Regulador da energia alerta para riscos da subsidiação do hidrogénio

12-09-2020
marcar artigo

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) está preocupada com a possibilidade de o hidrogénio verde vir a ter um impacto negativo nas contas do sistema de gás natural e deu conta disso num parecer que foi entregue ao Governo em julho, ainda antes da aprovação pelo Executivo do diploma que veio atualizar o quadro jurídico do sistema nacional de gás, de forma a prepará-lo para a incorporação de gases renováveis, incluindo o hidrogénio verde.

O parecer da ERSE, agora disponibilizado publicamente, teceu várias considerações sobre o diploma que então estava a ser preparado e que terão sido atendidas pelo Governo, pelo menos em parte. No essencial, o regulador da energia alertou para a possibilidade de virem a ser criados no mercado de gás natural custos de interesse económico geral (CIEG), como já se verifica no sector elétrico, por via da subsidiação dos novos produtores de gases renováveis. A preocupação da ERSE é que se houver sobrecustos imputados às tarifas de gás natural isso poderá levar parte dos consumidores a substituir o gás por outras fontes energéticas, dificultando a recuperação futura dos sobrecustos.

O secretário de Estado da Energia, João Galamba, sublinhou ao Expresso que embora a versão inicial do projeto de diploma admitisse a possibilidade de criação de CIEG a versão final (Decreto-Lei 62/2020) acolheu as preocupações do regulador, eliminando a possibilidade de criação de CIEG, já que qualquer sistema de apoio que vier a ser criado ocorrerá "fora do sistema tarifário". "Tivemos longos debates com a ERSE. Acolhemos tudo o que disseram", assegura João Galamba.

Antes da publicação do diploma o Governo já tinha garantido que os apoios a conceder ao hidrogénio não irão onerar os consumidores de gás natural. O Executivo estima que até 2030 haja apoios públicos entre 900 e 1000 milhões de euros para alavancar investimentos privados no hidrogénio verde entre os 7000 e os 9000 milhões de euros. Da parcela de apoios a conceder, cerca de metade virão dos programas Portugal 2020 e Portugal 2030, para projetos de investimento em infra-estruturas, e a outra metade serão subsídios para cobrir a diferença entre o custo do gás natural e o custo do hidrogénio verde (que nos próximos anos se estima que ainda seja mais caro). Esses subsídios deverão vir do Fundo Ambiental.

O parecer da ERSE reconhece que "a subsidiação dos custos de produção de gases descarbonizados através de transferências do Fundo Ambiental ou outro externo ao setor é essencial para evitar o impacte sobre os custos de fornecimento de gás a clientes finais". Mas também alerta que essa transferência de verbas do Fundo Ambiental acarreta alguns riscos.

"Não pode ser ignorado o risco da concretização do financiamento pelo Fundo Ambiental, o qual fica dependente das restrições anuais fixadas pelo Orçamento do Estado (acresce que se prevê a redução de uma das fontes de receita do Fundo, associada às receitas com as licenças de emissão de CO2 e do ISP, em virtude da redução expetável da produção de eletricidade com emissões de CO2)", avisa a ERSE.

Apesar das garantias do Executivo, a ERSE deixou vários alertas no seu parecer. O regulador lembra, por exemplo, que o artigo 73 "estabelece a competência do membro do Governo responsável pela área da energia para definir, por portaria: (i) regimes específicos de aquisição para determinados gases de origem renovável ou gases de baixo teor de carbono; (ii) outros mecanismos de apoio à produção de gases de origem renovável ou de gases de baixo teor de carbono, destinados a alcançar a paridade de custo entre estes gases e o gás natural; e (iii) outros mecanismos de apoio à produção de gases de origem renovável ou de gases de baixo teor de carbono, destinados a alcançar a paridade de custo entre estes gases e combustíveis fósseis".

Há uma primeira objeção da ERSE, que é a de um único membro do Governo poder decidir sozinho os apoios a conceder. "A regulamentação de todos estes aspetos, inclusive de forma combinada, através de portaria de um único membro do executivo corresponde a um fenómeno de deslegalização e vem permitir, inovadoramente, a introdução de custos não respeitantes diretamente às atividades reguladas no sistema tarifário", observa o regulador.

Por outro lado, a ERSE diz ser "contrária à introdução destes mecanismos no setor do gás natural, que tem permanecido, ao contrário do setor elétrico, imune à introdução de CIEG". "Em todo o caso, sempre se diga que se deve evitar a criação de mecanismos que possam ser considerados tributos (que não podem ser criados por via regulamentar) com as inerentes problemáticas de constitucionalidade que, de algum modo, têm vindo a ser refletidas no caso do Sistema Elétrico Nacional (SEN)", acrescenta o regulador.

No seu parecer o regulador também refere que "seria importante ouvir a ERSE, de modo a assegurar a adequação das políticas com a intervenção regulatória visando a assegurar a sustentabilidade das medidas e a minimização dos seus impactos nos consumidores de gás natural". Essa recomendação foi acolhida pelo Governo, já que o mesmo Artigo 73, no Decreto-Lei 62/2020, publicado a 28 de agosto, contempla a auscultação da ERSE.

"O membro do Governo responsável pela área da energia pode fixar por portaria regimes específicos de aquisição para determinados gases de origem renovável ou gases de baixo teor de carbono, ouvida a ERSE e o operador da RNTG [rede nacional de transporte de gás natural], no âmbito das suas atribuições", refere o diploma publicado há duas semanas.

O parecer da ERSE fez ainda um conjunto de outros reparos. Um deles é o de que não devem ser os consumidores a assumir a responsabilidade de adquirir gases renováveis. "A alínea e) do artigo 76.º refere que é dever do consumidor assegurar, no seu aprovisionamento de gás, a incorporação das quotas mínimas de outros gases. Sobre esta redação, a ERSE sublinha que não cabe aos consumidores assegurar no seu aprovisionamento de gás a incorporação das quotas mínimas de outros gases, mas sim aos comercializadores ou, quando for o caso, aos consumidores apenas na situação de atuarem diretamente nos mercados grossistas de gás", referia a ERSE no parecer.

O regulador sugeriu a eliminação dessa alínea. O Governo não a eliminou, mas a redação final da lei esclarece que esse dever dos consumidores (quotas mínimas de outros gases) se aplica apenas "quando adquiram diretamente gás por recurso a contratos de fornecimento bilaterais ou a mercados organizados".

*Notícia atualizada às 13h25 com declarações do secretário de Estado da Energia, João Galamba.

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) está preocupada com a possibilidade de o hidrogénio verde vir a ter um impacto negativo nas contas do sistema de gás natural e deu conta disso num parecer que foi entregue ao Governo em julho, ainda antes da aprovação pelo Executivo do diploma que veio atualizar o quadro jurídico do sistema nacional de gás, de forma a prepará-lo para a incorporação de gases renováveis, incluindo o hidrogénio verde.

O parecer da ERSE, agora disponibilizado publicamente, teceu várias considerações sobre o diploma que então estava a ser preparado e que terão sido atendidas pelo Governo, pelo menos em parte. No essencial, o regulador da energia alertou para a possibilidade de virem a ser criados no mercado de gás natural custos de interesse económico geral (CIEG), como já se verifica no sector elétrico, por via da subsidiação dos novos produtores de gases renováveis. A preocupação da ERSE é que se houver sobrecustos imputados às tarifas de gás natural isso poderá levar parte dos consumidores a substituir o gás por outras fontes energéticas, dificultando a recuperação futura dos sobrecustos.

O secretário de Estado da Energia, João Galamba, sublinhou ao Expresso que embora a versão inicial do projeto de diploma admitisse a possibilidade de criação de CIEG a versão final (Decreto-Lei 62/2020) acolheu as preocupações do regulador, eliminando a possibilidade de criação de CIEG, já que qualquer sistema de apoio que vier a ser criado ocorrerá "fora do sistema tarifário". "Tivemos longos debates com a ERSE. Acolhemos tudo o que disseram", assegura João Galamba.

Antes da publicação do diploma o Governo já tinha garantido que os apoios a conceder ao hidrogénio não irão onerar os consumidores de gás natural. O Executivo estima que até 2030 haja apoios públicos entre 900 e 1000 milhões de euros para alavancar investimentos privados no hidrogénio verde entre os 7000 e os 9000 milhões de euros. Da parcela de apoios a conceder, cerca de metade virão dos programas Portugal 2020 e Portugal 2030, para projetos de investimento em infra-estruturas, e a outra metade serão subsídios para cobrir a diferença entre o custo do gás natural e o custo do hidrogénio verde (que nos próximos anos se estima que ainda seja mais caro). Esses subsídios deverão vir do Fundo Ambiental.

O parecer da ERSE reconhece que "a subsidiação dos custos de produção de gases descarbonizados através de transferências do Fundo Ambiental ou outro externo ao setor é essencial para evitar o impacte sobre os custos de fornecimento de gás a clientes finais". Mas também alerta que essa transferência de verbas do Fundo Ambiental acarreta alguns riscos.

"Não pode ser ignorado o risco da concretização do financiamento pelo Fundo Ambiental, o qual fica dependente das restrições anuais fixadas pelo Orçamento do Estado (acresce que se prevê a redução de uma das fontes de receita do Fundo, associada às receitas com as licenças de emissão de CO2 e do ISP, em virtude da redução expetável da produção de eletricidade com emissões de CO2)", avisa a ERSE.

Apesar das garantias do Executivo, a ERSE deixou vários alertas no seu parecer. O regulador lembra, por exemplo, que o artigo 73 "estabelece a competência do membro do Governo responsável pela área da energia para definir, por portaria: (i) regimes específicos de aquisição para determinados gases de origem renovável ou gases de baixo teor de carbono; (ii) outros mecanismos de apoio à produção de gases de origem renovável ou de gases de baixo teor de carbono, destinados a alcançar a paridade de custo entre estes gases e o gás natural; e (iii) outros mecanismos de apoio à produção de gases de origem renovável ou de gases de baixo teor de carbono, destinados a alcançar a paridade de custo entre estes gases e combustíveis fósseis".

Há uma primeira objeção da ERSE, que é a de um único membro do Governo poder decidir sozinho os apoios a conceder. "A regulamentação de todos estes aspetos, inclusive de forma combinada, através de portaria de um único membro do executivo corresponde a um fenómeno de deslegalização e vem permitir, inovadoramente, a introdução de custos não respeitantes diretamente às atividades reguladas no sistema tarifário", observa o regulador.

Por outro lado, a ERSE diz ser "contrária à introdução destes mecanismos no setor do gás natural, que tem permanecido, ao contrário do setor elétrico, imune à introdução de CIEG". "Em todo o caso, sempre se diga que se deve evitar a criação de mecanismos que possam ser considerados tributos (que não podem ser criados por via regulamentar) com as inerentes problemáticas de constitucionalidade que, de algum modo, têm vindo a ser refletidas no caso do Sistema Elétrico Nacional (SEN)", acrescenta o regulador.

No seu parecer o regulador também refere que "seria importante ouvir a ERSE, de modo a assegurar a adequação das políticas com a intervenção regulatória visando a assegurar a sustentabilidade das medidas e a minimização dos seus impactos nos consumidores de gás natural". Essa recomendação foi acolhida pelo Governo, já que o mesmo Artigo 73, no Decreto-Lei 62/2020, publicado a 28 de agosto, contempla a auscultação da ERSE.

"O membro do Governo responsável pela área da energia pode fixar por portaria regimes específicos de aquisição para determinados gases de origem renovável ou gases de baixo teor de carbono, ouvida a ERSE e o operador da RNTG [rede nacional de transporte de gás natural], no âmbito das suas atribuições", refere o diploma publicado há duas semanas.

O parecer da ERSE fez ainda um conjunto de outros reparos. Um deles é o de que não devem ser os consumidores a assumir a responsabilidade de adquirir gases renováveis. "A alínea e) do artigo 76.º refere que é dever do consumidor assegurar, no seu aprovisionamento de gás, a incorporação das quotas mínimas de outros gases. Sobre esta redação, a ERSE sublinha que não cabe aos consumidores assegurar no seu aprovisionamento de gás a incorporação das quotas mínimas de outros gases, mas sim aos comercializadores ou, quando for o caso, aos consumidores apenas na situação de atuarem diretamente nos mercados grossistas de gás", referia a ERSE no parecer.

O regulador sugeriu a eliminação dessa alínea. O Governo não a eliminou, mas a redação final da lei esclarece que esse dever dos consumidores (quotas mínimas de outros gases) se aplica apenas "quando adquiram diretamente gás por recurso a contratos de fornecimento bilaterais ou a mercados organizados".

*Notícia atualizada às 13h25 com declarações do secretário de Estado da Energia, João Galamba.

marcar artigo