Atira-te ao mar

13-10-2020
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“Atira-te ao mar e diz que t’empurrarem”. O refrão da canção dos Íris ilustra bem a situação que se vive hoje no campo das interdições ao tráfego aéreo em Portugal, em particular após a publicação do Despacho Conjunto do Governo. Vejamos em maior detalhe porquê.

A proibição inicial. Como reação ao surto do vírus, Portugal adoptou medidas restritivas no tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal. Entre estas medidas contam-se a interdição de voos de e para países que não integram a União Europeia (com exceções para países de expressão oficial portuguesa e para países onde residem importantes comunidades portuguesas) e duas situações pontuais, justificadas por surtos anormais do vírus, que foram Itália e Espanha (proibição temporária). Em termos muito práticos, perante a emergência, a opção passou pela interdição de voos e encerramento de fronteiras, medida compreensível e justificada à altura.

Fase de normalização. Com a progressiva normalização da situação, a preocupação dos Governos passou naturalmente a ser outra e, no caso Português, o relançamento do Turismo encabeçou a lista de prioridades, digno de um projeto de resolução do grupo parlamentar do PS entregue ao governo em maio deste ano. Todavia, à semelhança do que se passou com a limitação da capacidade de operação das aeronaves (autoimposta por Portugal, às suas operadoras, medida ineficaz e incompreensível num sector global), posteriormente revogada, também aqui, no campo das medidas restritivas do tráfego aéreo, Portugal está novamente a dar tiros nos pés. Perante a necessidade de proteger a saúde pública, a UE e a quase totalidade dos Estados Membros têm adotado políticas de restrição das entradas de cidadãos provenientes de países terceiros sem residência na UE. Essas restrições têm por base critérios objetivos, relacionados com a situação epidemiológica nos países de origem dos cidadãos. Mas, frise-se, são restrições à entrada de cidadãos e não residentes. A título de exemplo, vejam-se as medidas adotadas na Alemanha, Espanha, França, Holanda e Suíça, onde foram implementadas medidas de limitação de entrada de nacionais de determinados países sem residência na UE e regras gerais quanto a uso de máscara e saída distanciada da aeronave (regra, aliás, generalizada no espaço europeu e que não impede nunca o regresso de nacionais e residentes aos seus respetivos países).

E o que foi feito em Portugal? Surpreendentemente, com data de 30 de junho, o Governo publicou o acima referido Despacho que mantém a interdição de tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal de todos os voos de e para países que não integram a UE ou que não sejam do espaço Schengen com excepções de países onde já antes não existiam ligações diretas, como é o caso da Coreia do Sul. Uma medida incompreensível e injustificada, que parte do pressuposto (errado e ultrapassado) de que existe uma coincidência total entre o país de origem do voo e a nacionalidade dos passageiros. Esta interdição tem como consequência a proibição da atividade em Portugal de companhias aéreas como a Emirates, Qatar e Turkish Airlines, entre outras. Estão impedidas de voar para Portugal porque apenas têm rotas diretas entre os respetivos países e o nosso. Já os passageiros que potencialmente fariam esses voos (incluindo Portugueses e turistas de pontos de origem seguros), podem perfeitamente entrar em Portugal, desde que façam escala num outro país da União Europeia (a quase totalidade), onde a proibição se foca no passageiro e não no voo. Um incómodo para o passageiro, sem benefícios para o País e um pesadelo para a companhia, que se vê obrigada a suspender totalmente a atividade em Portugal, correndo o risco de encerrar definitivamente.

Em suma, se queremos relançar o Turismo e a nossa economia, se queremos proteger os nossos nacionais e não lhes criar incómodos desnecessários, se queremos atrair turistas seguros, devemos ter uma acção concertada e adequada. A saúde pública protege-se com medidas direcionadas aos passageiros, não com proibições absolutas e cegas aos operadores económicos. Se queremos turismo seguro em Portugal, basta fazer o que os outros estão a fazer: permitir os voos e condicionar a aceitação de passageiros, seja por proveniência, seja pela imposição de evidência médica. Com medidas míopes como esta, não há esforço diplomático e de promoção que nos valha, mas se as mantivermos em vigor só nos podemos queixar de nós próprios.

* Sócio da sociedade de advogados DLA Piper

“Atira-te ao mar e diz que t’empurrarem”. O refrão da canção dos Íris ilustra bem a situação que se vive hoje no campo das interdições ao tráfego aéreo em Portugal, em particular após a publicação do Despacho Conjunto do Governo. Vejamos em maior detalhe porquê.

A proibição inicial. Como reação ao surto do vírus, Portugal adoptou medidas restritivas no tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal. Entre estas medidas contam-se a interdição de voos de e para países que não integram a União Europeia (com exceções para países de expressão oficial portuguesa e para países onde residem importantes comunidades portuguesas) e duas situações pontuais, justificadas por surtos anormais do vírus, que foram Itália e Espanha (proibição temporária). Em termos muito práticos, perante a emergência, a opção passou pela interdição de voos e encerramento de fronteiras, medida compreensível e justificada à altura.

Fase de normalização. Com a progressiva normalização da situação, a preocupação dos Governos passou naturalmente a ser outra e, no caso Português, o relançamento do Turismo encabeçou a lista de prioridades, digno de um projeto de resolução do grupo parlamentar do PS entregue ao governo em maio deste ano. Todavia, à semelhança do que se passou com a limitação da capacidade de operação das aeronaves (autoimposta por Portugal, às suas operadoras, medida ineficaz e incompreensível num sector global), posteriormente revogada, também aqui, no campo das medidas restritivas do tráfego aéreo, Portugal está novamente a dar tiros nos pés. Perante a necessidade de proteger a saúde pública, a UE e a quase totalidade dos Estados Membros têm adotado políticas de restrição das entradas de cidadãos provenientes de países terceiros sem residência na UE. Essas restrições têm por base critérios objetivos, relacionados com a situação epidemiológica nos países de origem dos cidadãos. Mas, frise-se, são restrições à entrada de cidadãos e não residentes. A título de exemplo, vejam-se as medidas adotadas na Alemanha, Espanha, França, Holanda e Suíça, onde foram implementadas medidas de limitação de entrada de nacionais de determinados países sem residência na UE e regras gerais quanto a uso de máscara e saída distanciada da aeronave (regra, aliás, generalizada no espaço europeu e que não impede nunca o regresso de nacionais e residentes aos seus respetivos países).

E o que foi feito em Portugal? Surpreendentemente, com data de 30 de junho, o Governo publicou o acima referido Despacho que mantém a interdição de tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal de todos os voos de e para países que não integram a UE ou que não sejam do espaço Schengen com excepções de países onde já antes não existiam ligações diretas, como é o caso da Coreia do Sul. Uma medida incompreensível e injustificada, que parte do pressuposto (errado e ultrapassado) de que existe uma coincidência total entre o país de origem do voo e a nacionalidade dos passageiros. Esta interdição tem como consequência a proibição da atividade em Portugal de companhias aéreas como a Emirates, Qatar e Turkish Airlines, entre outras. Estão impedidas de voar para Portugal porque apenas têm rotas diretas entre os respetivos países e o nosso. Já os passageiros que potencialmente fariam esses voos (incluindo Portugueses e turistas de pontos de origem seguros), podem perfeitamente entrar em Portugal, desde que façam escala num outro país da União Europeia (a quase totalidade), onde a proibição se foca no passageiro e não no voo. Um incómodo para o passageiro, sem benefícios para o País e um pesadelo para a companhia, que se vê obrigada a suspender totalmente a atividade em Portugal, correndo o risco de encerrar definitivamente.

Em suma, se queremos relançar o Turismo e a nossa economia, se queremos proteger os nossos nacionais e não lhes criar incómodos desnecessários, se queremos atrair turistas seguros, devemos ter uma acção concertada e adequada. A saúde pública protege-se com medidas direcionadas aos passageiros, não com proibições absolutas e cegas aos operadores económicos. Se queremos turismo seguro em Portugal, basta fazer o que os outros estão a fazer: permitir os voos e condicionar a aceitação de passageiros, seja por proveniência, seja pela imposição de evidência médica. Com medidas míopes como esta, não há esforço diplomático e de promoção que nos valha, mas se as mantivermos em vigor só nos podemos queixar de nós próprios.

* Sócio da sociedade de advogados DLA Piper

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