A coelha da cartola dourada

31-05-2020
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Uma das dissertações académicas mais conhecidas da primeira mulher ministra da Administração Interna, Anabela Rodrigues, é “A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa da liberdade”. Mas, depois do escândalo dos vistos gold, o estudo académico exige um anexo impresso a letras douradas: “A posição política de uma ministra independente no meio de um governo que já não dá uma para a caixa, a não ser a nova ministra.”

O documento poderá ser reproduzido nas instalações do SIS (que tem impressoras e limpadoras de informação comprometedora ligadas 24 horas por dia). E entregue em mão às elites e figuras respeitadas da política nacional, se é que alguém consegue dizer um nome. Se encontrarem um estadista por aí, avisem-me!, como suplicou há dias o professor Adriano Moreira (olha, afinal ainda há um, uf!, foi por pouco). Longe das elites respeitadas, e noutro nicho de mercado, restam o Presidente do “não me ouvirão dizer o que quer que seja que…”, o Pedro Passos Coelho do “não te demitas agora”, além de um Paulo Portas “pai dos vistos gold e irmão dos submarinos”, do ex-Miguel Macedo, “amigo do principal suspeito de corrupção, ex-sócio de outra”, e o famoso Marques Mendes, “sócio-de-tudo-de-tudo-o-que-cheira-mal-mas-ai-eu-sou-sócio?, eh pá esqueci-me, mas ainda bem que a justiça funciona”).

Bom, e por onde andará Miguel Relvas, que já dói tanta saudade?

Finalmente, por arrastamento corruptivo do pacote de ideias VIP giras para fazer negócio, há os 11 detidos na Operação Labirinto. Uma tropa fandanga da Administração Pública que começava, nem mais nem menos, pela cúpula. Os exonerados presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo, a secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, mais o director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos. E um par de jarras chinesas que pelos vistos nem de fotografia precisavam para conseguir um visto dourado: a cara deles continua mais misteriosa do que as gargantas do rio Lijiang, essa fita de jade entre desfiladeiros.

Quanto às centenas de outros chineses que pagaram 500 mil euros por uma casa que só valia 200 mil (e com uma pedra a abanar na lareira), a catedrática Anabela Rodrigues poderá estudar neles a “posição jurídica” de se ser enganado que nem um tanso pelos portugueses. Quanto aos termos da aplicação concreta de pena, é preciso indagar se a velha técnica chinesa com gota de água na testa até fazer buraquinho se pode aplicar a aldrabões que chegaram a chefes. Deve haver legislação conforme em Pequim. Está posto de parte um outro tipo de buraco — na nuca… —, por motivos constitucionais que se mantêm em Portugal, pelo menos enquanto algum estrangeiro não oferecer milhões para se mudar a lei fundamental.

Finalmente, não esquecerá os homens e mulheres da Polícia Judiciária e do Departamento Central de Investigação e Acção Penal que descobriram o cambalacho, e que apanharam os suspeitos com a boca na botija: talvez devessem entrar imediatamente em funções governativas. Ainda surgem pessoas com sentido de Estado onde menos se espera, prof. Adriano Moreira.

Anabela Maria Pinto Rodrigues, de 61 anos, nasceu em Coimbra para uma vida de aventura, como acaba de provar esta semana, quando desistiu da direcção da Faculdade de Direito para ser ministra. Foi a primeira mulher a dirigir, de 2004 a 2009, o Centro de Estudos Judiciários, tendo à entrada aguentado uma guerra de demissões com os formadores, indignados por ter sido escolhido alguém que não era magistrado. Em 2010, o Conselho da Europa chumbou-a num lote de três portugueses para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por alegada “falta de qualidade de currículos”, e dessa vez foi ela a ficar indignada.

Mas o que ainda ninguém sabe é que, desde a infância, Anabela Rodrigues se preparou para o perigo. A história não está bem documentada, é tão de confiar como um visto gold, mas, quando tinha cinco anos, entrou numa gruta de escorpiões e de víboras e saiu de lá com uma cobra pelo pescoço e ofereceu o veneno para fazer antídoto. Aos dez anos, debruçou-se no fosso dos leões do Jardim Zoológico, caiu, mas os leões fugiram e os ursos ao longe encolheram-se. Mais tarde, teve uma prova ainda mais difícil, quando saiu viva do Cortejo da Festa das Latas em Coimbra. Uma tuna académica, a cantar “a mulher gorda a mim não me convém”, tentou atirá-la para o Mondego num carrinho de compras. Pagaram cara a música. Sempre lhe gabaram a elegância.

Anabela Rodrigues disse uma vez ao PÚBLICO que a justiça sofrerá uma “evolução” quando houver “tantas ou mais mulheres nos tribunais de instâncias superiores”, porque têm formas diferentes “de olhar a vida e de interpretar a realidade social.”

Na tomada de posse, aguentou firme quando apertava as mãos a todos os membros do Governo de Passos Coelho, a situação mais épica de uma vida. Se ela ainda percebe o que se passa no país, aguarda-se a sua interpretação.

Uma das dissertações académicas mais conhecidas da primeira mulher ministra da Administração Interna, Anabela Rodrigues, é “A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa da liberdade”. Mas, depois do escândalo dos vistos gold, o estudo académico exige um anexo impresso a letras douradas: “A posição política de uma ministra independente no meio de um governo que já não dá uma para a caixa, a não ser a nova ministra.”

O documento poderá ser reproduzido nas instalações do SIS (que tem impressoras e limpadoras de informação comprometedora ligadas 24 horas por dia). E entregue em mão às elites e figuras respeitadas da política nacional, se é que alguém consegue dizer um nome. Se encontrarem um estadista por aí, avisem-me!, como suplicou há dias o professor Adriano Moreira (olha, afinal ainda há um, uf!, foi por pouco). Longe das elites respeitadas, e noutro nicho de mercado, restam o Presidente do “não me ouvirão dizer o que quer que seja que…”, o Pedro Passos Coelho do “não te demitas agora”, além de um Paulo Portas “pai dos vistos gold e irmão dos submarinos”, do ex-Miguel Macedo, “amigo do principal suspeito de corrupção, ex-sócio de outra”, e o famoso Marques Mendes, “sócio-de-tudo-de-tudo-o-que-cheira-mal-mas-ai-eu-sou-sócio?, eh pá esqueci-me, mas ainda bem que a justiça funciona”).

Bom, e por onde andará Miguel Relvas, que já dói tanta saudade?

Finalmente, por arrastamento corruptivo do pacote de ideias VIP giras para fazer negócio, há os 11 detidos na Operação Labirinto. Uma tropa fandanga da Administração Pública que começava, nem mais nem menos, pela cúpula. Os exonerados presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo, a secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, mais o director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos. E um par de jarras chinesas que pelos vistos nem de fotografia precisavam para conseguir um visto dourado: a cara deles continua mais misteriosa do que as gargantas do rio Lijiang, essa fita de jade entre desfiladeiros.

Quanto às centenas de outros chineses que pagaram 500 mil euros por uma casa que só valia 200 mil (e com uma pedra a abanar na lareira), a catedrática Anabela Rodrigues poderá estudar neles a “posição jurídica” de se ser enganado que nem um tanso pelos portugueses. Quanto aos termos da aplicação concreta de pena, é preciso indagar se a velha técnica chinesa com gota de água na testa até fazer buraquinho se pode aplicar a aldrabões que chegaram a chefes. Deve haver legislação conforme em Pequim. Está posto de parte um outro tipo de buraco — na nuca… —, por motivos constitucionais que se mantêm em Portugal, pelo menos enquanto algum estrangeiro não oferecer milhões para se mudar a lei fundamental.

Finalmente, não esquecerá os homens e mulheres da Polícia Judiciária e do Departamento Central de Investigação e Acção Penal que descobriram o cambalacho, e que apanharam os suspeitos com a boca na botija: talvez devessem entrar imediatamente em funções governativas. Ainda surgem pessoas com sentido de Estado onde menos se espera, prof. Adriano Moreira.

Anabela Maria Pinto Rodrigues, de 61 anos, nasceu em Coimbra para uma vida de aventura, como acaba de provar esta semana, quando desistiu da direcção da Faculdade de Direito para ser ministra. Foi a primeira mulher a dirigir, de 2004 a 2009, o Centro de Estudos Judiciários, tendo à entrada aguentado uma guerra de demissões com os formadores, indignados por ter sido escolhido alguém que não era magistrado. Em 2010, o Conselho da Europa chumbou-a num lote de três portugueses para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por alegada “falta de qualidade de currículos”, e dessa vez foi ela a ficar indignada.

Mas o que ainda ninguém sabe é que, desde a infância, Anabela Rodrigues se preparou para o perigo. A história não está bem documentada, é tão de confiar como um visto gold, mas, quando tinha cinco anos, entrou numa gruta de escorpiões e de víboras e saiu de lá com uma cobra pelo pescoço e ofereceu o veneno para fazer antídoto. Aos dez anos, debruçou-se no fosso dos leões do Jardim Zoológico, caiu, mas os leões fugiram e os ursos ao longe encolheram-se. Mais tarde, teve uma prova ainda mais difícil, quando saiu viva do Cortejo da Festa das Latas em Coimbra. Uma tuna académica, a cantar “a mulher gorda a mim não me convém”, tentou atirá-la para o Mondego num carrinho de compras. Pagaram cara a música. Sempre lhe gabaram a elegância.

Anabela Rodrigues disse uma vez ao PÚBLICO que a justiça sofrerá uma “evolução” quando houver “tantas ou mais mulheres nos tribunais de instâncias superiores”, porque têm formas diferentes “de olhar a vida e de interpretar a realidade social.”

Na tomada de posse, aguentou firme quando apertava as mãos a todos os membros do Governo de Passos Coelho, a situação mais épica de uma vida. Se ela ainda percebe o que se passa no país, aguarda-se a sua interpretação.

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