FÁBIO MONTEIRO : CABELUDINHO por MANOEL DE BARROS

28-11-2019
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Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele
foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição
deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está
fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regência verbais. Ela falava de sério. Mas
todo-mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um
chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de
amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou:
Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disilimei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um
perfume de poesia a nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do
que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não
pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que
pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena,
não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir,
ampliava a solidão do vaqueiro. 

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele
foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição
deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está
fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regência verbais. Ela falava de sério. Mas
todo-mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um
chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de
amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou:
Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disilimei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um
perfume de poesia a nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do
que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não
pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que
pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena,
não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir,
ampliava a solidão do vaqueiro. 

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