Uma exposição, duas coleções: o ouro lusitano encontra-se com o ouro da Roménia

21-12-2017
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O elmo principesco gravado é um dos objetos mais chamativos da exposição Ouro Antigo do Mar Negro ao Oceano Atlântico que hoje abre ao público no Museu Nacional de Arqueologia (MNA). As suas dimensões impressionam tanto quanto a sua história. Foi encontrado por uma criança, no início do século XX, "por acaso". "Serviu de brinquedo aos mais novos e também serviu para dar água às galinhas".

A história é contada por Ernest Oberländer-Tänoveau, diretor do Museu de História da Roménia, que empresta as peças que se podem ver no museu ao MNA até abril do próximo ano. A peça, datada do século IV a.C., chegou a estar "numa vedação" e foi "destruída mecanicamente". Retiraram-lhe o topo. Até que um antigo soldado da I Guerra Mundial reconheceu o seu valor e comprou-o por 30 mil leus romenos em 1929. "Embrulhou-o numa folha de jornal e pediu uma reunião no ministério da Educação e Cultura, em Bucareste. "O proprietário fez uma doação ao museu e ainda deu mais 5 mil leus para o cofre transparente onde devia ser exposto".

O objeto é ainda mais importante se pensarmos que a Roménia fica sem parte dos seus tesouros depois da guerra, confiscados pelos russos, anterior aliados, resume Gelu Savonea, diretor-adjunto do Instituto Cultural Romeno, uma das instituições que organizam a exposição. "Só começamos a recuperar as peças em 1956", lembra o diretor.

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Ernest Oberländer-Tänoveau avança até outra vitrina para mostrar mais uma peça da coleção. Uma das 3 mil que estão nos tesouros do seu museu. Trata-se de uma tira de ouro, gravada. "É uma bandeira", revela o diretor, arqueólogo de formação. A peça devia ser aplicada em outro suporte e retrata três animais. Tem cara de javali, corpo de peixe e rabo de ave. Sobre ela uma peça para usar no arnês do cavalo. "A aristocracia sempre quis impressionar com ouro e pedras precisosas. Decoravam os cavalos e este é do arnês", refere o diretor romeno.

Lisboa, 27/11/2017 - Visita à exposição Ouro Antigo do Mar Negro ao Oceano Atlântico, no Museu de Arqueologia (Diana Quintela/Global Imagens) © Diana Quintela/Global Imagens

É muito fácil navegar pela exposição, garante Katia Moldoveanu, curadora do museu e arqueóloga. Basta procurar as vitrinas com uma águia e uma letra. São essas - de A a G - que contêm os 21 tesouros emprestados pelo Museu de História da Roménia, em Bucareste, ao Museu Nacional de Arqueologia. "Um espaço, duas coleções", diz, em jeito de resume, o diretor da casa, António Carvalho. A águia foi inspirada num das joias selecionadas para a exposição. É da segunda metade do século V e foi encontrada num túmulo. E o que surpreende é que a mesma técnica fosse usada do lado da Península Ibérica, como demonstram os botões encontrados em Portugal, sublinha Virgílio Correia, curador português da exposição, especialista em ourivesaria e diretor do Museu de Conímbriga.

Apesar da coleção romena ser mais chamativa e de as peças lusitanas nada terem que ver com as que têm vindo a ser encontradas na antiga Dácia, Virgílio mostra os casos em que existe contacto. Como é o caso das braceletes caneladas. "O [Museu] Soares dos Reis tem uma muito parecida", acrescenta a investigadora Ana Isabel Santos, junto da peça, dentro da primeira caixa de vidro da exposição. É aqui que estão os bens mais antigos que viajaram de Bucareste para Lisboa para esta exposição. Chegaram aos dias de hoje vindos do Neolítico.

Katia Moldoveanu chama a atenção para as mais pequenas de todas. "Têm seis mil anos de antiguidade", explica. E dos mais raros de todos os que estão nesta exposição e, por isso, "dos mais importantes". A arqueóloga sabe do que fala. Ela própria descobriu um destes pendentes numa escavação no sul da Roménia. "É o achado de uma vida", ri-se. Estes, em ouro, foram descobertos numa necrópole, o outro num povoado antigo.

É nesta altura que António Carvalho, diretor do MNA entra na conversa. Faz esta terça-feira 37 anos que esta galeria abriu as suas portas ao público. Ficou para a história como o último local inaugurado oficialmente por Francisco Sá Carneiro antes da sua morte, uma semana depois. Hoje reabre com nova cara. "Aproveitámos a vinda da exposição para reprogramar a atualizar a sala. Esta é uma autoestrada de dois sentidos. Selecionamos as peças do Museu de História da Roménia, mas procuramos o diálogo. São duas exposições dentro uma espaço", diz. A informação foi traduzida, contextualizada, e, nesse caminho, fez-se uma nova classificação e análise das peças da coleção e é assim que a sala conhece uma nova vida.

Lisboa, 27/11/2017 - Visita à exposição Ouro Antigo do Mar Negro ao Oceano Atlântico, no Museu de Arqueologia (Diana Quintela/Global Imagens) © Diana Quintela/Global Imagens

É o caso da taça em forma de concha que Virgílio Correia trouxe para a exposição. Seria de "uso especial, simbólico. Entraram no museu nos anos 80, a proveniência é desconhecida e tudo indica que são da Idade do Ferro, mas o facto de não existirem outras para comparação nem ser uma tipologia usual tornam a sua presença na exposição uma decisão arriscada, mas elogiada por Ana Isabel Santos. "O comissário está disponível para o escrutínio".

Ouro Antigo: Do Mar Negro ao Oceano Atlântico

Museu Nacional de Arqueologia, Praça do Império

De 28 de novembro a 29 de abril de 2018, de terça a domingo, das 10.00 às 18.00

Bilhetes: 5 euros; entrada gratuita até aos 12 anos e aos domingos e feriados até às 14.00; 2,5 euros para estudantes e maiores de 65 anos

O elmo principesco gravado é um dos objetos mais chamativos da exposição Ouro Antigo do Mar Negro ao Oceano Atlântico que hoje abre ao público no Museu Nacional de Arqueologia (MNA). As suas dimensões impressionam tanto quanto a sua história. Foi encontrado por uma criança, no início do século XX, "por acaso". "Serviu de brinquedo aos mais novos e também serviu para dar água às galinhas".

A história é contada por Ernest Oberländer-Tänoveau, diretor do Museu de História da Roménia, que empresta as peças que se podem ver no museu ao MNA até abril do próximo ano. A peça, datada do século IV a.C., chegou a estar "numa vedação" e foi "destruída mecanicamente". Retiraram-lhe o topo. Até que um antigo soldado da I Guerra Mundial reconheceu o seu valor e comprou-o por 30 mil leus romenos em 1929. "Embrulhou-o numa folha de jornal e pediu uma reunião no ministério da Educação e Cultura, em Bucareste. "O proprietário fez uma doação ao museu e ainda deu mais 5 mil leus para o cofre transparente onde devia ser exposto".

O objeto é ainda mais importante se pensarmos que a Roménia fica sem parte dos seus tesouros depois da guerra, confiscados pelos russos, anterior aliados, resume Gelu Savonea, diretor-adjunto do Instituto Cultural Romeno, uma das instituições que organizam a exposição. "Só começamos a recuperar as peças em 1956", lembra o diretor.

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Ernest Oberländer-Tänoveau avança até outra vitrina para mostrar mais uma peça da coleção. Uma das 3 mil que estão nos tesouros do seu museu. Trata-se de uma tira de ouro, gravada. "É uma bandeira", revela o diretor, arqueólogo de formação. A peça devia ser aplicada em outro suporte e retrata três animais. Tem cara de javali, corpo de peixe e rabo de ave. Sobre ela uma peça para usar no arnês do cavalo. "A aristocracia sempre quis impressionar com ouro e pedras precisosas. Decoravam os cavalos e este é do arnês", refere o diretor romeno.

Lisboa, 27/11/2017 - Visita à exposição Ouro Antigo do Mar Negro ao Oceano Atlântico, no Museu de Arqueologia (Diana Quintela/Global Imagens) © Diana Quintela/Global Imagens

É muito fácil navegar pela exposição, garante Katia Moldoveanu, curadora do museu e arqueóloga. Basta procurar as vitrinas com uma águia e uma letra. São essas - de A a G - que contêm os 21 tesouros emprestados pelo Museu de História da Roménia, em Bucareste, ao Museu Nacional de Arqueologia. "Um espaço, duas coleções", diz, em jeito de resume, o diretor da casa, António Carvalho. A águia foi inspirada num das joias selecionadas para a exposição. É da segunda metade do século V e foi encontrada num túmulo. E o que surpreende é que a mesma técnica fosse usada do lado da Península Ibérica, como demonstram os botões encontrados em Portugal, sublinha Virgílio Correia, curador português da exposição, especialista em ourivesaria e diretor do Museu de Conímbriga.

Apesar da coleção romena ser mais chamativa e de as peças lusitanas nada terem que ver com as que têm vindo a ser encontradas na antiga Dácia, Virgílio mostra os casos em que existe contacto. Como é o caso das braceletes caneladas. "O [Museu] Soares dos Reis tem uma muito parecida", acrescenta a investigadora Ana Isabel Santos, junto da peça, dentro da primeira caixa de vidro da exposição. É aqui que estão os bens mais antigos que viajaram de Bucareste para Lisboa para esta exposição. Chegaram aos dias de hoje vindos do Neolítico.

Katia Moldoveanu chama a atenção para as mais pequenas de todas. "Têm seis mil anos de antiguidade", explica. E dos mais raros de todos os que estão nesta exposição e, por isso, "dos mais importantes". A arqueóloga sabe do que fala. Ela própria descobriu um destes pendentes numa escavação no sul da Roménia. "É o achado de uma vida", ri-se. Estes, em ouro, foram descobertos numa necrópole, o outro num povoado antigo.

É nesta altura que António Carvalho, diretor do MNA entra na conversa. Faz esta terça-feira 37 anos que esta galeria abriu as suas portas ao público. Ficou para a história como o último local inaugurado oficialmente por Francisco Sá Carneiro antes da sua morte, uma semana depois. Hoje reabre com nova cara. "Aproveitámos a vinda da exposição para reprogramar a atualizar a sala. Esta é uma autoestrada de dois sentidos. Selecionamos as peças do Museu de História da Roménia, mas procuramos o diálogo. São duas exposições dentro uma espaço", diz. A informação foi traduzida, contextualizada, e, nesse caminho, fez-se uma nova classificação e análise das peças da coleção e é assim que a sala conhece uma nova vida.

Lisboa, 27/11/2017 - Visita à exposição Ouro Antigo do Mar Negro ao Oceano Atlântico, no Museu de Arqueologia (Diana Quintela/Global Imagens) © Diana Quintela/Global Imagens

É o caso da taça em forma de concha que Virgílio Correia trouxe para a exposição. Seria de "uso especial, simbólico. Entraram no museu nos anos 80, a proveniência é desconhecida e tudo indica que são da Idade do Ferro, mas o facto de não existirem outras para comparação nem ser uma tipologia usual tornam a sua presença na exposição uma decisão arriscada, mas elogiada por Ana Isabel Santos. "O comissário está disponível para o escrutínio".

Ouro Antigo: Do Mar Negro ao Oceano Atlântico

Museu Nacional de Arqueologia, Praça do Império

De 28 de novembro a 29 de abril de 2018, de terça a domingo, das 10.00 às 18.00

Bilhetes: 5 euros; entrada gratuita até aos 12 anos e aos domingos e feriados até às 14.00; 2,5 euros para estudantes e maiores de 65 anos

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