Deputada do PAN não resiste à polémica

06-11-2019
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Sem nunca ter mencionado a palavra ‘ciganos’, Fátima Dâmaso, deputada municipal do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), demitiu-se após ter sido fortemente criticada por apontar o dedo à etnia em questão. Tudo se passou na passada segunda-feira, quando a deputada estava a apresentar uma moção na Assembleia Municipal da Moita. A proposta tinha como objetivo promover a “proteção dos equídeos” da região, que incluía um alerta para a “circulação de animais atrelados a carroças”.

O problema não se relacionou com o conteúdo da recomendação, mas sim com a forma como descrevia os donos dos animais. “Aqui na Moita existe uma etnia que se multiplicou e que e que todos os dias se passeiam pela Moita e arredores, empilhados em cima de carroças, puxadas por um único cavalo subnutrido, espancado a desfazer-se em diarreias por não ser abeberado e alimentado, não suportando mais”.

Mal Teresa Dâmaso terminou de ler o texto, as bancadas da CDU, PS e BE pediram palavra para manifestarem a sua indignação perante a “descrição xenófoba” que “claramente retratava” a comunidade cigana.

“Não se pode falar, hoje em dia, de questões racistas ou xenófobas de uma forma leviana. Fiquei incrédulo com as declarações da senhora deputada, especialmente durante uma reunião num órgão autárquico”, contou ao i Rui Garcia, deputado municipal eleito pela CDU.

Segundo contou o comunista, que estava presente durante a sessão, os socialistas e os bloquistas “propuseram que o parágrafo fosse retirado”. No entanto, a bancada da CDU considerou que “era uma forma de camuflar as palavras que já tinham sido ditas”. Posto isto, a deputada do PAN disse que, considerando que “havia pessoas incomodadas”, retirava a moção, com a promessa de a reformular e apresentá-la novamente na próxima sessão da Assembleia, marcada para setembro.

Numa questão de horas, a Comissão Política Permanente do PAN teve conhecimento da situação e “contactou de imediato” Fátima Dâmaso, disse o próprio partido num comunicado. Segundo a mesma nota, a deputada “colocou o cargo à disposição” e o PAN aceitou a demissão “uma vez que não existem condições políticas para a prossecução das suas funções”.

“O PAN reforça que a moção foi retirada sem votação e lamenta profundamente esta situação, apresentando o seu pedido de desculpas a todas e todos os cidadãos que se possam ter sentido discriminados ou desidentificados com esta referência imprópria”, concluiu o partido liderado por André Silva.

Para o PAN o caso acabou aqui. Contactado pelo i, o partido não quis prestar quaisquer declarações, apontando que não havia mais nada a acrescentar. Fátima Dâmaso também não quis fazer qualquer comentário ao i sobre a sua demissão.

No entanto, nas redes sociais dezenas de pessoas dão as suas opiniões livremente sobre a polémica. Para uns a “máscara do PAN caiu”, para outros a “demissão por causa de um cavalo” parece excessiva.

Ao i Rui Garcia ainda explicou que não esperava que a deputada fosse demitida. “Apesar de ter dito algo extremamente grave, sempre teve uma postura construtiva e eu acho que só tomou consciência do que estava a dizer depois de ter lido o texto em voz alta”, argumentou o membro da CDU.

Sobre se a moção apresentava uma questão pertinente para o município, o comunista confessou “que, se não fossem aquelas declarações discriminatórias”, a recomendação tinha sido aprovada.

“A atividade equestre tem aumentado na Moita e muitas vezes os cavalos não têm as melhores condições ou são abandonados quando já estão velhos, mas estas situações não se dão exclusivamente na comunidade cigana. Estes problemas não têm nada a ver com os ciganos”, reforçou.

Prudêncio Canhoto, presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal, também considera que a demissão de Fátima Dâmaso foi uma decisão despropositada e que teria sido mais significativo que a deputada tivesse “reconhecido o erro publicamente”. Porém, o responsável por esta associação não deixou de condenar as declarações feitas pela deputada do PAN. “Assim, o preconceito nunca mais acaba. É preciso ter cuidado com as coisas que se dizem. Nós só queremos justiça. Quando alguém faz mal façam cumprir a lei, não usem os ciganos. A lei é igual para todos”, argumentou.

A maldição das carroças Na moção, Fátima Dâmaso propunha que, perante os maus-tratos aos animais, fossem, “em conjunto com as autoridades do concelho”, identificados “os detentores dos cavalos que se encontram abandonados, amarrados e sem alimento, no sentido de sensibilizar os mesmos”. Mas também era recomendado que os donos dos equídeos fossem alertados para “a circulação de animais atrelados e carroças, que circulam sem regras, pondo em perigo também os automobilistas”.

Ora, o tema da regulação da circulação de carroças e charretes e outros veículo de tração animal é um assunto recorrente no PAN. Aliás, o partido já fez vários avanços e recuos nesta matéria.

O primeiro projeto foi apresentado em julho de 2016. Na altura, o partido propunha a proibição da circulação de veículos de tração animal na via pública, em nome da segurança rodoviária e da promoção do bem-estar animal. Mas a ideia não foi bem recebida e gerou-se uma polémica à volta do diploma. Dois dias depois, André Silva deu um passo atrás, admitiu que tinha sido “precoce enveredar pela via proibicionista” e substitui o primeiro projeto de lei por uma recomendação, que tinha como objetivo fazer um levantamento sobre a utilização deste tipo de transporte no país.

Pouco adiantou. A proposta acabou por ser chumbada por todos os partidos, contando apenas com a abstenção de oito deputados socialistas.

Ainda assim, o PAN não desistiu e, em agosto de 2018, voltou à carga com o assunto. “O PAN recomenda ao Governo a elaboração de levantamento sobre a utilização de equídeos em veículos de tração animal e consequente regulamentação”, anunciou novamente o partido. Mais uma vez, a proposta acabou por não dar em nada.

“A discriminação é constante e promove o afastamento da comunidade”

Em entrevista ao i, Prudêncio Canhoto, Presidente da associação de Mediadores Ciganos de Portugal, disse que as declarações da deputada do PAN são discriminatórias.

Considera que as declarações da deputada do PAN são discriminatórias para a comunidade cigana? Sim, porque aponta o dedo exclusivamente à comunidade cigana quando não é uma questão que diz exclusivamente respeito à mesma. A discriminação é constante e promove um afastamento da comunidade cigana do resto da população e vice-versa. Torna-se numa situação negativa para todos. Deve-se tratar cada caso individualmente e não fazer generalizações. Nós sabemos que há muitos ciganos que têm cavalos, mas a Moita é uma zona em que há muitos cavalos e tenho a certeza que os problemas que possam envolver os animais não são só da responsabilidade da comunidade cigana.

Então, concorda com a moção? Se há um animal que está solto, que vai para a estrada ou se há um animal que está subnutrido são as autoridades quem deve tomar conta da situação. Se isso não é suficiente, então a via é através da criação de leis, não da discriminação. Pode também ser um problema que envolve ciganos, mas não é um problema dos ciganos.

Acha que a demissão da deputada foi a decisão correta? Uma pessoa quando é correta e comete um erro o que faz é admiti-lo. Acho que a demissão é uma medida um bocado exagerada. Seria mais importante que tivesse tido uma palavra com a comunidade cigana e que tivesse reconhecido o erro.

Sem nunca ter mencionado a palavra ‘ciganos’, Fátima Dâmaso, deputada municipal do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), demitiu-se após ter sido fortemente criticada por apontar o dedo à etnia em questão. Tudo se passou na passada segunda-feira, quando a deputada estava a apresentar uma moção na Assembleia Municipal da Moita. A proposta tinha como objetivo promover a “proteção dos equídeos” da região, que incluía um alerta para a “circulação de animais atrelados a carroças”.

O problema não se relacionou com o conteúdo da recomendação, mas sim com a forma como descrevia os donos dos animais. “Aqui na Moita existe uma etnia que se multiplicou e que e que todos os dias se passeiam pela Moita e arredores, empilhados em cima de carroças, puxadas por um único cavalo subnutrido, espancado a desfazer-se em diarreias por não ser abeberado e alimentado, não suportando mais”.

Mal Teresa Dâmaso terminou de ler o texto, as bancadas da CDU, PS e BE pediram palavra para manifestarem a sua indignação perante a “descrição xenófoba” que “claramente retratava” a comunidade cigana.

“Não se pode falar, hoje em dia, de questões racistas ou xenófobas de uma forma leviana. Fiquei incrédulo com as declarações da senhora deputada, especialmente durante uma reunião num órgão autárquico”, contou ao i Rui Garcia, deputado municipal eleito pela CDU.

Segundo contou o comunista, que estava presente durante a sessão, os socialistas e os bloquistas “propuseram que o parágrafo fosse retirado”. No entanto, a bancada da CDU considerou que “era uma forma de camuflar as palavras que já tinham sido ditas”. Posto isto, a deputada do PAN disse que, considerando que “havia pessoas incomodadas”, retirava a moção, com a promessa de a reformular e apresentá-la novamente na próxima sessão da Assembleia, marcada para setembro.

Numa questão de horas, a Comissão Política Permanente do PAN teve conhecimento da situação e “contactou de imediato” Fátima Dâmaso, disse o próprio partido num comunicado. Segundo a mesma nota, a deputada “colocou o cargo à disposição” e o PAN aceitou a demissão “uma vez que não existem condições políticas para a prossecução das suas funções”.

“O PAN reforça que a moção foi retirada sem votação e lamenta profundamente esta situação, apresentando o seu pedido de desculpas a todas e todos os cidadãos que se possam ter sentido discriminados ou desidentificados com esta referência imprópria”, concluiu o partido liderado por André Silva.

Para o PAN o caso acabou aqui. Contactado pelo i, o partido não quis prestar quaisquer declarações, apontando que não havia mais nada a acrescentar. Fátima Dâmaso também não quis fazer qualquer comentário ao i sobre a sua demissão.

No entanto, nas redes sociais dezenas de pessoas dão as suas opiniões livremente sobre a polémica. Para uns a “máscara do PAN caiu”, para outros a “demissão por causa de um cavalo” parece excessiva.

Ao i Rui Garcia ainda explicou que não esperava que a deputada fosse demitida. “Apesar de ter dito algo extremamente grave, sempre teve uma postura construtiva e eu acho que só tomou consciência do que estava a dizer depois de ter lido o texto em voz alta”, argumentou o membro da CDU.

Sobre se a moção apresentava uma questão pertinente para o município, o comunista confessou “que, se não fossem aquelas declarações discriminatórias”, a recomendação tinha sido aprovada.

“A atividade equestre tem aumentado na Moita e muitas vezes os cavalos não têm as melhores condições ou são abandonados quando já estão velhos, mas estas situações não se dão exclusivamente na comunidade cigana. Estes problemas não têm nada a ver com os ciganos”, reforçou.

Prudêncio Canhoto, presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal, também considera que a demissão de Fátima Dâmaso foi uma decisão despropositada e que teria sido mais significativo que a deputada tivesse “reconhecido o erro publicamente”. Porém, o responsável por esta associação não deixou de condenar as declarações feitas pela deputada do PAN. “Assim, o preconceito nunca mais acaba. É preciso ter cuidado com as coisas que se dizem. Nós só queremos justiça. Quando alguém faz mal façam cumprir a lei, não usem os ciganos. A lei é igual para todos”, argumentou.

A maldição das carroças Na moção, Fátima Dâmaso propunha que, perante os maus-tratos aos animais, fossem, “em conjunto com as autoridades do concelho”, identificados “os detentores dos cavalos que se encontram abandonados, amarrados e sem alimento, no sentido de sensibilizar os mesmos”. Mas também era recomendado que os donos dos equídeos fossem alertados para “a circulação de animais atrelados e carroças, que circulam sem regras, pondo em perigo também os automobilistas”.

Ora, o tema da regulação da circulação de carroças e charretes e outros veículo de tração animal é um assunto recorrente no PAN. Aliás, o partido já fez vários avanços e recuos nesta matéria.

O primeiro projeto foi apresentado em julho de 2016. Na altura, o partido propunha a proibição da circulação de veículos de tração animal na via pública, em nome da segurança rodoviária e da promoção do bem-estar animal. Mas a ideia não foi bem recebida e gerou-se uma polémica à volta do diploma. Dois dias depois, André Silva deu um passo atrás, admitiu que tinha sido “precoce enveredar pela via proibicionista” e substitui o primeiro projeto de lei por uma recomendação, que tinha como objetivo fazer um levantamento sobre a utilização deste tipo de transporte no país.

Pouco adiantou. A proposta acabou por ser chumbada por todos os partidos, contando apenas com a abstenção de oito deputados socialistas.

Ainda assim, o PAN não desistiu e, em agosto de 2018, voltou à carga com o assunto. “O PAN recomenda ao Governo a elaboração de levantamento sobre a utilização de equídeos em veículos de tração animal e consequente regulamentação”, anunciou novamente o partido. Mais uma vez, a proposta acabou por não dar em nada.

“A discriminação é constante e promove o afastamento da comunidade”

Em entrevista ao i, Prudêncio Canhoto, Presidente da associação de Mediadores Ciganos de Portugal, disse que as declarações da deputada do PAN são discriminatórias.

Considera que as declarações da deputada do PAN são discriminatórias para a comunidade cigana? Sim, porque aponta o dedo exclusivamente à comunidade cigana quando não é uma questão que diz exclusivamente respeito à mesma. A discriminação é constante e promove um afastamento da comunidade cigana do resto da população e vice-versa. Torna-se numa situação negativa para todos. Deve-se tratar cada caso individualmente e não fazer generalizações. Nós sabemos que há muitos ciganos que têm cavalos, mas a Moita é uma zona em que há muitos cavalos e tenho a certeza que os problemas que possam envolver os animais não são só da responsabilidade da comunidade cigana.

Então, concorda com a moção? Se há um animal que está solto, que vai para a estrada ou se há um animal que está subnutrido são as autoridades quem deve tomar conta da situação. Se isso não é suficiente, então a via é através da criação de leis, não da discriminação. Pode também ser um problema que envolve ciganos, mas não é um problema dos ciganos.

Acha que a demissão da deputada foi a decisão correta? Uma pessoa quando é correta e comete um erro o que faz é admiti-lo. Acho que a demissão é uma medida um bocado exagerada. Seria mais importante que tivesse tido uma palavra com a comunidade cigana e que tivesse reconhecido o erro.

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