f.g.amorim

01-09-2019
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Amigos – 11

Hoje vou “conversar” um pouco com alguns colegas que
andaram comigo em Évora.

Começo por um com quem estive só um ano, porque era
mais velho do que eu uns quatro ou cinco anos, mas nos conhecíamos bem desde os
tempos de criança, de Sintra, onde passei todos os verões da minha infância, e
um pouco mais, e só deixei aquela terra, linda, quando casei e fui para África.

No refeitório as mesas eram de quatro lugares. Junto
da parede os muito queridos amigos Estevão Tojal e o Chico Dias, eu de costas
para a cozinha e o nosso retratado de frente para o lado de onde chegava a
comida.

Ao pé dele era impossível estar mal disposto. O
sujeito estava sempre, mas sempre na brincadeira.

Um dia recebemos a visita de alguns colegas de
Coimbra, e à noite fomos mostrar-lhes o “Évora by night”! Chamámos um taxi da
cidade, um daqueles carrões dos anos 30, teoricamente de 4 lugares mas que
levava uns dez ou doze, dois ou três na frente, meia dúzia no banco traseiro e
alguns iam mesmo nos estribos! Tempos bonitos! O Duarte, o nosso primeiro colega agora
lembrado, mais a sua boa disposição, sabia imitar, perfeitamente um grilo. E
começou a grilar! Parou-se o carro para procurar o bichinho. Saíram todos,
levantou-se o banco e o canto do grilo calou. Quando o Duarte entrava para
procurar o grilo cantava alegremente. E assim estivemos algum tempo parados. Eu
ria que nem um perdido, porque já conhecia a brincadeira.

O Estevão, filho único, de família abastada, era uma
jóia. Muito simpático, simples, generoso, um dia regressando de férias trazia
um relógio à prova d’água. Bonito, quase novidade, e mostrou-o aos
companheiros da mesa. O Duarte: Não acredito
que seja à prova d’água. Deixa ver. O Estevão tirou o relógio do pulso,
passou-lhe. É mesmo à prova d’água? – É.
– Deixa experimentar.  E enfiou o
relógio dentro do jarro d’água!

Quando o Estevão fez 19 anos o pai deu-lhe um carro
que não durou muito. Uma noite de sexta feira, sabendo que no dia seguinte não
tinha aulas porque alguns professores não iriam aparecer, meteu-se à estrada a
caminho de Lisboa. Com ele outro grande amigo, o Fernando Moreira Rato feliz
porque podia ir estar com a mãe no dia dos anos dela.

O carro, um MG TC, dois lugares, conversível, era o
carro dos sonhos de todo o jovem. Novembro de 1949, corriam, foram
encadeados por um caminhão que vinha em sentido contrário, a estrada eram
muito estreitas o que não lhes permitiu verem outro caminhão, avariado, parado
na estrada, sem quaisquer luzes acesas. Não tiveram tempo de frear e... o pior
aconteceu. Nessa noite perdemos, todos, dois ótimos colegas e amigos.

Pela vida fora o Duarte continuou com as suas
maluquices. Já velho, finanças saudáveis, num jantar de cerimónia, que
um banco ofereceu aos seus investidores, ele ficou ao lado de um outro senhor
que ele jamais vira, o que não o inibiu de lhe perguntar: A sua fortuna foi feita com contrabando de cocaína?  Um gelo na mesa entre todos os convidados,
mas o interrogado, magnífico espírito desportivo, dessa vez ganhou: Não! Essas miudezas eu deixo para o meu
motorista! E continuaram a conversa, mas sempre com piadas pelo meio.

Já nos deixou o Duarte
Mayer de Carvalho.

 

Duarte, comigo

 Xico Dias, Duarte,
Estevão, eu

§          §          §          §

Histórias boas, desse tempo, algumas com mais de
setenta anos passados em cima, mas sempre recordadas com muita saudade. Só se é
jovem uma vez, e amizades desse tempo, permanecem arreigadas nos nossos
corações.

Um desses colegas, com quem me dava muito, esteve
muito anos ausente, sem eu saber por onde andava. Alentejano de Moura, afinal
casara e vivia em Lisboa. Depois de mais de um quarto de século, numa das
minhas idas à terrinha, consegui
desencantar uns quantos e juntámo-nos num memorável almoço. Alguns tiveram
dificuldade para se reconhecerem, e até eu, que tinha falado com eles para os
convocar para o encontro. Não passam trinta anos em cima de alguém sem o
começar a mudar!

Um deles, que sempre fora sobre o magro, estava que
parecia um esqueleto, mas de boa saúde, assim que nos abraçámos, começou logo
por me dizer que tinha sido muito melhor
do que eu em hidráulica!  Nessa
altura eu já não fazia ideia do que tinham sido essas notas, mas ele explicou:

Estávamos
na prova final do ano, e do curso. Eu não sabia nada de hidráulica, tu estavas
na carteira à minha frente, e pedi que me passasses as respostas. Tu eras bom
nisso. Acabaste, passaste tudo para uma cábula (cola, no Brasil) e eu consegui ainda copiar tudo e acabar a
tempo. Quando vieram os resultados, tu eras quem tinha sempre a melhor nota,
mas dessa vez o professor, o tão saudoso engenheiro Sardinha de Oliveira,
deu-me um ponto a mais do que a ti!

Já não me lembrava disso, mas muito nos rimos. Depois,
mesmo em tempos espaçados, fomo-nos encontrando mais umas vezes e ele sempre me
vinha dizendo: Eu era melhor do que tu em
hidráulica! Era a nossa brincadeira, mesmo que tivéssemos já bem mais de meio
século nas costas.

Fomo colegas, do mesmo curso, e andámos também em lides
tauromáquicas!

Todos os anos, ao findar o ano letivo, organizavam-se
uma série de garraiadas, e muitos de nós se ofereciam para “toureiros”.
Fazíamos uma espécie de apresentação, nalguma herdade, que sempre havia quem
nos recebesse, e até nos emprestasse as “feras”, para mostrar a nossa
“valentia”, e depois corríamos algumas cidades.

Évora, é evidente, Extremoz, Montemor e já nem sei mais
onde, e lá iam os valerosos matadores. O
produto da venda dos bilhetes revertia sempre para as Misericórdias locais. No
fim das corridas as gentis meninas da
terra vinham oferecer-nos um ramo de flores, com uma bela fitinha de gorgorão,
que leva escrito com tinta dourada ou prateada (que beleza!) o local, data e
nome da “madrinha”. À noite havia
baile em nossa honra!

Acabámos o curso e logo fizemos o serviço militar, no
mesmo Regimento de Cavalaria durante um tempo. Depois disso... levou um sumiço
que durou anos.

O Zé Ravasco
foi algumas vezes parceiro nessas andanças taurinas.

Eu, António Cordovil, Alberto Fonseca e Zé Ravasco

Évora, 8/Junho/1948

§          §          §          §

Para falar deste outro colega, e para o compreendermos
melhor, é necessário contar um pouco da história do pai dele. Irrequieto, casou
com uma senhora espanhola, tiveram este filho e depois sumiu de casa! A mãe
voltou para Espanha e ele criado por um tio, que foi o autêntico pai.

Pois o pai, um aventureiro foi para a Legião
Estrangeira, no Norte de África. Quando de lá saiu vagou um pouco pela Europa
e, na Alemanha, macho como era foi
visitar um campo de nudismo. Peladão, sem experiência, meio envergonhado,
carregava uma toalha com que procurava tapar o principal! Logo veio um desnudo teuto que, à boa moda germânica lhe
perguntou: Tem alguma coisa a esconder? –
Não. - Aqui ou se anda completamente nu ou vai embora. Ele foi embora, envergonhado.

Passavam-se anos que não dava notícias e as que
chegavam eram esparsas.

Um belo dia mandou ao filho uma fotografia. Estava em
Hollywood! À beira duma piscina, sentadão numa cadeira, copo de whisky na mão,
rodeado de beldades. Nas costas da fotografia mandou então as “notícias”: Como vês estou bem!... E foi tudo!!!
Soube um tempo depois que tinha falecido.

Claro que herdou algo do pai: a boa disposição e,
talvez da mãe, uma tremenda força de trabalho.

Quando acabou o curso o tio arranjou-lhe trabalho
em Moçambique, onde foi tomar conta de uma grande área onde o governo estava a
desenvolver importantes projetos de agricultura junto da população local.

Perto da casa onde morava passava um rio, rico de
peixe e de jacarés. Tinha sempre peixe fresco, matou muito jacaré e vendia as
peles a um comerciante.

Chegou o 25/quatro, regressou a Portugal e trazia um
razoável dinheirinho no bolso do negócio, a maior parte dele devido aos “Crocodylus Cataphractus”.

Meteu-se a produtor de tomate, umas quantas estufas lá
para as bandas de Sintra. Ótima qualidade, bons conhecimentos nos
supermercados.

Quando fui tentar voltar para Portugal (já fui muito
tarde!) encontrámo-nos, falámos sobre nossas frágeis situações financeiras e
decidimos entrar num novo negócio: produtos hortícolas, frescos, preparados e
embalados em “atmosfera modificada”. Novidade em Portugal.

Montámos a sociedade, projetos, apoio dos Serviços de
Agricultura, alugar armazém, obras, ida a Alemanha comprar equipamento, até que
finalmente lançámos uns quantos produtos com uma marca muito bem criada pelo designer Francisco Amorim (o filho):
“HORTA FRESCA”.

O sócio, ficou com a responsabilidade da venda e
eu com a produção e escritório. Trabalhámos ambos que nem condenados. Esgotámos
as possibilidades do mercado que não supria o suficiente para que o
investimento se pagasse, bem como as despesas de pessoal, distribuição, etc.

Deu um trabalho imenso, as madamas portugas não compravam
porque preferiam descascar batatas em casa, e, imaginem, nos supermercados as
principais clientes eram estrangeiras!!!

Hoje é um sucesso em todo o lado. Nós, os
pioneiros, 1992, fomos forçados a fechar. O dinheiro acabou e não havia como
fazer mais sacrifícios

O meu querido amigo e sócio apareceu doente. Muito,
mas não parava um segundo. Parecia que a doença lhe dava forças. Não durou
muito mais.

Grande lutador Joaquim Muñoz dos Santos Cruz.

Quando nos reencontrámos. Magoito – Sintra -1989

§              §              §              §

“Naquele tempo”... estudante, tive alguns colegas,
companheiros, com quem criei uma especial relação de amizade e de farra, que se
chamavam, e chamavam, Alberto.

Um deles, que está na foto atrás, fazendeiro de arroz
no Ribatejo, o outro, lá do Norte, de Armamar. Com dezenove anos, depois de
assistir ao desbaratar de todos os muitos e ricos bens da família, pelo pai e
tio, jogadores inveterados, não lhe foi difícil ver que não havia mais dinheiro
para continuar os seus estudos e, sem terminar os estudos, imigrou para o
Brasil. Aqui fez a sua vida, prosperou profissionalmente, teve várias mulheres
de papel passado e boa variedade de outras acidentais, mas nunca enriqueceu a
trabalhar para “outrem”, para patrões, apesar de ter chegado depressa a gerente
geral e mesmo a diretor de empresas de grande porte. Ganhou experiência, o que
é evidente, e sempre foi um senhor, porque o berço o marcou!

Estivémos quarenta anos sem saber um do outro. Sem nos
vermos! Pouco mais do que desconfiávamos que o “outro” estaria vivo! O
reencontro foi uma festa! Falámos de filhos, netos, colegas “perdidos” e outros
já idos. A partir de 1995 passámos a viver na mesma cidade, Rio de Janeiro, entrados
em bons anos, encontrávamo-nos regularmente, falando sobre os tempos da
juventude e sobre filosofias diversas quando nada mais há para dizer, e essa
amizade, de tantos anos, por estranho que pareça se ia fortalecendo cada vez
mais! Conversas sempre acompanhadas com um bom copo de vinho!

O meu maior amigo no Rio de Janeiro, assíduo a tudo
quanto fosse celebração nesta casa, apadrinhou a nossa neta, aparecia
regularmente para almoçar.

Os quarenta anos sem nos vermos sumiu da nossa
memória, mas foi uma perca grande!

A idade foi deixando marcas e as mazelas apareciam.
Consultava médicos e mais médicos e depois vinha perguntar-me se eu concordava
com a medicação que lhe davam!

Por fim emagreceu muito, fiquei extremamente
preocupado. Enfisema pulmonar. Conte-lhe que a minha irmã mais velha, há mais
de 10 anos que não vive sem oxigénio, e ainda por lá está (em Portugal) para
“as curvas”! A médica disse que o oxigénio não era indicado.

Lutei muito para que mudasse de médica. Em vão.

Perdi o meu maior e único amigo da mocidade, que vivia perto de nós,no Rio. Para mim
esvaziou o Rio de Janeiro.

Passou um fim de vida triste, sofrido, um homem
simples, educado, grande parceiro e muito amigo, o Alberto Borges da Silveira.

Com a afilhada

5 out. 18

Amigos – 11

Hoje vou “conversar” um pouco com alguns colegas que
andaram comigo em Évora.

Começo por um com quem estive só um ano, porque era
mais velho do que eu uns quatro ou cinco anos, mas nos conhecíamos bem desde os
tempos de criança, de Sintra, onde passei todos os verões da minha infância, e
um pouco mais, e só deixei aquela terra, linda, quando casei e fui para África.

No refeitório as mesas eram de quatro lugares. Junto
da parede os muito queridos amigos Estevão Tojal e o Chico Dias, eu de costas
para a cozinha e o nosso retratado de frente para o lado de onde chegava a
comida.

Ao pé dele era impossível estar mal disposto. O
sujeito estava sempre, mas sempre na brincadeira.

Um dia recebemos a visita de alguns colegas de
Coimbra, e à noite fomos mostrar-lhes o “Évora by night”! Chamámos um taxi da
cidade, um daqueles carrões dos anos 30, teoricamente de 4 lugares mas que
levava uns dez ou doze, dois ou três na frente, meia dúzia no banco traseiro e
alguns iam mesmo nos estribos! Tempos bonitos! O Duarte, o nosso primeiro colega agora
lembrado, mais a sua boa disposição, sabia imitar, perfeitamente um grilo. E
começou a grilar! Parou-se o carro para procurar o bichinho. Saíram todos,
levantou-se o banco e o canto do grilo calou. Quando o Duarte entrava para
procurar o grilo cantava alegremente. E assim estivemos algum tempo parados. Eu
ria que nem um perdido, porque já conhecia a brincadeira.

O Estevão, filho único, de família abastada, era uma
jóia. Muito simpático, simples, generoso, um dia regressando de férias trazia
um relógio à prova d’água. Bonito, quase novidade, e mostrou-o aos
companheiros da mesa. O Duarte: Não acredito
que seja à prova d’água. Deixa ver. O Estevão tirou o relógio do pulso,
passou-lhe. É mesmo à prova d’água? – É.
– Deixa experimentar.  E enfiou o
relógio dentro do jarro d’água!

Quando o Estevão fez 19 anos o pai deu-lhe um carro
que não durou muito. Uma noite de sexta feira, sabendo que no dia seguinte não
tinha aulas porque alguns professores não iriam aparecer, meteu-se à estrada a
caminho de Lisboa. Com ele outro grande amigo, o Fernando Moreira Rato feliz
porque podia ir estar com a mãe no dia dos anos dela.

O carro, um MG TC, dois lugares, conversível, era o
carro dos sonhos de todo o jovem. Novembro de 1949, corriam, foram
encadeados por um caminhão que vinha em sentido contrário, a estrada eram
muito estreitas o que não lhes permitiu verem outro caminhão, avariado, parado
na estrada, sem quaisquer luzes acesas. Não tiveram tempo de frear e... o pior
aconteceu. Nessa noite perdemos, todos, dois ótimos colegas e amigos.

Pela vida fora o Duarte continuou com as suas
maluquices. Já velho, finanças saudáveis, num jantar de cerimónia, que
um banco ofereceu aos seus investidores, ele ficou ao lado de um outro senhor
que ele jamais vira, o que não o inibiu de lhe perguntar: A sua fortuna foi feita com contrabando de cocaína?  Um gelo na mesa entre todos os convidados,
mas o interrogado, magnífico espírito desportivo, dessa vez ganhou: Não! Essas miudezas eu deixo para o meu
motorista! E continuaram a conversa, mas sempre com piadas pelo meio.

Já nos deixou o Duarte
Mayer de Carvalho.

 

Duarte, comigo

 Xico Dias, Duarte,
Estevão, eu

§          §          §          §

Histórias boas, desse tempo, algumas com mais de
setenta anos passados em cima, mas sempre recordadas com muita saudade. Só se é
jovem uma vez, e amizades desse tempo, permanecem arreigadas nos nossos
corações.

Um desses colegas, com quem me dava muito, esteve
muito anos ausente, sem eu saber por onde andava. Alentejano de Moura, afinal
casara e vivia em Lisboa. Depois de mais de um quarto de século, numa das
minhas idas à terrinha, consegui
desencantar uns quantos e juntámo-nos num memorável almoço. Alguns tiveram
dificuldade para se reconhecerem, e até eu, que tinha falado com eles para os
convocar para o encontro. Não passam trinta anos em cima de alguém sem o
começar a mudar!

Um deles, que sempre fora sobre o magro, estava que
parecia um esqueleto, mas de boa saúde, assim que nos abraçámos, começou logo
por me dizer que tinha sido muito melhor
do que eu em hidráulica!  Nessa
altura eu já não fazia ideia do que tinham sido essas notas, mas ele explicou:

Estávamos
na prova final do ano, e do curso. Eu não sabia nada de hidráulica, tu estavas
na carteira à minha frente, e pedi que me passasses as respostas. Tu eras bom
nisso. Acabaste, passaste tudo para uma cábula (cola, no Brasil) e eu consegui ainda copiar tudo e acabar a
tempo. Quando vieram os resultados, tu eras quem tinha sempre a melhor nota,
mas dessa vez o professor, o tão saudoso engenheiro Sardinha de Oliveira,
deu-me um ponto a mais do que a ti!

Já não me lembrava disso, mas muito nos rimos. Depois,
mesmo em tempos espaçados, fomo-nos encontrando mais umas vezes e ele sempre me
vinha dizendo: Eu era melhor do que tu em
hidráulica! Era a nossa brincadeira, mesmo que tivéssemos já bem mais de meio
século nas costas.

Fomo colegas, do mesmo curso, e andámos também em lides
tauromáquicas!

Todos os anos, ao findar o ano letivo, organizavam-se
uma série de garraiadas, e muitos de nós se ofereciam para “toureiros”.
Fazíamos uma espécie de apresentação, nalguma herdade, que sempre havia quem
nos recebesse, e até nos emprestasse as “feras”, para mostrar a nossa
“valentia”, e depois corríamos algumas cidades.

Évora, é evidente, Extremoz, Montemor e já nem sei mais
onde, e lá iam os valerosos matadores. O
produto da venda dos bilhetes revertia sempre para as Misericórdias locais. No
fim das corridas as gentis meninas da
terra vinham oferecer-nos um ramo de flores, com uma bela fitinha de gorgorão,
que leva escrito com tinta dourada ou prateada (que beleza!) o local, data e
nome da “madrinha”. À noite havia
baile em nossa honra!

Acabámos o curso e logo fizemos o serviço militar, no
mesmo Regimento de Cavalaria durante um tempo. Depois disso... levou um sumiço
que durou anos.

O Zé Ravasco
foi algumas vezes parceiro nessas andanças taurinas.

Eu, António Cordovil, Alberto Fonseca e Zé Ravasco

Évora, 8/Junho/1948

§          §          §          §

Para falar deste outro colega, e para o compreendermos
melhor, é necessário contar um pouco da história do pai dele. Irrequieto, casou
com uma senhora espanhola, tiveram este filho e depois sumiu de casa! A mãe
voltou para Espanha e ele criado por um tio, que foi o autêntico pai.

Pois o pai, um aventureiro foi para a Legião
Estrangeira, no Norte de África. Quando de lá saiu vagou um pouco pela Europa
e, na Alemanha, macho como era foi
visitar um campo de nudismo. Peladão, sem experiência, meio envergonhado,
carregava uma toalha com que procurava tapar o principal! Logo veio um desnudo teuto que, à boa moda germânica lhe
perguntou: Tem alguma coisa a esconder? –
Não. - Aqui ou se anda completamente nu ou vai embora. Ele foi embora, envergonhado.

Passavam-se anos que não dava notícias e as que
chegavam eram esparsas.

Um belo dia mandou ao filho uma fotografia. Estava em
Hollywood! À beira duma piscina, sentadão numa cadeira, copo de whisky na mão,
rodeado de beldades. Nas costas da fotografia mandou então as “notícias”: Como vês estou bem!... E foi tudo!!!
Soube um tempo depois que tinha falecido.

Claro que herdou algo do pai: a boa disposição e,
talvez da mãe, uma tremenda força de trabalho.

Quando acabou o curso o tio arranjou-lhe trabalho
em Moçambique, onde foi tomar conta de uma grande área onde o governo estava a
desenvolver importantes projetos de agricultura junto da população local.

Perto da casa onde morava passava um rio, rico de
peixe e de jacarés. Tinha sempre peixe fresco, matou muito jacaré e vendia as
peles a um comerciante.

Chegou o 25/quatro, regressou a Portugal e trazia um
razoável dinheirinho no bolso do negócio, a maior parte dele devido aos “Crocodylus Cataphractus”.

Meteu-se a produtor de tomate, umas quantas estufas lá
para as bandas de Sintra. Ótima qualidade, bons conhecimentos nos
supermercados.

Quando fui tentar voltar para Portugal (já fui muito
tarde!) encontrámo-nos, falámos sobre nossas frágeis situações financeiras e
decidimos entrar num novo negócio: produtos hortícolas, frescos, preparados e
embalados em “atmosfera modificada”. Novidade em Portugal.

Montámos a sociedade, projetos, apoio dos Serviços de
Agricultura, alugar armazém, obras, ida a Alemanha comprar equipamento, até que
finalmente lançámos uns quantos produtos com uma marca muito bem criada pelo designer Francisco Amorim (o filho):
“HORTA FRESCA”.

O sócio, ficou com a responsabilidade da venda e
eu com a produção e escritório. Trabalhámos ambos que nem condenados. Esgotámos
as possibilidades do mercado que não supria o suficiente para que o
investimento se pagasse, bem como as despesas de pessoal, distribuição, etc.

Deu um trabalho imenso, as madamas portugas não compravam
porque preferiam descascar batatas em casa, e, imaginem, nos supermercados as
principais clientes eram estrangeiras!!!

Hoje é um sucesso em todo o lado. Nós, os
pioneiros, 1992, fomos forçados a fechar. O dinheiro acabou e não havia como
fazer mais sacrifícios

O meu querido amigo e sócio apareceu doente. Muito,
mas não parava um segundo. Parecia que a doença lhe dava forças. Não durou
muito mais.

Grande lutador Joaquim Muñoz dos Santos Cruz.

Quando nos reencontrámos. Magoito – Sintra -1989

§              §              §              §

“Naquele tempo”... estudante, tive alguns colegas,
companheiros, com quem criei uma especial relação de amizade e de farra, que se
chamavam, e chamavam, Alberto.

Um deles, que está na foto atrás, fazendeiro de arroz
no Ribatejo, o outro, lá do Norte, de Armamar. Com dezenove anos, depois de
assistir ao desbaratar de todos os muitos e ricos bens da família, pelo pai e
tio, jogadores inveterados, não lhe foi difícil ver que não havia mais dinheiro
para continuar os seus estudos e, sem terminar os estudos, imigrou para o
Brasil. Aqui fez a sua vida, prosperou profissionalmente, teve várias mulheres
de papel passado e boa variedade de outras acidentais, mas nunca enriqueceu a
trabalhar para “outrem”, para patrões, apesar de ter chegado depressa a gerente
geral e mesmo a diretor de empresas de grande porte. Ganhou experiência, o que
é evidente, e sempre foi um senhor, porque o berço o marcou!

Estivémos quarenta anos sem saber um do outro. Sem nos
vermos! Pouco mais do que desconfiávamos que o “outro” estaria vivo! O
reencontro foi uma festa! Falámos de filhos, netos, colegas “perdidos” e outros
já idos. A partir de 1995 passámos a viver na mesma cidade, Rio de Janeiro, entrados
em bons anos, encontrávamo-nos regularmente, falando sobre os tempos da
juventude e sobre filosofias diversas quando nada mais há para dizer, e essa
amizade, de tantos anos, por estranho que pareça se ia fortalecendo cada vez
mais! Conversas sempre acompanhadas com um bom copo de vinho!

O meu maior amigo no Rio de Janeiro, assíduo a tudo
quanto fosse celebração nesta casa, apadrinhou a nossa neta, aparecia
regularmente para almoçar.

Os quarenta anos sem nos vermos sumiu da nossa
memória, mas foi uma perca grande!

A idade foi deixando marcas e as mazelas apareciam.
Consultava médicos e mais médicos e depois vinha perguntar-me se eu concordava
com a medicação que lhe davam!

Por fim emagreceu muito, fiquei extremamente
preocupado. Enfisema pulmonar. Conte-lhe que a minha irmã mais velha, há mais
de 10 anos que não vive sem oxigénio, e ainda por lá está (em Portugal) para
“as curvas”! A médica disse que o oxigénio não era indicado.

Lutei muito para que mudasse de médica. Em vão.

Perdi o meu maior e único amigo da mocidade, que vivia perto de nós,no Rio. Para mim
esvaziou o Rio de Janeiro.

Passou um fim de vida triste, sofrido, um homem
simples, educado, grande parceiro e muito amigo, o Alberto Borges da Silveira.

Com a afilhada

5 out. 18

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