“Consumidor está mais interessado em valorizar o que é português”

13-12-2020
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A pandemia modificou várias coisas.” A frase do presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, é explícita na sua simplicidade e dá conta de um período em que o sector agroindustrial, tal como todos, teve que se adaptar a circunstâncias inauditas e a um ritmo verdadeiramente alucinante. A produção portuguesa respondeu em muitos casos rapidamente e abraçou as oportunidades possíveis com uma velocidade e uma eficácia que surpreenderam mesmo os observadores mais otimistas.

Houve um “impacto muito grande em termos negativos”, garante Eduardo Oliveira e Sousa, primeiro com o encerramento da hotelaria e restauração, que significou um grande abalo na procura interna, e segundo com a adoção das regras sanitárias, que fizeram “aumentar os custos” de produção sem que isso se tenha refletido no preço para o consumidor. Por outro lado, as medidas de ajuda governamental, na opinião do responsável, “são pouco dirigidas ao sector agrícola, nomeadamente as de crédito. São de muito difícil acesso e têm sido de uma grande complexidade administrativa. Era fundamental que o alívio fiscal existisse à semelhança de outras atividades”, elabora. Para Martinho Lopes, administrador do Intermarché, “a pandemia veio demonstrar algumas fragilidades da cadeia, nomeadamente logísticas”, e que vão “desde os problemas de abastecimento, passando pela ausência de recursos humanos”.

Pese embora as dificuldades, a pandemia não só revelou a inovação como em muitos casos a estimulou e permitiu às empresas portuguesas do sector abraçarem novas oportunidades, produtos e até geografias, como se pode ver pelos premiados do Prémio Intermarché Produção Nacional (cujos vencedores 2020 pode conhecer melhor nesta página) e pelos números mais recentes. Segundo dados do INE fornecidos pelo Ministério da Agricultura, o complexo agroalimentar cresceu 3,5% de janeiro a setembro, quando comparado com o período homólogo de 2019, e se analisarmos apenas a agricultura, cresceu 7,2%. Se olharmos só para setembro, verificamos um crescimento do sector de 6,1% e da agricultura de 1,5%.

Tendência

“Estes dados, positivos, mostram que estamos no caminho certo”, defende o secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Nuno Russo. Mesmo sem ter “ainda dados consolidados que permitam definir uma alteração do padrão de consumo dos portugueses”, admite que a “tendência mostra-nos uma maior proximidade entre os consumidores e os produtores nacionais”. Além da criação da plataforma Alimente quem o Alimenta — que agiliza a ligação com o consumidor final —, o governante fala de uma “nova alteração na legislação, que permitirá aos produtores serem apoiados na entrega direta ao consumidor, assim como na modernização dos mercados locais”.

Gonçalo Lobo Xavier não tem dúvidas: “O consumidor está cada vez mais interessado em valorizar o que é português.” O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição acredita que existe uma “maior consciencialização dos consumidores” para o produto português, sobretudo com a disrupção dos canais internacionais de comércio e por a “cadeia de abastecimento nunca ter deixado de funcionar”. O responsável faz questão de destacar os “espaços de retalho alimentar que estiveram na linha da frente na resposta à pandemia e estiveram a alimentar Portugal” num “esforço absolutamente notável”. Da entrega de cabazes às vendas digitais, entre outros exemplos, Gonçalo Lobo Xavier fala de uma “adaptação que veio para ficar”.

Segundo o vogal do conselho de administração da Docapesca, Carlos Figueiredo, a covid-19 “trouxe para a discussão pública a importância do consumo dos produtos locais e de proximidade como forma de combater a dependência externa”, apesar da quebra no imediato. “Até à data, verificou-se um aumento do preço médio de cerca de 11%, com reduções na quantidade (-18%) e nas vendas (-9%) face a 2019”, revela. Para tentar fazer face às novas circunstâncias, “está em fase final de implementação o site Lota em Casa, que permite ao consumidor identificar todos os pontos de venda de pescado das lotas próximas da sua residência”.

Inovações a que se junta um foco acrescido na sustentabilidade, uma “exigência do consumidor moderno, que é hoje mais informado e atento ao que compra”. Trata-se do eixo que o aproxima do consumidor e que conquista a sua confiança”, diz Martinho Lopes. “E a confiança é a base da compra.”

Apoios e Exportações

100

milhões de euros é o valor da dotação do Programa de Apoio à Produção Nacional, para cofinanciar projetos de micro e pequenas empresas

2,5%

é quanto as exportações agroalimentares cresceram em valor, entre janeiro e agosto, face ao mesmo período de 2019

Os vencedores

Produção primária

Espargos verdes e espargos roxos, FHZ — Investimentos Agrícolas. A produtora de espargos biológicos em Ferreira do Zêzere conta com um total de 13 hectares de área plantada de espargos verdes e um de espargos roxos. Os vegetais são colhidos de manhã e armazenados a 2 graus Celsius, para evitar perda de qualidade.

Azeite virgem extra biológico, Alberto Luís Branco Miranda de Carvalho Neto. O produtor lançou uma marca própria de azeite biológico apostando nos olivais mais jovens. Como fonte de matéria orgânica, destaque para o aproveitamento do bagaço da azeitona, folhas das oliveiras e restos de poda, estrume dos animais ou fardos de palha e feno num centro de compostagem.

Produtos transformados

Queijo Ilha dos Mistérios, Cooperativa Leite Montanha, CRL. Trata-se de um queijo de coloração branca, cremosidade e sabor intensos. A embalagem promove a ligação à ilha do Pico ao mostrar os quatro mistérios — os campos de lava decorrentes das erupções históricas para as quais os habitantes não tinham justificação.

Vidigueira vinho de talha, Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito. O produto diferencia-se (além do sabor) pela produção e embalamento: desde a colheita ao vinho mexido e filtrado de forma natural, com o assentar das partículas sólidas.

Inovação em embalagem

Gelado biológico mediterrânico, FRAGOGEL — Comercialização e Fabricação de Gelados, Lda. É um tributo à típica torta algarvia, feita com alfarroba, amêndoa, avelã e figo. Em 2018, este sabor foi distinguido na edição portuguesa do Gelato Festival com o prémio de melhor gelado de Portugal e em 2019 a marca adquiriu a certificação biológica e o produto passou a ser vendido em caixas isotérmicas de 400 ml, que são feitas de fibra vegetal e 100% compostáveis.

Ideias com potencial

Produtos inovadores e saudáveis feitos de alfarroba, Grand Carob. Em julho, lançaram a primeira bebida vegetal feita com alfarroba. 100% vegetal e natural, o produto tem uma textura aveludada e um sabor único, que se destaca pelas suas notas achocolatadas. Tem uma parceria com o Departamento de Energia Alimentar da Universidade do Algarve.

Menções honrosas

Produção primária

Mel de agricultura biológica, de castanheiro, rosmaninho e urze, BioApis — Apicultura Biológica, Lda. Aliam técnicas de maneio e tratamentos sanitários das abelhas a práticas naturais, com a alimentação a ser feita à base de uma mistura de mel e açúcar bio.

Produtos transformados

Gin, Destilaria Black Pig Unip., Lda. O seu modo de produção artesanal não deixa pegada ecológica e faz com que o primeiro gim do Litoral Alentejano seja sustentável, a partir do primeiro pomar de medronheiros da região com sistema de irrigação gota a gota.

Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de novembro de 2020

A pandemia modificou várias coisas.” A frase do presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, é explícita na sua simplicidade e dá conta de um período em que o sector agroindustrial, tal como todos, teve que se adaptar a circunstâncias inauditas e a um ritmo verdadeiramente alucinante. A produção portuguesa respondeu em muitos casos rapidamente e abraçou as oportunidades possíveis com uma velocidade e uma eficácia que surpreenderam mesmo os observadores mais otimistas.

Houve um “impacto muito grande em termos negativos”, garante Eduardo Oliveira e Sousa, primeiro com o encerramento da hotelaria e restauração, que significou um grande abalo na procura interna, e segundo com a adoção das regras sanitárias, que fizeram “aumentar os custos” de produção sem que isso se tenha refletido no preço para o consumidor. Por outro lado, as medidas de ajuda governamental, na opinião do responsável, “são pouco dirigidas ao sector agrícola, nomeadamente as de crédito. São de muito difícil acesso e têm sido de uma grande complexidade administrativa. Era fundamental que o alívio fiscal existisse à semelhança de outras atividades”, elabora. Para Martinho Lopes, administrador do Intermarché, “a pandemia veio demonstrar algumas fragilidades da cadeia, nomeadamente logísticas”, e que vão “desde os problemas de abastecimento, passando pela ausência de recursos humanos”.

Pese embora as dificuldades, a pandemia não só revelou a inovação como em muitos casos a estimulou e permitiu às empresas portuguesas do sector abraçarem novas oportunidades, produtos e até geografias, como se pode ver pelos premiados do Prémio Intermarché Produção Nacional (cujos vencedores 2020 pode conhecer melhor nesta página) e pelos números mais recentes. Segundo dados do INE fornecidos pelo Ministério da Agricultura, o complexo agroalimentar cresceu 3,5% de janeiro a setembro, quando comparado com o período homólogo de 2019, e se analisarmos apenas a agricultura, cresceu 7,2%. Se olharmos só para setembro, verificamos um crescimento do sector de 6,1% e da agricultura de 1,5%.

Tendência

“Estes dados, positivos, mostram que estamos no caminho certo”, defende o secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Nuno Russo. Mesmo sem ter “ainda dados consolidados que permitam definir uma alteração do padrão de consumo dos portugueses”, admite que a “tendência mostra-nos uma maior proximidade entre os consumidores e os produtores nacionais”. Além da criação da plataforma Alimente quem o Alimenta — que agiliza a ligação com o consumidor final —, o governante fala de uma “nova alteração na legislação, que permitirá aos produtores serem apoiados na entrega direta ao consumidor, assim como na modernização dos mercados locais”.

Gonçalo Lobo Xavier não tem dúvidas: “O consumidor está cada vez mais interessado em valorizar o que é português.” O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição acredita que existe uma “maior consciencialização dos consumidores” para o produto português, sobretudo com a disrupção dos canais internacionais de comércio e por a “cadeia de abastecimento nunca ter deixado de funcionar”. O responsável faz questão de destacar os “espaços de retalho alimentar que estiveram na linha da frente na resposta à pandemia e estiveram a alimentar Portugal” num “esforço absolutamente notável”. Da entrega de cabazes às vendas digitais, entre outros exemplos, Gonçalo Lobo Xavier fala de uma “adaptação que veio para ficar”.

Segundo o vogal do conselho de administração da Docapesca, Carlos Figueiredo, a covid-19 “trouxe para a discussão pública a importância do consumo dos produtos locais e de proximidade como forma de combater a dependência externa”, apesar da quebra no imediato. “Até à data, verificou-se um aumento do preço médio de cerca de 11%, com reduções na quantidade (-18%) e nas vendas (-9%) face a 2019”, revela. Para tentar fazer face às novas circunstâncias, “está em fase final de implementação o site Lota em Casa, que permite ao consumidor identificar todos os pontos de venda de pescado das lotas próximas da sua residência”.

Inovações a que se junta um foco acrescido na sustentabilidade, uma “exigência do consumidor moderno, que é hoje mais informado e atento ao que compra”. Trata-se do eixo que o aproxima do consumidor e que conquista a sua confiança”, diz Martinho Lopes. “E a confiança é a base da compra.”

Apoios e Exportações

100

milhões de euros é o valor da dotação do Programa de Apoio à Produção Nacional, para cofinanciar projetos de micro e pequenas empresas

2,5%

é quanto as exportações agroalimentares cresceram em valor, entre janeiro e agosto, face ao mesmo período de 2019

Os vencedores

Produção primária

Espargos verdes e espargos roxos, FHZ — Investimentos Agrícolas. A produtora de espargos biológicos em Ferreira do Zêzere conta com um total de 13 hectares de área plantada de espargos verdes e um de espargos roxos. Os vegetais são colhidos de manhã e armazenados a 2 graus Celsius, para evitar perda de qualidade.

Azeite virgem extra biológico, Alberto Luís Branco Miranda de Carvalho Neto. O produtor lançou uma marca própria de azeite biológico apostando nos olivais mais jovens. Como fonte de matéria orgânica, destaque para o aproveitamento do bagaço da azeitona, folhas das oliveiras e restos de poda, estrume dos animais ou fardos de palha e feno num centro de compostagem.

Produtos transformados

Queijo Ilha dos Mistérios, Cooperativa Leite Montanha, CRL. Trata-se de um queijo de coloração branca, cremosidade e sabor intensos. A embalagem promove a ligação à ilha do Pico ao mostrar os quatro mistérios — os campos de lava decorrentes das erupções históricas para as quais os habitantes não tinham justificação.

Vidigueira vinho de talha, Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito. O produto diferencia-se (além do sabor) pela produção e embalamento: desde a colheita ao vinho mexido e filtrado de forma natural, com o assentar das partículas sólidas.

Inovação em embalagem

Gelado biológico mediterrânico, FRAGOGEL — Comercialização e Fabricação de Gelados, Lda. É um tributo à típica torta algarvia, feita com alfarroba, amêndoa, avelã e figo. Em 2018, este sabor foi distinguido na edição portuguesa do Gelato Festival com o prémio de melhor gelado de Portugal e em 2019 a marca adquiriu a certificação biológica e o produto passou a ser vendido em caixas isotérmicas de 400 ml, que são feitas de fibra vegetal e 100% compostáveis.

Ideias com potencial

Produtos inovadores e saudáveis feitos de alfarroba, Grand Carob. Em julho, lançaram a primeira bebida vegetal feita com alfarroba. 100% vegetal e natural, o produto tem uma textura aveludada e um sabor único, que se destaca pelas suas notas achocolatadas. Tem uma parceria com o Departamento de Energia Alimentar da Universidade do Algarve.

Menções honrosas

Produção primária

Mel de agricultura biológica, de castanheiro, rosmaninho e urze, BioApis — Apicultura Biológica, Lda. Aliam técnicas de maneio e tratamentos sanitários das abelhas a práticas naturais, com a alimentação a ser feita à base de uma mistura de mel e açúcar bio.

Produtos transformados

Gin, Destilaria Black Pig Unip., Lda. O seu modo de produção artesanal não deixa pegada ecológica e faz com que o primeiro gim do Litoral Alentejano seja sustentável, a partir do primeiro pomar de medronheiros da região com sistema de irrigação gota a gota.

Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de novembro de 2020

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