Uma batalha a unir (Democratas contra Trump). E outra a dividir (a de Costa contra os médicos)

16-09-2020
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Viva!

Na América começou o tudo ou nada: um a um, Hillary Clinton, Barack Obama e Kamala Harris desfilaram esta noite discursos na convenção Democrata. Foi uma derradeira prova de união, aquela que faltou a Hillary para ser eleita há quatro anos; aquela que removeu boa parte do legado que deixou Obama. O ex-presidente foi direto ao antecessor: "Esta administração demonstrou que destruirá a nossa democracia se isso for necessário para vencer".

Até para a ala progressista, de Bernie Sanders ou Ocasio-Cortez, o objetivo tornou-se claro: mais do que transformar radicalmente a América, é preciso afastar Donald Trump da presidência dos Estados Unidos. Para isso o partido não podia continuar dividido. Para isso não bastava um candidato sereno. Foi por isso que Biden chamou Kamala Harris. Para procurar a união - até dos que votaram Trump há quatro anos:

"Vejo a nossa nação como uma comunidade amada, onde todos são bem-vindos, independentemente da nossa aparência, de onde vimos ou a quem amamos. Um país onde podemos não estar de acordo em relação a tudo, mas estamos unidos pela convicção fundamental de que cada ser humano tem um valor infinito, e merece compaixão, dignidade e respeito".

Hoje, no dia final da convenção, será a vez de Biden lançar a sua campanha. Na companhia de alguns republicanos que assumiram a ruptura com Trump. “Este Partido Republicano não é para conservadores. Transformou-se numa seita”, dizia um deles ao Expresso na noite de terça-feira, sabendo como todos correm risco de serem expulsos da Igreja se o atual Presidente for reeleito. Trump, já se sabe, fará a sua própria convenção na próxima semana, depois de ter transformado uma eleição já marcada pela pandemia numa assumida batalha contra o voto por correspondência, usando para isso os próprios correios federais dos EUA.

É isto: a batalha dos que unem contra o que divide; a batalha dos que se apoiam na ciência contra os que remam contra ela; a batalha dos que vêem no mundo aliados e dos que procuram nele adversários. Hoje, a América entra na reta final de uma campanha definidora: a escolha do próximo Presidente dos EUA acontece em plena crise pandémica, económica e social, e vai determinar em muito a forma como a América sairá dela. Não será exagero dizer, até, a forma como todos sairemos dela. Resta-nos aquele lema, em jeito de suspiro: God bless America.

Por cá, António Costa meteu-se numa batalha diferente. Também no meio de uma crise pandémica, económica e social, o primeiro-ministro não se limitou ontem a reiterar a defesa da sua ministra da Solidariedade (muito criticada depois da entrevista ao Expresso em que desvalorizou o número de casos de covid-19 em lares; em que disse não ter como "objetivo" procurar culpados; e em que admitiu não ter lido o relatório da Ordem dos Médicos sobre o que aconteceu em Renguengos de Monsaraz). Não, desta vez António Costa decidiu atacar a própria Ordem dos Médicos por ter feito esse mesmo relatório. Foi levado, mas direto: "É fácil ficar no nosso consultório e passar o dia a falar por videoconferência para as televisões, opinando sobre o que acontece aqui e ali."

Não foi um acaso, nem uma expressão mal medida. Costa quis marcar o dia com o anúncio repetido de 100 milhões de investimento nos lares, convocando para a fotografia os principais responsáveis pelo setor para o lado da ministra. Um a um, estes elogiaram o Governo e defenderam os próprios lares das críticas de "carpideiras" que perguntam como vamos enfrentar o Inverno nos lares se não conseguimos tomar conta deles no Verão (veja, por exemplo, o caso de Odivelas, hoje descrito pelo Público).

O que nem Costa, nem a ministra, nem os responsáveis pelos lares, explicaram foi como a ministra dizia num dia que não tinha lido o relatório e três dias depois já tinha lido todos; como a ministra dizia não ter pedido uma inspecção e, quatro dias passados, se sabia que tinha sido pedido um "relatório"; ou sequer como esse relatório pode ser mostrado como "atempado", quando foi pedido já depois da 16ª morte em Reguengos e 21 dias depois dos avisos dos médicos. Assim como não se explica como no sábado eram 100 as vistorias feitas pela Segurança Social aos lares e hoje, ao JN, se contam 500.

O primeiro-ministro, percebe-se agora, usará a Ordem dos Médicos como alvo. Porá em causa a parcialidade do inquérito da Ordem, alegando que os médicos agiram em auto-defesa depois de se terem recusado a prestar cuidados no lar (será que não podem?). Fazendo esquecer com isso que os inquéritos da ARS e das Misericórdias serão tão ou mais parciais do que o da Ordem; tapando assim as muitas (e assustadoras) dúvidas sobre o que se passou em Reguengos; e abrindo, para defender a sua ministra, uma guerra com os médicos, a meio de uma dura batalha contra a pandemia.

Talvez, afinal, ainda falte estômago ao primeiro-ministro para enfrentar o que aí vem. Ou para aceitar as críticas de que o Governo possa ser alvo. É bom lembrar: para azar de António Costa, para nosso pesar, a pandemia ainda vai no adro.

Viva!

Na América começou o tudo ou nada: um a um, Hillary Clinton, Barack Obama e Kamala Harris desfilaram esta noite discursos na convenção Democrata. Foi uma derradeira prova de união, aquela que faltou a Hillary para ser eleita há quatro anos; aquela que removeu boa parte do legado que deixou Obama. O ex-presidente foi direto ao antecessor: "Esta administração demonstrou que destruirá a nossa democracia se isso for necessário para vencer".

Até para a ala progressista, de Bernie Sanders ou Ocasio-Cortez, o objetivo tornou-se claro: mais do que transformar radicalmente a América, é preciso afastar Donald Trump da presidência dos Estados Unidos. Para isso o partido não podia continuar dividido. Para isso não bastava um candidato sereno. Foi por isso que Biden chamou Kamala Harris. Para procurar a união - até dos que votaram Trump há quatro anos:

"Vejo a nossa nação como uma comunidade amada, onde todos são bem-vindos, independentemente da nossa aparência, de onde vimos ou a quem amamos. Um país onde podemos não estar de acordo em relação a tudo, mas estamos unidos pela convicção fundamental de que cada ser humano tem um valor infinito, e merece compaixão, dignidade e respeito".

Hoje, no dia final da convenção, será a vez de Biden lançar a sua campanha. Na companhia de alguns republicanos que assumiram a ruptura com Trump. “Este Partido Republicano não é para conservadores. Transformou-se numa seita”, dizia um deles ao Expresso na noite de terça-feira, sabendo como todos correm risco de serem expulsos da Igreja se o atual Presidente for reeleito. Trump, já se sabe, fará a sua própria convenção na próxima semana, depois de ter transformado uma eleição já marcada pela pandemia numa assumida batalha contra o voto por correspondência, usando para isso os próprios correios federais dos EUA.

É isto: a batalha dos que unem contra o que divide; a batalha dos que se apoiam na ciência contra os que remam contra ela; a batalha dos que vêem no mundo aliados e dos que procuram nele adversários. Hoje, a América entra na reta final de uma campanha definidora: a escolha do próximo Presidente dos EUA acontece em plena crise pandémica, económica e social, e vai determinar em muito a forma como a América sairá dela. Não será exagero dizer, até, a forma como todos sairemos dela. Resta-nos aquele lema, em jeito de suspiro: God bless America.

Por cá, António Costa meteu-se numa batalha diferente. Também no meio de uma crise pandémica, económica e social, o primeiro-ministro não se limitou ontem a reiterar a defesa da sua ministra da Solidariedade (muito criticada depois da entrevista ao Expresso em que desvalorizou o número de casos de covid-19 em lares; em que disse não ter como "objetivo" procurar culpados; e em que admitiu não ter lido o relatório da Ordem dos Médicos sobre o que aconteceu em Renguengos de Monsaraz). Não, desta vez António Costa decidiu atacar a própria Ordem dos Médicos por ter feito esse mesmo relatório. Foi levado, mas direto: "É fácil ficar no nosso consultório e passar o dia a falar por videoconferência para as televisões, opinando sobre o que acontece aqui e ali."

Não foi um acaso, nem uma expressão mal medida. Costa quis marcar o dia com o anúncio repetido de 100 milhões de investimento nos lares, convocando para a fotografia os principais responsáveis pelo setor para o lado da ministra. Um a um, estes elogiaram o Governo e defenderam os próprios lares das críticas de "carpideiras" que perguntam como vamos enfrentar o Inverno nos lares se não conseguimos tomar conta deles no Verão (veja, por exemplo, o caso de Odivelas, hoje descrito pelo Público).

O que nem Costa, nem a ministra, nem os responsáveis pelos lares, explicaram foi como a ministra dizia num dia que não tinha lido o relatório e três dias depois já tinha lido todos; como a ministra dizia não ter pedido uma inspecção e, quatro dias passados, se sabia que tinha sido pedido um "relatório"; ou sequer como esse relatório pode ser mostrado como "atempado", quando foi pedido já depois da 16ª morte em Reguengos e 21 dias depois dos avisos dos médicos. Assim como não se explica como no sábado eram 100 as vistorias feitas pela Segurança Social aos lares e hoje, ao JN, se contam 500.

O primeiro-ministro, percebe-se agora, usará a Ordem dos Médicos como alvo. Porá em causa a parcialidade do inquérito da Ordem, alegando que os médicos agiram em auto-defesa depois de se terem recusado a prestar cuidados no lar (será que não podem?). Fazendo esquecer com isso que os inquéritos da ARS e das Misericórdias serão tão ou mais parciais do que o da Ordem; tapando assim as muitas (e assustadoras) dúvidas sobre o que se passou em Reguengos; e abrindo, para defender a sua ministra, uma guerra com os médicos, a meio de uma dura batalha contra a pandemia.

Talvez, afinal, ainda falte estômago ao primeiro-ministro para enfrentar o que aí vem. Ou para aceitar as críticas de que o Governo possa ser alvo. É bom lembrar: para azar de António Costa, para nosso pesar, a pandemia ainda vai no adro.

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