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15-11-2019
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João Galamba

Na mesma semana em que o PS apresentou o seu programa político, a líder do PSD falou de iates, de perseguições aos ricos, e manteve a aposta na Verdade (assim, com maiúscula). Centremo-nos no único ponto passível de discussão: a Verdade. Para Ferreira Leite, a nossa verdade é o endividamento: não há dinheiro para nada e o PS, se insistir na sua política de investimentos, vai levar-nos à ruína. Dito assim, impressiona. Estamos perante uma reedição do discurso da tanga. Mas, e independentemente da nossa avaliação sobre a estratégia de desenvolvimento proposta pelo PS, a verdade, em si mesma, não é nem nunca poderá ser um programa político, pois um programa implica duas coisas: um diagnóstico sobre a situação do país e um compromisso com um plano de acção. Desde Aristóteles que a política é entendida como uma forma de acção, mas Ferreira Leite decidiu inovar e propõe uma alternativa: a resignação e a passividade estóica.

Assim não, diz a líder do PSD, sem nunca nos dizer o que fará com tanta e tão assustadora verdade. Pondo de parte a hipótese de auto-flagelação, o que nos resta? Será que Portugal tem de poupar mais? Baixar despesa? Reduzir impostos para estimular a actividade económica? Esperar que o "abalozinho" passe? Não sabemos. Sabemos apenas que, numa recessão onde existe um risco de deflação, isto é, num contexto onde não podemos recorrer à cartilha liberal de que as empresas não produzem porque o Estado não as deixa, nenhuma dessas opções parece fazer sentido. Tirando alguns liberais que já ninguém leva minimamente a sério, o consenso internacional é de que só o Estado pode desempenhar o papel de liderança que a situação exige - e isto requer investimento.

A "posição" de Ferreira Leite pode não aumentar o endividamento, mas não faz nada para o reduzir. Podemos evitar o desastre, mas não fazemos nada para alterar o status quo. Reconhecer um facto, parar, repensar e adiar, que eu saiba, não resolve problemas, porque não é agir nem assumir qualquer tipo de responsabilidade perante a nossa situação. O endividamento é um problema que carece de uma resposta política afirmativa. Só há duas soluções para o endividamento: crescimento ou diminuição da despesa, isto é, medidas expansionistas ou pró-cíclicas. De uma maneira ou de outra, algo tem de ser feito. Dado que Ferreira Leite não é liberal, ou seja, não acha que desmantelar o Estado assegura, só por si, crescimento futuro, e tendo em conta que, segundo a líder do PSD, não há dinheiro para nada, tenho alguma dificuldade em perceber o que a sua Verdade quer para Portugal e para os Portugueses.

(artigo publicado no Diário Económico)

João Galamba

Na mesma semana em que o PS apresentou o seu programa político, a líder do PSD falou de iates, de perseguições aos ricos, e manteve a aposta na Verdade (assim, com maiúscula). Centremo-nos no único ponto passível de discussão: a Verdade. Para Ferreira Leite, a nossa verdade é o endividamento: não há dinheiro para nada e o PS, se insistir na sua política de investimentos, vai levar-nos à ruína. Dito assim, impressiona. Estamos perante uma reedição do discurso da tanga. Mas, e independentemente da nossa avaliação sobre a estratégia de desenvolvimento proposta pelo PS, a verdade, em si mesma, não é nem nunca poderá ser um programa político, pois um programa implica duas coisas: um diagnóstico sobre a situação do país e um compromisso com um plano de acção. Desde Aristóteles que a política é entendida como uma forma de acção, mas Ferreira Leite decidiu inovar e propõe uma alternativa: a resignação e a passividade estóica.

Assim não, diz a líder do PSD, sem nunca nos dizer o que fará com tanta e tão assustadora verdade. Pondo de parte a hipótese de auto-flagelação, o que nos resta? Será que Portugal tem de poupar mais? Baixar despesa? Reduzir impostos para estimular a actividade económica? Esperar que o "abalozinho" passe? Não sabemos. Sabemos apenas que, numa recessão onde existe um risco de deflação, isto é, num contexto onde não podemos recorrer à cartilha liberal de que as empresas não produzem porque o Estado não as deixa, nenhuma dessas opções parece fazer sentido. Tirando alguns liberais que já ninguém leva minimamente a sério, o consenso internacional é de que só o Estado pode desempenhar o papel de liderança que a situação exige - e isto requer investimento.

A "posição" de Ferreira Leite pode não aumentar o endividamento, mas não faz nada para o reduzir. Podemos evitar o desastre, mas não fazemos nada para alterar o status quo. Reconhecer um facto, parar, repensar e adiar, que eu saiba, não resolve problemas, porque não é agir nem assumir qualquer tipo de responsabilidade perante a nossa situação. O endividamento é um problema que carece de uma resposta política afirmativa. Só há duas soluções para o endividamento: crescimento ou diminuição da despesa, isto é, medidas expansionistas ou pró-cíclicas. De uma maneira ou de outra, algo tem de ser feito. Dado que Ferreira Leite não é liberal, ou seja, não acha que desmantelar o Estado assegura, só por si, crescimento futuro, e tendo em conta que, segundo a líder do PSD, não há dinheiro para nada, tenho alguma dificuldade em perceber o que a sua Verdade quer para Portugal e para os Portugueses.

(artigo publicado no Diário Económico)

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