é preciso separar 3 questões: quanto tem o fundo, quando é que se espera que seja necessário recorrer a este pé-de-meia e quando é que ele se esgota. Em 2015, o fundo tinha 13,8 mil milhões de euros. No final de 2018, a reserva passou para 17,38 mil milhões de euros, o que daria para pagar 15,5 meses de pensões. E, em setembro, o Governo anunciou, através de um comunicado, que o fundo tinha ultrapassado os 20 mil milhões de euros. Não há relatórios públicos que confirmem o valor mas, dando o número por bom, significa isto que agora há uma reserva que dá para pagar 18,5 meses de pensões. Vamos então à segunda pergunta, a de saber quando é que este dinheiro vai ser preciso. Depende de quem faz as contas e de como elas são feitas (há conclusões muito variadas), mas vamos cingir-nos só aos relatórios oficiais. Em 2015, o anterior Governo estimava que fosse necessário recorrer ao FEFSS logo em 2020, o que equivale a dizer que o sistema previdencial de Segurança Social começaria a entrar no vermelho logo nessa data. O atual Governo, no relatório que acompanha o Orçamento do Estado de 2019, adia os primeiros défices - e a necessidade de recorrer ao fundo - para a segunda metade da década de 2020, lá para 2027. Face a 2015 ganharam-se 7 anos. E é possível que, dada a melhoria registada já este ano, este período estique um pouco mais e o sistema entre no vermelho alguns anos mais tarde. Quando, não se sabe. Vamos então à terceira pergunta: e quando é que o Fundo se esgota, isto é, fica a zeros? As projeções de 2015 diziam que o pé-de-meia da Segurança Social dava para pagar 15,5 meses de pensões e que ele se esgotava pouco tempo depois de ser acionado, ainda na década de 2020. Agora, segundo o Governo, já com os números atualizados a setembro, darão para pagar 18,5 meses, e só se esgota para lá de 2040. Ganharam-se mais 20 anos de duração do fundo. O que diz António Costa? Que conseguiu adiar em 22 anos o “recurso” ao fundo. Ainda não há números publicados, mas isto parece pouco verosímil face à evolução das projeções. O que foi adiado em 22 anos face a 2015 é o prazo em que o fundo se “esgota” por completo e fica vazio. Como “recorrer” a um pé-de-meia e “esgotar” um pé-de-meia são coisas bem diferentes, o argumento de António Costa é:

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