Pico do stress custava mais seis mil milhões por ano em juros

14-02-2016
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Os juros da dívida portuguesa de longo prazo subiram até aos 4,5%, um máximo de dois anos. O prémio de risco disparou na última quinta-feira. Mas, no meio da tempestade nos mercados com indícios a remeter para 2008, qual é o grau de causalidade atribuível ao OE 2016?

Depois do alerta da Comissão Europeia a 5 de Fevereiro de que o esboço do Orçamento do Estado corria “risco de incumprimento” a subida dos juros disparou e, nesse mesmo dia, a rentabilidade anual de toda a dívida obrigacionista voltou a patamares negativos.

O problema não é exclusivamente nacional, mas Portugal regista as maiores subidas diárias por comparação com outros países periféricos da zona euro como a Grécia, Itália, Espanha ou Irlanda.

Álvaro Santos Almeida faz, no Conversas Cruzadas desta semana, contas à factura suplementar que Portugal teria de enfrentar se mantido o valor registado no pico do stress semanal na dívida de longo prazo.

“Se as taxas de juro estabilizassem nos níveis da última quinta-feira face aos níveis de quando este governo tomou posse, o encargo adicional anual no serviço da dívida seria de mais seis mil milhões de euros. Muito para além do custo de eventuais medidas de austeridade a exigir pela UE”, contabiliza o economista.

“Portando, causar essa consequência – mais seis mil milhões de euros para a república – mais o problema dos bancos, mais o problema de financiamento das empresas é um custo enorme de uma aventura apenas para que o governo possa dizer, no plano interno, que tudo se tentou junto da Comissão Europeia, mas não se conseguiu em matéria de esboço de Orçamento do Estado”, critica o professor da Universidade do Porto.

“Quando todos nós sabíamos que não se ia conseguir. Donde, a única coisa que se obteve com esta atitude foi - não medidas mais favoráveis – mas juros mais altos com as consequências que isso representa para as empresas”, diz Álvaro Santos Almeida.

O fenómeno agrava os custos de financiamento da economia portuguesa e afasta os investidores internacionais de Portugal. Álvaro Santos Almeida acusa o governo de comprometer a credibilidade conquistada a duras penas pelo executivo anterior.

“As taxas de juro não sobem só para a república portuguesa. Sobem para os bancos e por consequência para as empresas portuguesas. O governo ao ter criado toda a confusão à volta do orçamento, ao ter desbaratado toda a credibilidade que o governo anterior tinha conseguido nos mercados financeiros, agiu com custos de milhares de milhões de euros”, afirma o ex-quadro superior do FMI.

“O cenário da última quinta-feira só foi invertido porque o governo, pela voz do ministro das finanças, teve de vir dizer que ia tomar medidas adicionais e o próprio primeiro-ministro admitiu que essas medidas estavam a ser estudadas”, nota.

“É preciso os mercados perceberem que o governo português está empenhado na participação na zona euro. Este governo não o tem demonstrado. Isso pode custar ao país, potencialmente, milhares de milhões de euros”, alerta Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva: "Juros agravam-se em toda a Europa"

Manuel Carvalho da Silva discorda da visão do professor da Universidade do Porto.

“Por muito que se insista na tese de que aspectos da estruturação e negociação do Orçamento é que estão a determinar a subida das taxas de juro, acho ser uma ligação abusiva e apenas de oportunidade política”, diz o sociólogo.

“As taxas agravam-se num contexto de subida em toda a Europa, num contexto de uma crise bancária com perigos na Europa. Sabemos que Portugal é um país pequeno com uma economia frágil e aberta e sabemos ser, a seguir à Grécia, o país em situação mais delicada no plano europeu”, sustenta.

“Até este momento este governo não estragou coisa nenhuma. Todo o cenário montado pelo anterior governo – de que se tinha saído da crise – tinha pés de barro. Hoje é claro que há pressupostos que não se cumprem. A realidade de 2016 não é o quadro positivo pintado na altura e temos de assumir como preocupação a evolução da taxa de juro e de dar sinais que possam favorecer Portugal, mas acabar também com este quadro de quase autoflagelação sem sentido”, defende Manuel Carvalho da Silva.

“A 'sessão de tortura' a que o ministro Mário Centeno foi submetido faz parte da atitude dos poderes dominantes na União Europeia perante governos de que não gostem. Esses poderes têm de fazer o exercício de dizer aos povos que ou cedem, ou seguem a linha do empobrecimento. Ponto final”, diz.

“Os chamados mercados, os observadores que estão nestes espaços de poder sabem muito bem que os acordos estabelecidos pelo governo com os partidos à sua esquerda são uns tostões comparados com o que eles sabem ser os problemas por resolver do país. Esses sim a envolver milhares de milhões de euros e que podem forçar a que se queira colocar novamente os portugueses a pagar, como o Novo Banco e outros. Eles não são ingénuos”, acusa Manuel Carvalho da Silva.

A estratégia negocial com Bruxelas terá sido irresponsável no meio da tempestade em curso na economia mundial? O momento exigiria outra opção? Álvaro Santos Almeida imputa ao Governo danos severos na imagem externa do país.

“Seguindo a metáfora de que há uma tempestade em curso nos mares económicos com Portugal a navegar num bote frágil o que o governo português fez foi deitar fora o colete salva-vidas no meio da tempestade”, afirma.

“Tínhamos um colete salva-vidas: uma política orçamental responsável e uma política que declaradamente seguia as linhas do pacto de estabilidade e crescimento e as regras da zona euro. Depois, passamos a ter um governo que diz ‘sim, vamos cumprir, mas antes disso há acordos internos’. Acordos que vão aumentar o défice”, indica Álvaro Santos Almeida.

“A questão central é que a subida das taxas de juro da dívida portuguesa ocorre depois do governo ter apresentado em Bruxelas um orçamento ridículo. Ridículo nas contas, em metas que não estavam em linha com o pacto de estabilidade e crescimento, de tal forma que o governo o teve de rever por completo”, afirma.

“O facto de o ter feito veio criar nos mercados a convicção – fácil de criar todo o enquadramento político apontava nesse sentido – que este governo não está seriamente empenhado no controlo orçamental e que vai ter uma política despesista”, refere o antigo quadro do FMI.

“Até pode não ser verdade. De facto, quando neste momento olhamos para o Orçamento – na sua última versão mais recente – é contraccionista. O problema foi a imagem criada. Uma imagem de credibilidade demora anos a criar e destrói-se em 15 dias. Foi o que aconteceu”, diz Álvaro Santos Almeida.

Álvaro Almeida: "É um Orçamento 'Robin dos bosques"

Na semana em que o socialista Jorge Coelho se pronunciou a favor de “maior coordenação política” do governo com os partidos que, à esquerda do PS, lhe conferem sustentação parlamentar, sobretudo em períodos de “tensão com Bruxelas”, Álvaro Santos Almeida diz tratar-se de “um problema previsível”.

“Quando estávamos a discutir esta solução do governo sabia-se que a opção ia ter dois partidos a reivindicar – e a afirmarem-se um perante o outro”, diz.

Manuel Carvalho da Silva rejeita a tese. “Não há nenhuma dinâmica forte nesse plano. Há um compromisso base que não tem grandes implicações no Orçamento”, afirma o professor da Universidade de Coimbra.

“Entre o Orçamento que este governo apresenta e uma proposta imaginada à luz das metas da coligação de direita só vemos duas ou três pequeninas diferenças do ponto de vista dos impactos. O que vemos são diferenças na distribuição das cargas fiscais e dos sinais para que a dureza das pressões feitas sobre camadas da população mais desfavorecidas sejam agora corrigidas”, indica o responsável do CES, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

“Não, não”, contrapõe Álvaro Santos Almeida. “Este é um orçamento ‘Robin dos Bosques ao contrário’: tira aos pobres para dar aos ricos”, afirma o economista.

“As medidas de reposição de rendimentos – identificadas como tal pelo Governo – são essencialmente duas. Reposição de salários dos funcionários públicos, custa 400 e tal milhões de euros, e a sobretaxa em valor idêntico”, sustenta Álvaro Santos Almeida.

“São duas medidas que incidem, sobretudo, em quem tem rendimentos superiores a 1500 euros por mês. O corte nos salários na função pública só se aplicou a quem tem ordenados superiores a 1500 euros, portanto quem tinha salários inferiores não beneficiou em nada com esta medida. 50%, metade das famílias portuguesas não paga IRS e, portanto, não paga sobretaxa. Estas são as duas medidas com maior impacto orçamental”, argumenta.

“Depois, fiz as contas, e há 35 milhões na redução das taxas moderadoras que só se aplicam a quem tem rendimentos superiores a 700 euros. Há 24 milhões na reposição da CES que só se aplica a pensões elevadas. Há 140 milhões na redução do IVA da restauração que certamente não é para os mais desfavorecidos poderem pagar mais barato nos restaurantes”, ironiza.

“Portanto, se analisadas todas as medidas a que o governo chama de “reposição de rendimentos” são medidas que em 1.111 milhões de euros beneficiam exclusivamente os portugueses que têm rendimentos superiores a 1000 euros por mês. Não beneficiam em nada metade da população portuguesa, a metade mais desfavorecida".

“As únicas medidas que podem ter um impacto positivo sobre essa metade mais vulnerável são medidas na área social que, todas somadas, dão 100 milhões de euros. 100 milhões contra 1100 milhões. É esta a proporção das medidas de reposição de rendimentos”, afirma Álvaro Santos Almeida.

“Este orçamento é diferente do orçamento do anterior governo porque é um orçamento de pagamento às clientelas tradicionais de suporte da maioria que apoia o governo. Nomeadamente os funcionários públicos que ganham mais de 1500 euros/mês”, diz o professor da Universidade do Porto.

Carvalho da Silva: "É preciso reencontrar um denominador comum"

Manuel Carvalho da Silva discorda da leitura de Álvaro Santos Almeida e alude à necessidade de um debate alargado produza compromissos na sociedade portuguesa.

“Era importantíssimo que houvesse um mínimo denominador comum. Uma das coisas que hoje assusta na sociedade portuguesa é ver em debate pessoas com formação e conhecimento a colocar-se em diferentes campos ideológicos e sobre os mesmos conteúdos e realidades expandem, às vezes, argumentações diametralmente opostas e inconciliáveis”, afirma o ex-líder da CGTP.

“O problema é que o fazem na mais profunda convicção e sem deixar de utilizar, se quiser, às vezes, os mesmos números. Ou seja, não se trata de um exercício de desenvolver hipóteses alternativas para uma mesma realidade, mas de não encontrar denominadores comuns”, prossegue.

“Em Portugal, depois de 1974, tivemos durante muito tempo na Constituição da República um ancoradouro de objectivos, regras e princípios que foi extraordinariamente importante e permitiu confrontação de posições, mas que houvesse convergências. Convergências a construir factores de desenvolvimento nacional com participação de forças políticas e sociais”, diz.

“Neste momento, em resultado da situação que se vive de membro da União Europeia – condição que cilindrou o compromisso interno – e da própria UE estar num quadro de crise profunda – de dicotomias internas, também sem denominador comum – está criado um cenário de enorme dificuldade”.

“Então o que se exige? Um debate alargado que vá fazendo um percurso a gerar alguns conteúdos de compromisso não nos levando a ultrapassar barreiras que se voltam contra o interesse nacional”, advoga Manuel Carvalho da Silva.

O Governo resiste a um pacote adicional de austeridade?

No Parlamento, sexta-feira, PSD e CDS insistiram em que o governo está a esconder aos portugueses um plano B, as medidas adicionais que o governo prepara para responder a exigências da Comissão Europeia. António Costa garantiu que ainda não está em andamento qualquer plano alternativo. Mas, resiste o governo a um pacote deste tipo? A pergunta encerrou o Conversas Cruzadas desta semana.

Carvalho da Silva está ao lado do governo na reacção a Bruxelas. “Primeiro espero que não haja nenhum novo grande pacote de medidas de austeridade. Isto apesar de esta semana se ter assistido a um quase festejo por parte da direita sobre a possibilidade disso acontecer o que é problemático. A resposta do primeiro-ministro na sexta-feira foi acertada. Quer sobre os impostos, quer sobre esta questão do condicionamento de Bruxelas”, afirma

“Foi uma resposta acertada e espero que haja uma intervenção cada vez mais abrangente e participada no país no sentido de se evitar mais males para os portugueses”, diz Carvalho da Silva.

Já Álvaro Santos Almeida não se pronuncia sobre a longevidade política do governo. “Não sei se resiste, mas espero que tome essas medidas”, diz. “Não sei se faço parte da direita a que o Prof. Carvalho da Silva se referia, não me revejo assim, mas admito isso".

De facto, quando um governo toma medidas – ditas - de austeridade o que está a fazer é não onerar o futuro do país. Está a fazer com que este país pague hoje as suas dívidas em vez de as transferir para o futuro”, sustenta o professor da Universidade do Porto.

“Isso é bom para o futuro de Portugal, é bom para os meus filhos e é bom para o crescimento da economia e para o futuro do país como um todo”.

Veja também:

Os juros da dívida portuguesa de longo prazo subiram até aos 4,5%, um máximo de dois anos. O prémio de risco disparou na última quinta-feira. Mas, no meio da tempestade nos mercados com indícios a remeter para 2008, qual é o grau de causalidade atribuível ao OE 2016?

Depois do alerta da Comissão Europeia a 5 de Fevereiro de que o esboço do Orçamento do Estado corria “risco de incumprimento” a subida dos juros disparou e, nesse mesmo dia, a rentabilidade anual de toda a dívida obrigacionista voltou a patamares negativos.

O problema não é exclusivamente nacional, mas Portugal regista as maiores subidas diárias por comparação com outros países periféricos da zona euro como a Grécia, Itália, Espanha ou Irlanda.

Álvaro Santos Almeida faz, no Conversas Cruzadas desta semana, contas à factura suplementar que Portugal teria de enfrentar se mantido o valor registado no pico do stress semanal na dívida de longo prazo.

“Se as taxas de juro estabilizassem nos níveis da última quinta-feira face aos níveis de quando este governo tomou posse, o encargo adicional anual no serviço da dívida seria de mais seis mil milhões de euros. Muito para além do custo de eventuais medidas de austeridade a exigir pela UE”, contabiliza o economista.

“Portando, causar essa consequência – mais seis mil milhões de euros para a república – mais o problema dos bancos, mais o problema de financiamento das empresas é um custo enorme de uma aventura apenas para que o governo possa dizer, no plano interno, que tudo se tentou junto da Comissão Europeia, mas não se conseguiu em matéria de esboço de Orçamento do Estado”, critica o professor da Universidade do Porto.

“Quando todos nós sabíamos que não se ia conseguir. Donde, a única coisa que se obteve com esta atitude foi - não medidas mais favoráveis – mas juros mais altos com as consequências que isso representa para as empresas”, diz Álvaro Santos Almeida.

O fenómeno agrava os custos de financiamento da economia portuguesa e afasta os investidores internacionais de Portugal. Álvaro Santos Almeida acusa o governo de comprometer a credibilidade conquistada a duras penas pelo executivo anterior.

“As taxas de juro não sobem só para a república portuguesa. Sobem para os bancos e por consequência para as empresas portuguesas. O governo ao ter criado toda a confusão à volta do orçamento, ao ter desbaratado toda a credibilidade que o governo anterior tinha conseguido nos mercados financeiros, agiu com custos de milhares de milhões de euros”, afirma o ex-quadro superior do FMI.

“O cenário da última quinta-feira só foi invertido porque o governo, pela voz do ministro das finanças, teve de vir dizer que ia tomar medidas adicionais e o próprio primeiro-ministro admitiu que essas medidas estavam a ser estudadas”, nota.

“É preciso os mercados perceberem que o governo português está empenhado na participação na zona euro. Este governo não o tem demonstrado. Isso pode custar ao país, potencialmente, milhares de milhões de euros”, alerta Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva: "Juros agravam-se em toda a Europa"

Manuel Carvalho da Silva discorda da visão do professor da Universidade do Porto.

“Por muito que se insista na tese de que aspectos da estruturação e negociação do Orçamento é que estão a determinar a subida das taxas de juro, acho ser uma ligação abusiva e apenas de oportunidade política”, diz o sociólogo.

“As taxas agravam-se num contexto de subida em toda a Europa, num contexto de uma crise bancária com perigos na Europa. Sabemos que Portugal é um país pequeno com uma economia frágil e aberta e sabemos ser, a seguir à Grécia, o país em situação mais delicada no plano europeu”, sustenta.

“Até este momento este governo não estragou coisa nenhuma. Todo o cenário montado pelo anterior governo – de que se tinha saído da crise – tinha pés de barro. Hoje é claro que há pressupostos que não se cumprem. A realidade de 2016 não é o quadro positivo pintado na altura e temos de assumir como preocupação a evolução da taxa de juro e de dar sinais que possam favorecer Portugal, mas acabar também com este quadro de quase autoflagelação sem sentido”, defende Manuel Carvalho da Silva.

“A 'sessão de tortura' a que o ministro Mário Centeno foi submetido faz parte da atitude dos poderes dominantes na União Europeia perante governos de que não gostem. Esses poderes têm de fazer o exercício de dizer aos povos que ou cedem, ou seguem a linha do empobrecimento. Ponto final”, diz.

“Os chamados mercados, os observadores que estão nestes espaços de poder sabem muito bem que os acordos estabelecidos pelo governo com os partidos à sua esquerda são uns tostões comparados com o que eles sabem ser os problemas por resolver do país. Esses sim a envolver milhares de milhões de euros e que podem forçar a que se queira colocar novamente os portugueses a pagar, como o Novo Banco e outros. Eles não são ingénuos”, acusa Manuel Carvalho da Silva.

A estratégia negocial com Bruxelas terá sido irresponsável no meio da tempestade em curso na economia mundial? O momento exigiria outra opção? Álvaro Santos Almeida imputa ao Governo danos severos na imagem externa do país.

“Seguindo a metáfora de que há uma tempestade em curso nos mares económicos com Portugal a navegar num bote frágil o que o governo português fez foi deitar fora o colete salva-vidas no meio da tempestade”, afirma.

“Tínhamos um colete salva-vidas: uma política orçamental responsável e uma política que declaradamente seguia as linhas do pacto de estabilidade e crescimento e as regras da zona euro. Depois, passamos a ter um governo que diz ‘sim, vamos cumprir, mas antes disso há acordos internos’. Acordos que vão aumentar o défice”, indica Álvaro Santos Almeida.

“A questão central é que a subida das taxas de juro da dívida portuguesa ocorre depois do governo ter apresentado em Bruxelas um orçamento ridículo. Ridículo nas contas, em metas que não estavam em linha com o pacto de estabilidade e crescimento, de tal forma que o governo o teve de rever por completo”, afirma.

“O facto de o ter feito veio criar nos mercados a convicção – fácil de criar todo o enquadramento político apontava nesse sentido – que este governo não está seriamente empenhado no controlo orçamental e que vai ter uma política despesista”, refere o antigo quadro do FMI.

“Até pode não ser verdade. De facto, quando neste momento olhamos para o Orçamento – na sua última versão mais recente – é contraccionista. O problema foi a imagem criada. Uma imagem de credibilidade demora anos a criar e destrói-se em 15 dias. Foi o que aconteceu”, diz Álvaro Santos Almeida.

Álvaro Almeida: "É um Orçamento 'Robin dos bosques"

Na semana em que o socialista Jorge Coelho se pronunciou a favor de “maior coordenação política” do governo com os partidos que, à esquerda do PS, lhe conferem sustentação parlamentar, sobretudo em períodos de “tensão com Bruxelas”, Álvaro Santos Almeida diz tratar-se de “um problema previsível”.

“Quando estávamos a discutir esta solução do governo sabia-se que a opção ia ter dois partidos a reivindicar – e a afirmarem-se um perante o outro”, diz.

Manuel Carvalho da Silva rejeita a tese. “Não há nenhuma dinâmica forte nesse plano. Há um compromisso base que não tem grandes implicações no Orçamento”, afirma o professor da Universidade de Coimbra.

“Entre o Orçamento que este governo apresenta e uma proposta imaginada à luz das metas da coligação de direita só vemos duas ou três pequeninas diferenças do ponto de vista dos impactos. O que vemos são diferenças na distribuição das cargas fiscais e dos sinais para que a dureza das pressões feitas sobre camadas da população mais desfavorecidas sejam agora corrigidas”, indica o responsável do CES, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

“Não, não”, contrapõe Álvaro Santos Almeida. “Este é um orçamento ‘Robin dos Bosques ao contrário’: tira aos pobres para dar aos ricos”, afirma o economista.

“As medidas de reposição de rendimentos – identificadas como tal pelo Governo – são essencialmente duas. Reposição de salários dos funcionários públicos, custa 400 e tal milhões de euros, e a sobretaxa em valor idêntico”, sustenta Álvaro Santos Almeida.

“São duas medidas que incidem, sobretudo, em quem tem rendimentos superiores a 1500 euros por mês. O corte nos salários na função pública só se aplicou a quem tem ordenados superiores a 1500 euros, portanto quem tinha salários inferiores não beneficiou em nada com esta medida. 50%, metade das famílias portuguesas não paga IRS e, portanto, não paga sobretaxa. Estas são as duas medidas com maior impacto orçamental”, argumenta.

“Depois, fiz as contas, e há 35 milhões na redução das taxas moderadoras que só se aplicam a quem tem rendimentos superiores a 700 euros. Há 24 milhões na reposição da CES que só se aplica a pensões elevadas. Há 140 milhões na redução do IVA da restauração que certamente não é para os mais desfavorecidos poderem pagar mais barato nos restaurantes”, ironiza.

“Portanto, se analisadas todas as medidas a que o governo chama de “reposição de rendimentos” são medidas que em 1.111 milhões de euros beneficiam exclusivamente os portugueses que têm rendimentos superiores a 1000 euros por mês. Não beneficiam em nada metade da população portuguesa, a metade mais desfavorecida".

“As únicas medidas que podem ter um impacto positivo sobre essa metade mais vulnerável são medidas na área social que, todas somadas, dão 100 milhões de euros. 100 milhões contra 1100 milhões. É esta a proporção das medidas de reposição de rendimentos”, afirma Álvaro Santos Almeida.

“Este orçamento é diferente do orçamento do anterior governo porque é um orçamento de pagamento às clientelas tradicionais de suporte da maioria que apoia o governo. Nomeadamente os funcionários públicos que ganham mais de 1500 euros/mês”, diz o professor da Universidade do Porto.

Carvalho da Silva: "É preciso reencontrar um denominador comum"

Manuel Carvalho da Silva discorda da leitura de Álvaro Santos Almeida e alude à necessidade de um debate alargado produza compromissos na sociedade portuguesa.

“Era importantíssimo que houvesse um mínimo denominador comum. Uma das coisas que hoje assusta na sociedade portuguesa é ver em debate pessoas com formação e conhecimento a colocar-se em diferentes campos ideológicos e sobre os mesmos conteúdos e realidades expandem, às vezes, argumentações diametralmente opostas e inconciliáveis”, afirma o ex-líder da CGTP.

“O problema é que o fazem na mais profunda convicção e sem deixar de utilizar, se quiser, às vezes, os mesmos números. Ou seja, não se trata de um exercício de desenvolver hipóteses alternativas para uma mesma realidade, mas de não encontrar denominadores comuns”, prossegue.

“Em Portugal, depois de 1974, tivemos durante muito tempo na Constituição da República um ancoradouro de objectivos, regras e princípios que foi extraordinariamente importante e permitiu confrontação de posições, mas que houvesse convergências. Convergências a construir factores de desenvolvimento nacional com participação de forças políticas e sociais”, diz.

“Neste momento, em resultado da situação que se vive de membro da União Europeia – condição que cilindrou o compromisso interno – e da própria UE estar num quadro de crise profunda – de dicotomias internas, também sem denominador comum – está criado um cenário de enorme dificuldade”.

“Então o que se exige? Um debate alargado que vá fazendo um percurso a gerar alguns conteúdos de compromisso não nos levando a ultrapassar barreiras que se voltam contra o interesse nacional”, advoga Manuel Carvalho da Silva.

O Governo resiste a um pacote adicional de austeridade?

No Parlamento, sexta-feira, PSD e CDS insistiram em que o governo está a esconder aos portugueses um plano B, as medidas adicionais que o governo prepara para responder a exigências da Comissão Europeia. António Costa garantiu que ainda não está em andamento qualquer plano alternativo. Mas, resiste o governo a um pacote deste tipo? A pergunta encerrou o Conversas Cruzadas desta semana.

Carvalho da Silva está ao lado do governo na reacção a Bruxelas. “Primeiro espero que não haja nenhum novo grande pacote de medidas de austeridade. Isto apesar de esta semana se ter assistido a um quase festejo por parte da direita sobre a possibilidade disso acontecer o que é problemático. A resposta do primeiro-ministro na sexta-feira foi acertada. Quer sobre os impostos, quer sobre esta questão do condicionamento de Bruxelas”, afirma

“Foi uma resposta acertada e espero que haja uma intervenção cada vez mais abrangente e participada no país no sentido de se evitar mais males para os portugueses”, diz Carvalho da Silva.

Já Álvaro Santos Almeida não se pronuncia sobre a longevidade política do governo. “Não sei se resiste, mas espero que tome essas medidas”, diz. “Não sei se faço parte da direita a que o Prof. Carvalho da Silva se referia, não me revejo assim, mas admito isso".

De facto, quando um governo toma medidas – ditas - de austeridade o que está a fazer é não onerar o futuro do país. Está a fazer com que este país pague hoje as suas dívidas em vez de as transferir para o futuro”, sustenta o professor da Universidade do Porto.

“Isso é bom para o futuro de Portugal, é bom para os meus filhos e é bom para o crescimento da economia e para o futuro do país como um todo”.

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