Como um deputado escapou a trabalho comunitário

27-01-2020
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Leia aqui o DIREITO DE RESPOSTA do deputado André Pinotes Batista a este artigo

Artigo publicado na VISÃO 1261, de 4 de maio de 2017

Eram 5 horas e 9 minutos de uma madrugada de junho quando André Pinotes Batista, atual deputado da Assembleia da República, foi detido a conduzir com uma taxa de 2,5 gramas de álcool por litro de sangue, bem acima do limite em que a infração passa a ser crime (1,2 g/l). O Tribunal do Barreiro condenou-o a quatro meses e meio sem conduzir e a 110 dias de multa (550 euros) – que viriam a ser substituídos, por alegada insuficiência económica do deputado socialista, por 109 horas de trabalho comunitário numa escola do concelho (teve o desconto de sessenta minutos, devido às horas que passou detido).

Mas passado cerca de um ano, em junho de 2014, André Pinotes Batista, que entretanto tinha sido eleito presidente do PS Barreiro, deixou de comparecer na escola básica do Alto do Seixalinho para concluir o plano de trabalho. Faltavam-lhe cumprir quase cem horas. O tribunal notificou-o: ou se justificava, ou pagava a multa, ou teria de passar quase quatro meses em prisão subsidiária (pena aplicada a quem é condenado em pena de multa e não paga).

Na carta a que a VISÃO teve acesso, o Tribunal do Barreiro diz que André Pinotes Batista apresentou “diversos incumprimentos do plano de trabalho estabelecido” e que, apesar das “diversas diligências” efetuadas pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), “não retomou o trabalho após 9 de junho”. O então autarca respondeu apenas no final de setembro de 2014, dizendo ao juiz que, imiscuindo-se de “tecer comentários sobre o funcionamento da DGRSP ou dos seus colaboradores”, estranhava “de sobremaneira” que não tivesse sido contabilizada nenhuma hora quando cumprira “mais de uma dezena”. Na verdade, esta informação constava da carta que lhe fora enviada: cumprira 10 horas e meia.

Supervisor conhecido

Depois de assumir esta posição, André Pinotes Batista confessou então as suas faltas, alegando ter falhado nos dias em que teve entrevistas de emprego e naqueles em que teve de cumprir as suas “funções cívicas” no período da campanha para as eleições europeias.

A 6 de janeiro de 2015, o presidente do PS Barreiro foi novamente notificado: tinha dez dias para se apresentar e retomar a prestação de trabalho a favor da comunidade. A 18 de fevereiro, o juiz é informado de que estavam a ser feitas diligências para que o então autarca cumprisse a pena noutra entidade – o Luso Futebol Clube, no Barreiro –, e que só não tinha ainda recomeçado o trabalho comunitário por razões relacionadas com o funcionamento do clube.

Em maio desse ano, chegava uma nova informação ao processo assinada por uma coordenadora da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais: André Pinotes Batista tinha terminado a 20 de março de 2015 o seu plano de trabalho comunitário iniciado a 24 de fevereiro, desempenhando funções equiparadas às de um trabalhador nos “serviços gerais, na organização e na manutenção das instalações” do Luso Futebol Clube.

De acordo com o registo de assiduidade, Pinotes Batista terá trabalhado no clube 19 dias úteis (praticamente consecutivos) entre fevereiro e março, quase sempre durante seis horas diárias. Uma carga tal que, em menos de um mês, terá finalmente conseguido cumprir as 109 horas de trabalho comunitário estipuladas pelo tribunal. O nomeado para supervisionar o seu trabalho foi Rui Pereira, presidente do Luso e, simultaneamente, membro da comissão política do PS no Barreiro e candidato à Assembleia Municipal do Barreiro nas eleições de 2017, na lista liderada por Pinotes Batista. O tribunal não pôs em causa que pudesse haver favorecimento. A VISÃO confrontou o atual deputado com estas informações mas não obteve respostas.

Senhas de presença penhoradas

Em 2015, o socialista havia tido outro dissabor. Ao que a VISÃO averiguou, logo no início desse ano Pinotes Batista viu as suas senhas de presença na Assembleia Municipal do Barreiro serem penhoradas pelas Finanças devido a dívidas. Era este então o seu único rendimento declarado. Num perfil do LinkedIn entretanto apagado, o deputado apresentava como último trabalho uma experiência profissional de oito meses, em 2011, como assistente de comunicação e marketing na Arco Ribeirinho Sul, que tinha como missão requalificar os terrenos industriais de Almada, Seixal e Barreiro.

Pinotes Batista foi indicado para a lista de deputados do PS no distrito de Setúbal, figurando em décimo lugar da lista encabeçada por Ana Catarina Mendes, secretária-geral-adjunta do Partido Socialista. Em novembro de 2015, tomou posse como deputado da Assembleia da República. Há umas semanas foi visado no programa da RTP “Sexta às 9” numa investigação sobre os deputados que recebem rendimentos extra por terem mudado de residência.

Apesar de ser candidato à presidência da Assembleia Municipal do Barreiro, e de faltarem poucos meses para as autárquicas, Pinotes Batista informou a Assembleia que se mudou do Barreiro para Sesimbra. A um jornal local explicou que o fez depois de se casar. A mudança de morada permite-lhe receber mais 46,14 euros por dia de ajudas de custo.

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Artigo publicado na VISÃO 1261, de 4 de maio de 2017

Eram 5 horas e 9 minutos de uma madrugada de junho quando André Pinotes Batista, atual deputado da Assembleia da República, foi detido a conduzir com uma taxa de 2,5 gramas de álcool por litro de sangue, bem acima do limite em que a infração passa a ser crime (1,2 g/l). O Tribunal do Barreiro condenou-o a quatro meses e meio sem conduzir e a 110 dias de multa (550 euros) – que viriam a ser substituídos, por alegada insuficiência económica do deputado socialista, por 109 horas de trabalho comunitário numa escola do concelho (teve o desconto de sessenta minutos, devido às horas que passou detido).

Mas passado cerca de um ano, em junho de 2014, André Pinotes Batista, que entretanto tinha sido eleito presidente do PS Barreiro, deixou de comparecer na escola básica do Alto do Seixalinho para concluir o plano de trabalho. Faltavam-lhe cumprir quase cem horas. O tribunal notificou-o: ou se justificava, ou pagava a multa, ou teria de passar quase quatro meses em prisão subsidiária (pena aplicada a quem é condenado em pena de multa e não paga).

Na carta a que a VISÃO teve acesso, o Tribunal do Barreiro diz que André Pinotes Batista apresentou “diversos incumprimentos do plano de trabalho estabelecido” e que, apesar das “diversas diligências” efetuadas pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), “não retomou o trabalho após 9 de junho”. O então autarca respondeu apenas no final de setembro de 2014, dizendo ao juiz que, imiscuindo-se de “tecer comentários sobre o funcionamento da DGRSP ou dos seus colaboradores”, estranhava “de sobremaneira” que não tivesse sido contabilizada nenhuma hora quando cumprira “mais de uma dezena”. Na verdade, esta informação constava da carta que lhe fora enviada: cumprira 10 horas e meia.

Supervisor conhecido

Depois de assumir esta posição, André Pinotes Batista confessou então as suas faltas, alegando ter falhado nos dias em que teve entrevistas de emprego e naqueles em que teve de cumprir as suas “funções cívicas” no período da campanha para as eleições europeias.

A 6 de janeiro de 2015, o presidente do PS Barreiro foi novamente notificado: tinha dez dias para se apresentar e retomar a prestação de trabalho a favor da comunidade. A 18 de fevereiro, o juiz é informado de que estavam a ser feitas diligências para que o então autarca cumprisse a pena noutra entidade – o Luso Futebol Clube, no Barreiro –, e que só não tinha ainda recomeçado o trabalho comunitário por razões relacionadas com o funcionamento do clube.

Em maio desse ano, chegava uma nova informação ao processo assinada por uma coordenadora da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais: André Pinotes Batista tinha terminado a 20 de março de 2015 o seu plano de trabalho comunitário iniciado a 24 de fevereiro, desempenhando funções equiparadas às de um trabalhador nos “serviços gerais, na organização e na manutenção das instalações” do Luso Futebol Clube.

De acordo com o registo de assiduidade, Pinotes Batista terá trabalhado no clube 19 dias úteis (praticamente consecutivos) entre fevereiro e março, quase sempre durante seis horas diárias. Uma carga tal que, em menos de um mês, terá finalmente conseguido cumprir as 109 horas de trabalho comunitário estipuladas pelo tribunal. O nomeado para supervisionar o seu trabalho foi Rui Pereira, presidente do Luso e, simultaneamente, membro da comissão política do PS no Barreiro e candidato à Assembleia Municipal do Barreiro nas eleições de 2017, na lista liderada por Pinotes Batista. O tribunal não pôs em causa que pudesse haver favorecimento. A VISÃO confrontou o atual deputado com estas informações mas não obteve respostas.

Senhas de presença penhoradas

Em 2015, o socialista havia tido outro dissabor. Ao que a VISÃO averiguou, logo no início desse ano Pinotes Batista viu as suas senhas de presença na Assembleia Municipal do Barreiro serem penhoradas pelas Finanças devido a dívidas. Era este então o seu único rendimento declarado. Num perfil do LinkedIn entretanto apagado, o deputado apresentava como último trabalho uma experiência profissional de oito meses, em 2011, como assistente de comunicação e marketing na Arco Ribeirinho Sul, que tinha como missão requalificar os terrenos industriais de Almada, Seixal e Barreiro.

Pinotes Batista foi indicado para a lista de deputados do PS no distrito de Setúbal, figurando em décimo lugar da lista encabeçada por Ana Catarina Mendes, secretária-geral-adjunta do Partido Socialista. Em novembro de 2015, tomou posse como deputado da Assembleia da República. Há umas semanas foi visado no programa da RTP “Sexta às 9” numa investigação sobre os deputados que recebem rendimentos extra por terem mudado de residência.

Apesar de ser candidato à presidência da Assembleia Municipal do Barreiro, e de faltarem poucos meses para as autárquicas, Pinotes Batista informou a Assembleia que se mudou do Barreiro para Sesimbra. A um jornal local explicou que o fez depois de se casar. A mudança de morada permite-lhe receber mais 46,14 euros por dia de ajudas de custo.

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