Da democracia

08-03-2020
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“Os defeitos
e as fraquezas de um governo democrático descobrem-se sem dificuldade através
de factos evidentes, ao passo que a sua influência salutar se exerce
insensivelmente (...)”

Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. 1835.

Alexis de Tocqueville foi um
aristocrata francês defensor da democracia e, possivelmente, o social-democrata
avant la lettre. Foi para os EUA em
1831 para estudar o sistema prisional e deixou-se seduzir pela democracia
americana. O seu livro Da Democracia na América é ainda hoje, passados 200
anos, uma reflexão importante sobre os defeitos e as virtudes da democracia. A
sua cultura, a sua sensibilidade e elegância tornou as suas ideias quase
impermeáveis ao tempo e às circunstâncias pelo qual esse tempo ganha significado.

Mais um 25 de abril e a data
começa a perder força. E mal. Não são os cravos que fazem a data mas a
democracia. Essa sim, tem um significado palpável, concreto, estimável.

O engenho humano, o
sacrifício e o exemplo de muita gente permitiu consolidar no século XX uma
ideia para o governo e funcionamento das sociedades: a democracia. Com ela
morreu a ideia de que deveríamos ser governados por uma família que passava de
pai para filho o poder. Com ela combateu-se a ideia do totalitarismo, dos vencedores
que pela força guerreira alcançavam o poder e pela mesma força o mantinham, das
ideias de sociedade que como os eucaliptos tudo secam à volta e as coisas eram
assim porque tinham de ser assim, das corporações que se instrumentalizavam
para legitimar quem não tinha a legitimidade conferida pelo povo.

Sem romantismos tolos nem
azedumes saudosistas temos que olhar para nós e para o que o 25 de abril
realmente nos trouxe: o direito a votar, o direito a escolher, o direito de nos
acharmos em condições – também nós – de concorrer aos cargos políticos, mas,
fundamentalmente, o dever de participar e de não desbaratar os direitos anteriormente
referidos. De não os menosprezar.

O princípio democrático de um homem, um voto é absolutamente
extraordinário. Arrasa a noção aristocrática de que há quem seja capaz de
governar e quem, não o sendo, deve servir e obedecer. Arrasa a noção interesseira
do inevitável. Dá-nos a possibilidade de nos exprimirmos através de um voto. De
louvarmos ou protestarmos pelo governo do nosso país, da nossa cidade, da nossa
freguesia.

Dá-nos inclusivamente a
possibilidade de escolhas exóticas como para mim é o PAN. Para outros não.

Um homem, um voto, foi
limando, com o tempo, as suas arestas mais contraditórias. Primeiro as mulheres
com a difícil luta das sufragistas, depois as minorias como os negros
americanos que só conseguiram o direito a voto em 1965. Um direito a voto
arrancado a ferros pela mão de um presidente subvalorizado  – Lyndon B. Johnson – e de certa forma
amaldiçoado pelo assassinato de John F. Kennedy, do qual foi vice-presidente.
Um direito a voto vigilante para que a chama do direito não se extinguisse. A
democracia implica o voto, mas o voto não faz a democracia. Em Portugal também chegou
a haver eleições antes do 25 de abril, mas sem liberdade nem imprensa livre não
há eleições democráticas.

Fico satisfeito ao saber de propostas
para o governo do município a que pertenço. Concordando ou discordando delas.
Essa é a essência da democracia. A diferença de ideias, a possibilidade de
alternância democrática, a virtude de se discutir em liberdade e sem
preconceito os caminhos que cada um propõe.

O André Coelho Lima tem
estado particularmente ativo no lançamento de ideias. A última proposta tem a
ver com a mobilidade num concelho complexo como o nosso. A ideia de melhorar as
ligações rodoviárias e a de criar novas alternativas aos eixos que ligam a
cidade às vilas são muito importantes dada a complexidade do nosso concelho e a
necessidade de nos fortalecermos como um todo que somos. Isso continua, para
mim, a ser prioritário, pois a distância física à cidade tende a tornar-se uma
distância psicológica e isso necessita, com urgência, de ser combatido.

Quanto ao Toural a coisa é
mais arriscada e merece maior reflexão e discussão, particularmente em
conservadores como eu. No entanto a ideia surge – suponho eu – da necessidade
de fixar e reforçar as condições dos moradores e o comércio no centro histórico
e zonas tampão. Tanto uma ideia como a outra partem do pressuposto de que o carro
ganhou. E essa é uma derrota que apesar de custosa é necessário encarar de
frente.

Publicado in O Comércio de Guimarães (26.04.17)

“Os defeitos
e as fraquezas de um governo democrático descobrem-se sem dificuldade através
de factos evidentes, ao passo que a sua influência salutar se exerce
insensivelmente (...)”

Alexis de Tocqueville. Da Democracia na América. 1835.

Alexis de Tocqueville foi um
aristocrata francês defensor da democracia e, possivelmente, o social-democrata
avant la lettre. Foi para os EUA em
1831 para estudar o sistema prisional e deixou-se seduzir pela democracia
americana. O seu livro Da Democracia na América é ainda hoje, passados 200
anos, uma reflexão importante sobre os defeitos e as virtudes da democracia. A
sua cultura, a sua sensibilidade e elegância tornou as suas ideias quase
impermeáveis ao tempo e às circunstâncias pelo qual esse tempo ganha significado.

Mais um 25 de abril e a data
começa a perder força. E mal. Não são os cravos que fazem a data mas a
democracia. Essa sim, tem um significado palpável, concreto, estimável.

O engenho humano, o
sacrifício e o exemplo de muita gente permitiu consolidar no século XX uma
ideia para o governo e funcionamento das sociedades: a democracia. Com ela
morreu a ideia de que deveríamos ser governados por uma família que passava de
pai para filho o poder. Com ela combateu-se a ideia do totalitarismo, dos vencedores
que pela força guerreira alcançavam o poder e pela mesma força o mantinham, das
ideias de sociedade que como os eucaliptos tudo secam à volta e as coisas eram
assim porque tinham de ser assim, das corporações que se instrumentalizavam
para legitimar quem não tinha a legitimidade conferida pelo povo.

Sem romantismos tolos nem
azedumes saudosistas temos que olhar para nós e para o que o 25 de abril
realmente nos trouxe: o direito a votar, o direito a escolher, o direito de nos
acharmos em condições – também nós – de concorrer aos cargos políticos, mas,
fundamentalmente, o dever de participar e de não desbaratar os direitos anteriormente
referidos. De não os menosprezar.

O princípio democrático de um homem, um voto é absolutamente
extraordinário. Arrasa a noção aristocrática de que há quem seja capaz de
governar e quem, não o sendo, deve servir e obedecer. Arrasa a noção interesseira
do inevitável. Dá-nos a possibilidade de nos exprimirmos através de um voto. De
louvarmos ou protestarmos pelo governo do nosso país, da nossa cidade, da nossa
freguesia.

Dá-nos inclusivamente a
possibilidade de escolhas exóticas como para mim é o PAN. Para outros não.

Um homem, um voto, foi
limando, com o tempo, as suas arestas mais contraditórias. Primeiro as mulheres
com a difícil luta das sufragistas, depois as minorias como os negros
americanos que só conseguiram o direito a voto em 1965. Um direito a voto
arrancado a ferros pela mão de um presidente subvalorizado  – Lyndon B. Johnson – e de certa forma
amaldiçoado pelo assassinato de John F. Kennedy, do qual foi vice-presidente.
Um direito a voto vigilante para que a chama do direito não se extinguisse. A
democracia implica o voto, mas o voto não faz a democracia. Em Portugal também chegou
a haver eleições antes do 25 de abril, mas sem liberdade nem imprensa livre não
há eleições democráticas.

Fico satisfeito ao saber de propostas
para o governo do município a que pertenço. Concordando ou discordando delas.
Essa é a essência da democracia. A diferença de ideias, a possibilidade de
alternância democrática, a virtude de se discutir em liberdade e sem
preconceito os caminhos que cada um propõe.

O André Coelho Lima tem
estado particularmente ativo no lançamento de ideias. A última proposta tem a
ver com a mobilidade num concelho complexo como o nosso. A ideia de melhorar as
ligações rodoviárias e a de criar novas alternativas aos eixos que ligam a
cidade às vilas são muito importantes dada a complexidade do nosso concelho e a
necessidade de nos fortalecermos como um todo que somos. Isso continua, para
mim, a ser prioritário, pois a distância física à cidade tende a tornar-se uma
distância psicológica e isso necessita, com urgência, de ser combatido.

Quanto ao Toural a coisa é
mais arriscada e merece maior reflexão e discussão, particularmente em
conservadores como eu. No entanto a ideia surge – suponho eu – da necessidade
de fixar e reforçar as condições dos moradores e o comércio no centro histórico
e zonas tampão. Tanto uma ideia como a outra partem do pressuposto de que o carro
ganhou. E essa é uma derrota que apesar de custosa é necessário encarar de
frente.

Publicado in O Comércio de Guimarães (26.04.17)

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