“A nossa missão não é ressuscitar mortos, mas fazer com que aqueles que estão vivos não morram”

01-01-2021
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Luís Castro e Almeida apresentou uma visão bastante geral e realista daquilo que acredita que serão as dificuldades do País no pós-pandemia, sem grandes laivos de otimismo mas com a certeza de que há soluções que podem voltar a colocar a economia numa trajetória ascendente. Para o gestor, há algumas coisas que têm de ficar claras para que tal aconteça. Uma delas é a necessidade de “alterar as regras do jogo temporariamente”, com os vários atores económicos a remar na mesma direção.

No primeiro painel desta quinta-feira, 26 de novembro, da ‘Portugal em EXAME’, o CEO do BBVA Portugal – patrocinador desta iniciativa da revista EXAME e que tem a Deloitte como knowledge partner – congratulou-se pela resposta do seu banco às necessidades imediatas dos clientes, revelando que começou a aplicar moratórias e a conceder linhas de apoio ao funcionamento ainda antes de a Associação Portuguesa de Bancos ter publicado as suas diretivas, usando como guia o documento da Autoridade Bancária Europeia (EBA) para garantir que as medidas que tomavam não eram consideradas reestruturações. Uma rapidez que se torna ainda mais crítica num país onde cerca de 22% da carteira de crédito dos bancos está em moratórias, o que compara com a média europeia de 8%, recorda o gestor.

“A nossa missão em Portugal é apoiar os nossos clientes e fazê-los crescer. Até esta crise isto era uma frase”, admite com um sorriso. “O que fizemos agora foi pô-la em prática. E não há maior compromisso por parte de um banco que colocar o seu balanço em risco para apoiar os seus clientes”.

Não há maior compromisso por parte de um banco que colocar o seu balanço em risco para apoiar os seus clientes

Assumindo que as moratórias e o acesso às linhas de apoio por parte das empresas e particulares é ainda terreno muito volátil, numa altura em que a incerteza impera, Castro e Almeida salienta que a concessão de crédito novo está praticamente parada, com as empresas que estão financeiramente saudáveis a adiar investimentos, e as outras ainda a tentar sobreviver.

Sublinhando que “a fotografia do BBVA não é a do País”, uma vez que o banco está fora de alguns segmentos que são preponderantes na sociedade portuguesa, o responsável alerta para o facto de que “vamos enfrentar anos muito difíceis mesmo depois de a vacina chegar. Vamos continuar a ter anos difíceis para resolver tudo isto que foi feito, quer sejam as moratórias, quer sejam linhas de crédito de apoio a particulares e empresas. Temos de mudar o modus operandi do que foram as outras crises financeiras anteriores, e tem que haver um trabalho de equipa entre bancos, reguladores e governos porque as coisas têm que ser feitas de forma diferente”, pede.

Vamos enfrentar anos muito difíceis mesmo depois de a vacina chegar. Vamos continuar a ter anos difíceis para resolver tudo isto que foi feito, quer sejam as moratórias, quer sejam linhas de crédito de apoio a particulares e empresas

“No passado, numa situação de dificuldades em que era preciso apoiar uma empresa, os bancos tratavam da restruturação dos seus créditos, e caso a empresa tivesse problemas com a Segurança Social e o Fisco, esses eram tratados em separado por essas entidades […] Mas no decorrer desta crise, há empresas que vão passar a ter dívidas à Segurança Social e ao Fisco e isso vai ter de ser reestruturado. Porque não faz sentido ter uma entidade a reestruturar o crédito e outras a fazer nada”, salienta.

Na mesma ocasião, aproveitou para pedir que sejam chamados os especialistas para resolver os assuntos em que são melhores, falando especificamente de os bancos, que “são os experts nisso”, colaborarem na questão do tratamento de créditos e moratórias.

“O ministro da Economia anunciou que uma das medidas podia ser transformar créditos em capital nas empresas, mas nisso tem de entrar o regulador”, avisou ainda. “Porque um banco ter capital numa empresa industrial penaliza-o em relação à ponderação de um crédito”, o que depois tem impacto nas suas avaliações junto das entidades supervisoras.

Nós todos, todos, ficámos mais pobres com esta crise. Bancos, empresas ou governos. Portanto, se queremos recuperar parte dessa riqueza que foi perdida, não o vamos conseguir sem que esta fatura seja paga por todos Luis Castro e almeida

No entanto, continua a defender que todos os agentes da economia se envolvam na procura por soluções para o que estamos a viver, porque, sublinha repetidamente, “nós todos, todos, ficámos mais pobres com esta crise. Bancos, empresas ou governos. Portanto, se queremos recuperar parte dessa riqueza que foi perdida, não o vamos conseguir sem que esta fatura seja paga por todos. Pelos acionistas das empresas, por nós como contribuintes, pelos acionistas dos bancos… todos vamos sofrer com a recuperação disto porque todos vamos ter de ajudar”, nota.

Cuidar dos vivos

No campo das empresas, Castro e Almeida alerta para o facto de que muitas delas já terem um atestado de óbito praticamente passado “porque o que lhes aconteceu foi de tal forma tremendo que vai ser difícil conseguirem levantar-se. E a nossa missão não é ressuscitar mortos, mas fazer que aqueles que estão vivos não morram”, defende. “Temos de criar soluções fora do tradicional. Porque hoje temos empresas muito bem geridas, com modelos de negócio bem estruturados e que se viram obrigadas por decreto e razões de saúde a fechar. Outras em que o seu negócio pós-Covid vai ser distinto. Por exemplo, uma cadeia grande de lojas de certeza que ao longo da Covid, tomou a decisão de ter menos espaços físicos. Isso significa menos faturação, menos resultados operacionais, e nós entretanto continuámos a colocar dinheiro nessas empresas. Essa dívida vai ter de ser tratada de forma diferente. Se calhar tem de haver perdão de dívidas. E o Estado também vai ter de tomar decisões deste género na Segurança Social e no Fisco”, salienta.

Castro e Almeida lembra que a retoma económica vai ser muito mais lenta do que inicialmente se pensava, e admite que demoraremos muitos anos a retomar os níveis de 2019. Além de que, nota o gestor, “ainda não temos a certeza nem consciência das alterações comportamentais que isto trouxe às pessoas”. E sem esse fator, torna-se difícil traçar cenários. Agora, reitera, “o que é importante é que as decisões que temos de tomar ao longo destes anos considerem que tudo isto tem de se pagar. Se tivermos isso em consideração, as decisões de gestão que teremos de tomar vão ser melhores”, acredita.

Ainda não temos a certeza nem consciência das alterações comportamentais que isto [Covid-19] trouxe às pessoas

Reduzir desigualdades e apostar na sustentabilidade

Outra das preocupações do CEO do BBVA Portugal é o facto de o dinheiro que vai chegar da União Europeia, a chamada ‘bazuca’ que aguarda aprovação em Bruxelas, seja aplicado nas coisas intangíveis que geram riqueza no futuro, numa altura em que a pandemia pôs a descoberto um País muito mais desigual do que aquele que acreditamos ter.

“Ficámos todos mais pobres, mas ficámos mais desiguais e essas desigualdades têm de ser colmatadas”, urge o responsável. “E parte do dinheiro que vem dessa bazuca tem de ir para essas desigualdades. Uma delas que foi evidente foi no campo da educação – os que conseguiram manter o ensino a distância e os que não tinham capacidade de o fazer, por exemplo. Isso não pode acontecer. Ter uma geração com falhas na educação significa que a futuro teremos pessoas no mercado de trabalho que, por não terem tido uma educação adequada, não vão gerar riqueza para o País. Isso é critico”.

Na mesma ocasião aproveitou para recordar o que tem acontecido na administração pública e nas escolas, onde muitas infraestruturas existem e a digitalização está garantida há vários anos, mas onde os recursos humanos nem sempre estão capacitados para fazer uso delas.

“Fala-se muito da digitalização do Estado. Quando comparamos com outros países, de facto está muito mais avançada em Portugal do que em outros países, mas saímos mal nas estatísticas, porque os investimentos foram mal feitos, mas porque há um problema de formação das pessoas em Portugal. É como investir muito a melhorar um carro e depois a pessoa não o saber conduzir!”, resume.

Parte do dinheiro que vem dessa ‘bazuca’ [europeia] tem de ir para essas desigualdades. Uma delas que foi evidente foi no campo da educação

E pediu também que fosse feita uma aposta mais musculada em investigação, sob pena de Portugal “perder mais uma vez o barco em relação ao resto da Europa”.

Luis Castro e Almeida apontou ainda a sustentabilidade como o único caminho possível para a sobrevivência das empresas no médio e longo prazos, lembrando que até por questões puramente financeiras, o mercado já está a penalizar as organizações que não consideram na sua gestão fatores ambientais. Isso é facilmente verificável no mercado de capitais, onde as empresas que ainda não consideram este tema como fundamental estão a ser penalizadas na procura pelos seus títulos, exemplificou. No fundo, atira em jeito de conclusão, quem achava que a sustentabilidade era apenas uma moda, tem de se apressar a mudar de ideias e a abraçá-la como uma causa que veio mesmo para ficar. Mais uma regra do jogo que está a fazer adivinhar, no pós-pandemia, um mundo muito diferente daquele que conhecíamos em 2019.

Luís Castro e Almeida apresentou uma visão bastante geral e realista daquilo que acredita que serão as dificuldades do País no pós-pandemia, sem grandes laivos de otimismo mas com a certeza de que há soluções que podem voltar a colocar a economia numa trajetória ascendente. Para o gestor, há algumas coisas que têm de ficar claras para que tal aconteça. Uma delas é a necessidade de “alterar as regras do jogo temporariamente”, com os vários atores económicos a remar na mesma direção.

No primeiro painel desta quinta-feira, 26 de novembro, da ‘Portugal em EXAME’, o CEO do BBVA Portugal – patrocinador desta iniciativa da revista EXAME e que tem a Deloitte como knowledge partner – congratulou-se pela resposta do seu banco às necessidades imediatas dos clientes, revelando que começou a aplicar moratórias e a conceder linhas de apoio ao funcionamento ainda antes de a Associação Portuguesa de Bancos ter publicado as suas diretivas, usando como guia o documento da Autoridade Bancária Europeia (EBA) para garantir que as medidas que tomavam não eram consideradas reestruturações. Uma rapidez que se torna ainda mais crítica num país onde cerca de 22% da carteira de crédito dos bancos está em moratórias, o que compara com a média europeia de 8%, recorda o gestor.

“A nossa missão em Portugal é apoiar os nossos clientes e fazê-los crescer. Até esta crise isto era uma frase”, admite com um sorriso. “O que fizemos agora foi pô-la em prática. E não há maior compromisso por parte de um banco que colocar o seu balanço em risco para apoiar os seus clientes”.

Não há maior compromisso por parte de um banco que colocar o seu balanço em risco para apoiar os seus clientes

Assumindo que as moratórias e o acesso às linhas de apoio por parte das empresas e particulares é ainda terreno muito volátil, numa altura em que a incerteza impera, Castro e Almeida salienta que a concessão de crédito novo está praticamente parada, com as empresas que estão financeiramente saudáveis a adiar investimentos, e as outras ainda a tentar sobreviver.

Sublinhando que “a fotografia do BBVA não é a do País”, uma vez que o banco está fora de alguns segmentos que são preponderantes na sociedade portuguesa, o responsável alerta para o facto de que “vamos enfrentar anos muito difíceis mesmo depois de a vacina chegar. Vamos continuar a ter anos difíceis para resolver tudo isto que foi feito, quer sejam as moratórias, quer sejam linhas de crédito de apoio a particulares e empresas. Temos de mudar o modus operandi do que foram as outras crises financeiras anteriores, e tem que haver um trabalho de equipa entre bancos, reguladores e governos porque as coisas têm que ser feitas de forma diferente”, pede.

Vamos enfrentar anos muito difíceis mesmo depois de a vacina chegar. Vamos continuar a ter anos difíceis para resolver tudo isto que foi feito, quer sejam as moratórias, quer sejam linhas de crédito de apoio a particulares e empresas

“No passado, numa situação de dificuldades em que era preciso apoiar uma empresa, os bancos tratavam da restruturação dos seus créditos, e caso a empresa tivesse problemas com a Segurança Social e o Fisco, esses eram tratados em separado por essas entidades […] Mas no decorrer desta crise, há empresas que vão passar a ter dívidas à Segurança Social e ao Fisco e isso vai ter de ser reestruturado. Porque não faz sentido ter uma entidade a reestruturar o crédito e outras a fazer nada”, salienta.

Na mesma ocasião, aproveitou para pedir que sejam chamados os especialistas para resolver os assuntos em que são melhores, falando especificamente de os bancos, que “são os experts nisso”, colaborarem na questão do tratamento de créditos e moratórias.

“O ministro da Economia anunciou que uma das medidas podia ser transformar créditos em capital nas empresas, mas nisso tem de entrar o regulador”, avisou ainda. “Porque um banco ter capital numa empresa industrial penaliza-o em relação à ponderação de um crédito”, o que depois tem impacto nas suas avaliações junto das entidades supervisoras.

Nós todos, todos, ficámos mais pobres com esta crise. Bancos, empresas ou governos. Portanto, se queremos recuperar parte dessa riqueza que foi perdida, não o vamos conseguir sem que esta fatura seja paga por todos Luis Castro e almeida

No entanto, continua a defender que todos os agentes da economia se envolvam na procura por soluções para o que estamos a viver, porque, sublinha repetidamente, “nós todos, todos, ficámos mais pobres com esta crise. Bancos, empresas ou governos. Portanto, se queremos recuperar parte dessa riqueza que foi perdida, não o vamos conseguir sem que esta fatura seja paga por todos. Pelos acionistas das empresas, por nós como contribuintes, pelos acionistas dos bancos… todos vamos sofrer com a recuperação disto porque todos vamos ter de ajudar”, nota.

Cuidar dos vivos

No campo das empresas, Castro e Almeida alerta para o facto de que muitas delas já terem um atestado de óbito praticamente passado “porque o que lhes aconteceu foi de tal forma tremendo que vai ser difícil conseguirem levantar-se. E a nossa missão não é ressuscitar mortos, mas fazer que aqueles que estão vivos não morram”, defende. “Temos de criar soluções fora do tradicional. Porque hoje temos empresas muito bem geridas, com modelos de negócio bem estruturados e que se viram obrigadas por decreto e razões de saúde a fechar. Outras em que o seu negócio pós-Covid vai ser distinto. Por exemplo, uma cadeia grande de lojas de certeza que ao longo da Covid, tomou a decisão de ter menos espaços físicos. Isso significa menos faturação, menos resultados operacionais, e nós entretanto continuámos a colocar dinheiro nessas empresas. Essa dívida vai ter de ser tratada de forma diferente. Se calhar tem de haver perdão de dívidas. E o Estado também vai ter de tomar decisões deste género na Segurança Social e no Fisco”, salienta.

Castro e Almeida lembra que a retoma económica vai ser muito mais lenta do que inicialmente se pensava, e admite que demoraremos muitos anos a retomar os níveis de 2019. Além de que, nota o gestor, “ainda não temos a certeza nem consciência das alterações comportamentais que isto trouxe às pessoas”. E sem esse fator, torna-se difícil traçar cenários. Agora, reitera, “o que é importante é que as decisões que temos de tomar ao longo destes anos considerem que tudo isto tem de se pagar. Se tivermos isso em consideração, as decisões de gestão que teremos de tomar vão ser melhores”, acredita.

Ainda não temos a certeza nem consciência das alterações comportamentais que isto [Covid-19] trouxe às pessoas

Reduzir desigualdades e apostar na sustentabilidade

Outra das preocupações do CEO do BBVA Portugal é o facto de o dinheiro que vai chegar da União Europeia, a chamada ‘bazuca’ que aguarda aprovação em Bruxelas, seja aplicado nas coisas intangíveis que geram riqueza no futuro, numa altura em que a pandemia pôs a descoberto um País muito mais desigual do que aquele que acreditamos ter.

“Ficámos todos mais pobres, mas ficámos mais desiguais e essas desigualdades têm de ser colmatadas”, urge o responsável. “E parte do dinheiro que vem dessa bazuca tem de ir para essas desigualdades. Uma delas que foi evidente foi no campo da educação – os que conseguiram manter o ensino a distância e os que não tinham capacidade de o fazer, por exemplo. Isso não pode acontecer. Ter uma geração com falhas na educação significa que a futuro teremos pessoas no mercado de trabalho que, por não terem tido uma educação adequada, não vão gerar riqueza para o País. Isso é critico”.

Na mesma ocasião aproveitou para recordar o que tem acontecido na administração pública e nas escolas, onde muitas infraestruturas existem e a digitalização está garantida há vários anos, mas onde os recursos humanos nem sempre estão capacitados para fazer uso delas.

“Fala-se muito da digitalização do Estado. Quando comparamos com outros países, de facto está muito mais avançada em Portugal do que em outros países, mas saímos mal nas estatísticas, porque os investimentos foram mal feitos, mas porque há um problema de formação das pessoas em Portugal. É como investir muito a melhorar um carro e depois a pessoa não o saber conduzir!”, resume.

Parte do dinheiro que vem dessa ‘bazuca’ [europeia] tem de ir para essas desigualdades. Uma delas que foi evidente foi no campo da educação

E pediu também que fosse feita uma aposta mais musculada em investigação, sob pena de Portugal “perder mais uma vez o barco em relação ao resto da Europa”.

Luis Castro e Almeida apontou ainda a sustentabilidade como o único caminho possível para a sobrevivência das empresas no médio e longo prazos, lembrando que até por questões puramente financeiras, o mercado já está a penalizar as organizações que não consideram na sua gestão fatores ambientais. Isso é facilmente verificável no mercado de capitais, onde as empresas que ainda não consideram este tema como fundamental estão a ser penalizadas na procura pelos seus títulos, exemplificou. No fundo, atira em jeito de conclusão, quem achava que a sustentabilidade era apenas uma moda, tem de se apressar a mudar de ideias e a abraçá-la como uma causa que veio mesmo para ficar. Mais uma regra do jogo que está a fazer adivinhar, no pós-pandemia, um mundo muito diferente daquele que conhecíamos em 2019.

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