Marcelo soma argumentos para a recandidatura

14-09-2019
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Os assessores de Marcelo Rebelo de Sousa nunca lhe ouviram uma palavra clara sobre se tenciona ou não recandidatar-se a Presidente da República mas, depois da reunião que com ele tiveram em Belém antes das eleições europeias, os que ainda tinham dúvidas deixaram de as ter. A forma como Marcelo antecipa o futuro próximo da política portuguesa exige um Chefe de Estado de centro-direita com canal aberto e pesada legitimidade junto do povo. O facto de ter sido o próprio, já com os resultados das europeias nas mãos, a decidir dizê-lo em voz alta, embora em inglês, foi apenas a confirmação de que Marcelo vai somando argumentário para a sua recandidatura. As palavras do Presidente na sexta-feira, numa conferência na Fundação Luso Americana que não estava na sua agenda oficial mas para que foram avisadas a Lusa e duas televisões, foram claras como água. O que disse o Presidente?

Primeiro: que nem precisa de esperar pelos resultados das legislativas para antever que PSD e CDS arriscam uma longa travessia do deserto - "Eu diria que há uma forte possibilidade de haver uma crise na direita portuguesa nos próximos anos".

Segundo: que o PS depois de ter ganho as europeias tenderá a crescer mais - "o PS fortaleceu a sua posição e quem sabe se isso acontecerá de forma ainda mais profunda nas próximas eleições legislativas".

Terceiro: que não é provável (aos olhos do analista Marcelo) os socialistas chegarem à maioria absoluta - o PS passará a ter "diferentes possibilidades" para formar maioria, além do PCP e do BE, "porque outros partidos estão a crescer".

Quarto (e o último é o primeiro): com a esquerda no poder e a direita em crise de longo prazo, o país precisa dum Chefe de Estado de centro direita - "isto explica (...) porque é que o Presidente é importante para equilibrar os poderes".

Nota de rodapé: tudo isto pesará na sua decisão sobre a recandidatura - "só decidirei para o ano, no fundo tem muito que ver com o papel do PR no quadro do equilíbrio de poderes que existe e que existirá nos futuros anos". Marcelo não disfarçou que se estava a pôr na fotografia. Pelo contrário, lembrou que ele próprio é um Presidente que "veio da direita" e "com um Governo forte de centro-esquerda e uma oposição de direita fraca, cabe ao PR "sentir que é preciso ter um equilíbrio no sistema político". À saída da conferência (e já a falar português), Marcelo Rebelo de Sousa ainda ensaiou um recuo na mensagem, afirmando que "as legislativas serão apenas em outubro e é prematuro falar da evolução do sistema partidário português e também do papel do Presidente". Mas a mensagem que o PR levava no bolso já tinha passado: crise profunda e duradoura à direita, urgência de um Presidente que ajude a equilibrar o sistema.

TIAGO PETINGA/Lusa

"O funeral antes da morte" "Isto é inacreditável. É fazer o funeral antes da morte", ouviu o Expresso a um senador do PSD, inconformado com o facto de o Presidente da República vir anunciar, a quatro meses das legislativas, que PSD e CDS vão ficar pior do que estão, sem deixar sequer grande espaço de manobra aos que já se perfilam para a sucessão de Rui Rio. Ao antecipar uma crise à direita "nos próximos anos", Marcelo Rebelo de Sousa não mostra ter grande esperança no que seguirá à eventual saída de cena do atual líder do PSD caso o partido sofra uma pesada derrota em outubro. E o mesmo vale para o CDS. Rui Rio preferiu chutar para canto: "Não concordo com o senhor Presidente da República, cuja visão acho otimista e superficial. A crise não está só à direita, a crise está no regime como um todo. Neste momento está a esquerda no poder e portanto disfarça à esquerda, mas o problema é transversal". A visão de Marcelo é outra: Portugal ainda consegue estancar crises de regime; ele próprio está cá para ajudar; a direita é que fracassou na liderança da oposição deixando um vazio que terá que ser o PR a "equilibrar", para não dizer preencher. O que é que isto significa sobre a forma como o Presidente encara um segundo mandato caso venha a recandidatar-se é algo que levará alguma esquerda a parar para pensar. Num primeiro momento, o 'tiro' de Marcelo sobre a direita beneficia o Governo - o ministro das Finanças, Mário Centeno, já veio, aliás, rejeitar a ideia de Rui Rio de que existe em Portugal uma crise de regime porque ao Governo interessará, isso sim, passar a ideia de que a crise é à direita. Mas a ajuda que Marcelo parece estar a dar à esquerda tem um 'post scriptum'. É que se o PR encara a sua intervenção futura como uma espécie de substituto da direita que falha, isso pode prenunciar um Presidente/oposição. E se há no PS quem admita apoiar uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa (Ferro Rodrigues já o disse e António Costa já o pensou), a perspetiva dum Marcelo contra-poder pode levantar dúvidas à ala esquerda da família socialista. Certo é que o desânimo do Presidente com o estado da direita não é de hoje. Marcelo começou por achar um erro Rui Rio aproximar-se mais de António Costa (com quem firmou acordos mal chegou a líder do PSD) do que de Assunção Cristas. Não percebeu como foi possível a direita não explorar mais as falhas durante o roubo a Tancos ou as tragédias do verão de 2017 deixando-o a ele, Marcelo, na liderança da oposição ao Governo. Achou frouxa a estratégia da direita na contestação às cativações e suas consequências nos serviços públicos. Achou um erro Santana Lopes deixar o PSD para formar o Aliança, chegando a tentar demovê-lo. Foi puxando nos bastidores por Carlos Moedas como hipótese com futuro no seu partido de sempre. E manteve-se atento a Pedro Passos Coelho, cujo regresso foi admitindo em privado ter pernas para andar. Mas, na sua última análise, Marcelo Rebelo de Sousa foi claro e pessimista: a reorganização da direita não é para já e nos tempos mais próximos o quadro é negro. Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado e um dos mais próximos confidentes de Marcelo, aproveitou este domingo o comentário na SIC para dourar a mensagem do Presidente da República, que resumiu numa frase: "O país gosta deste Bloco Central informal". Mendes referia-se à dupla Marcelo/António Costa, dando de barato que é com ela que os portugueses vão continuar a conviver e admitindo mesmo que não está afastada a possibilidade de Costa conseguir uma maioria absoluta em outubro. Marcelo Rebelo de Sousa, sabe o Expresso, acha improvável que o PS lá chegue e as suas palavras na FLAD foram nesse sentido, quando falou da diversidade de opções que um futuro Governo socialista passará a ter no Parlamento com a provável presença de novos deputados de novos partidos. No dia a seguir às europeias, Marcelo já tinha puxado pelas novidades do nosso xadrez partidário quando, numa conferência na Universidade Nova, se congratulou por "dois terços dos portugueses serem pró-europeus". Perguntado sobre a quem se estava a referir, o Presidente explicou que falava de partidos como "o PS, o PSD, o CDS, o Aliança e o Iniciativa Liberal, pelo menos". Ou seja, ignorou o PCP e o BE e valorizou dois novos partidos de direita, um deles o de Santana Lopes, que não conseguiu eleger ninguém nas europeias mas vai às legislativas.

José Caria

Os assessores de Marcelo Rebelo de Sousa nunca lhe ouviram uma palavra clara sobre se tenciona ou não recandidatar-se a Presidente da República mas, depois da reunião que com ele tiveram em Belém antes das eleições europeias, os que ainda tinham dúvidas deixaram de as ter. A forma como Marcelo antecipa o futuro próximo da política portuguesa exige um Chefe de Estado de centro-direita com canal aberto e pesada legitimidade junto do povo. O facto de ter sido o próprio, já com os resultados das europeias nas mãos, a decidir dizê-lo em voz alta, embora em inglês, foi apenas a confirmação de que Marcelo vai somando argumentário para a sua recandidatura. As palavras do Presidente na sexta-feira, numa conferência na Fundação Luso Americana que não estava na sua agenda oficial mas para que foram avisadas a Lusa e duas televisões, foram claras como água. O que disse o Presidente?

Primeiro: que nem precisa de esperar pelos resultados das legislativas para antever que PSD e CDS arriscam uma longa travessia do deserto - "Eu diria que há uma forte possibilidade de haver uma crise na direita portuguesa nos próximos anos".

Segundo: que o PS depois de ter ganho as europeias tenderá a crescer mais - "o PS fortaleceu a sua posição e quem sabe se isso acontecerá de forma ainda mais profunda nas próximas eleições legislativas".

Terceiro: que não é provável (aos olhos do analista Marcelo) os socialistas chegarem à maioria absoluta - o PS passará a ter "diferentes possibilidades" para formar maioria, além do PCP e do BE, "porque outros partidos estão a crescer".

Quarto (e o último é o primeiro): com a esquerda no poder e a direita em crise de longo prazo, o país precisa dum Chefe de Estado de centro direita - "isto explica (...) porque é que o Presidente é importante para equilibrar os poderes".

Nota de rodapé: tudo isto pesará na sua decisão sobre a recandidatura - "só decidirei para o ano, no fundo tem muito que ver com o papel do PR no quadro do equilíbrio de poderes que existe e que existirá nos futuros anos". Marcelo não disfarçou que se estava a pôr na fotografia. Pelo contrário, lembrou que ele próprio é um Presidente que "veio da direita" e "com um Governo forte de centro-esquerda e uma oposição de direita fraca, cabe ao PR "sentir que é preciso ter um equilíbrio no sistema político". À saída da conferência (e já a falar português), Marcelo Rebelo de Sousa ainda ensaiou um recuo na mensagem, afirmando que "as legislativas serão apenas em outubro e é prematuro falar da evolução do sistema partidário português e também do papel do Presidente". Mas a mensagem que o PR levava no bolso já tinha passado: crise profunda e duradoura à direita, urgência de um Presidente que ajude a equilibrar o sistema.

TIAGO PETINGA/Lusa

"O funeral antes da morte" "Isto é inacreditável. É fazer o funeral antes da morte", ouviu o Expresso a um senador do PSD, inconformado com o facto de o Presidente da República vir anunciar, a quatro meses das legislativas, que PSD e CDS vão ficar pior do que estão, sem deixar sequer grande espaço de manobra aos que já se perfilam para a sucessão de Rui Rio. Ao antecipar uma crise à direita "nos próximos anos", Marcelo Rebelo de Sousa não mostra ter grande esperança no que seguirá à eventual saída de cena do atual líder do PSD caso o partido sofra uma pesada derrota em outubro. E o mesmo vale para o CDS. Rui Rio preferiu chutar para canto: "Não concordo com o senhor Presidente da República, cuja visão acho otimista e superficial. A crise não está só à direita, a crise está no regime como um todo. Neste momento está a esquerda no poder e portanto disfarça à esquerda, mas o problema é transversal". A visão de Marcelo é outra: Portugal ainda consegue estancar crises de regime; ele próprio está cá para ajudar; a direita é que fracassou na liderança da oposição deixando um vazio que terá que ser o PR a "equilibrar", para não dizer preencher. O que é que isto significa sobre a forma como o Presidente encara um segundo mandato caso venha a recandidatar-se é algo que levará alguma esquerda a parar para pensar. Num primeiro momento, o 'tiro' de Marcelo sobre a direita beneficia o Governo - o ministro das Finanças, Mário Centeno, já veio, aliás, rejeitar a ideia de Rui Rio de que existe em Portugal uma crise de regime porque ao Governo interessará, isso sim, passar a ideia de que a crise é à direita. Mas a ajuda que Marcelo parece estar a dar à esquerda tem um 'post scriptum'. É que se o PR encara a sua intervenção futura como uma espécie de substituto da direita que falha, isso pode prenunciar um Presidente/oposição. E se há no PS quem admita apoiar uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa (Ferro Rodrigues já o disse e António Costa já o pensou), a perspetiva dum Marcelo contra-poder pode levantar dúvidas à ala esquerda da família socialista. Certo é que o desânimo do Presidente com o estado da direita não é de hoje. Marcelo começou por achar um erro Rui Rio aproximar-se mais de António Costa (com quem firmou acordos mal chegou a líder do PSD) do que de Assunção Cristas. Não percebeu como foi possível a direita não explorar mais as falhas durante o roubo a Tancos ou as tragédias do verão de 2017 deixando-o a ele, Marcelo, na liderança da oposição ao Governo. Achou frouxa a estratégia da direita na contestação às cativações e suas consequências nos serviços públicos. Achou um erro Santana Lopes deixar o PSD para formar o Aliança, chegando a tentar demovê-lo. Foi puxando nos bastidores por Carlos Moedas como hipótese com futuro no seu partido de sempre. E manteve-se atento a Pedro Passos Coelho, cujo regresso foi admitindo em privado ter pernas para andar. Mas, na sua última análise, Marcelo Rebelo de Sousa foi claro e pessimista: a reorganização da direita não é para já e nos tempos mais próximos o quadro é negro. Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado e um dos mais próximos confidentes de Marcelo, aproveitou este domingo o comentário na SIC para dourar a mensagem do Presidente da República, que resumiu numa frase: "O país gosta deste Bloco Central informal". Mendes referia-se à dupla Marcelo/António Costa, dando de barato que é com ela que os portugueses vão continuar a conviver e admitindo mesmo que não está afastada a possibilidade de Costa conseguir uma maioria absoluta em outubro. Marcelo Rebelo de Sousa, sabe o Expresso, acha improvável que o PS lá chegue e as suas palavras na FLAD foram nesse sentido, quando falou da diversidade de opções que um futuro Governo socialista passará a ter no Parlamento com a provável presença de novos deputados de novos partidos. No dia a seguir às europeias, Marcelo já tinha puxado pelas novidades do nosso xadrez partidário quando, numa conferência na Universidade Nova, se congratulou por "dois terços dos portugueses serem pró-europeus". Perguntado sobre a quem se estava a referir, o Presidente explicou que falava de partidos como "o PS, o PSD, o CDS, o Aliança e o Iniciativa Liberal, pelo menos". Ou seja, ignorou o PCP e o BE e valorizou dois novos partidos de direita, um deles o de Santana Lopes, que não conseguiu eleger ninguém nas europeias mas vai às legislativas.

José Caria

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