Listen. Ana Rocha de Sousa a fazer-se ouvir (e ver) em Veneza

17-09-2020
marcar artigo

Um momento raro no cinema português, ainda que nos últimos anos se venha acumulando o número de vezes que esta ideia se repete. Completam-se agora quatro anos que Marco Martins levou “São Jorge” ao Festival de Cinema de Veneza, quatro anos desde que, não o filme, mas o seu protagonista - Nuno Lopes, no papel de Jorge - foi distinguido como o melhor ator na secção Horizontes, dedicada a filmes que representam novas tendências estéticas e expressivas do cinema mundial, com especial enfoque na produção independente. Na mesma secção estreou Ana Rocha de Sousa nesta edição em ano de pandemia a sua primeira longa-metragem, Listen, que logo na véspera da entrega de prémios oficiais foi distinguida com o Bisato d’Oro de melhor realização (prémio paralelo aos galardões oficiais atribuído por um júri independente, à semelhança dos prémios da FIPRESCI), com que no ano passado havia já sido distinguido Tiago Guedes por “A Herdade”, que integrava a seleção da Competição. E ainda com o prémio Sorriso Diverso Venezia. Festejados os galardões, estariam ainda outros dois por vir, na cerimónia da entrega de prémios oficial, no sábado: o prémio especial do júri da secção Horizontes e o Leão do Futuro, prémio revelação que distingue primeiras obras.

Um momento raro para o cinema português, sim, como se apressou a reagir o produtor, Rodrigo Areias, citado pela agência Lusa: “Para uma realizadora que faz um primeiro filme e ganhar um grande prémio, o prémio especial do júri é um privilégio grande, como é óbvio. Estes prémios todos juntos acaba por ser uma coisa absolutamente incrível. Ganha dois leões oficiais e dois prémios paralelos”. Ana Rocha de Sousa foi entretanto felicitada por Marcelo e pelo Governo, através do secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, que falou numa “revelação absoluta, mesmo para Portugal”. “É um prémio para ela e para a equipa, mas é também uma forma de reconhecimento do cinema português e numa situação de coprodução”, afirmou Nuno Artur Silva. Produzido pela Bando à Parte, do também realizador Rodrigo Areias, Listen tem coprodução da Pinball London.

Ao reunir quatro distinções à estreia da sua primeira longa-metragem, Ana Rocha de Sousa posiciona-se entre um grupo que se vai formando de jovens realizadoras portuguesas a colherem os frutos do seu trabalho nos mais relevantes festivais de cinema europeus - ainda em fevereiro deste ano, antes do confinamento a que obrigou a pandemia, Catarina Vasconcelos, que estreara a sua também primeira longa-metragem, A Metamorfose dos Pássaros, na nova secção Encontros da Berlinale, era distinguida com o prémio FIPRESCI.

de riscos aos horizontes de veneza Não foi preciso ser assunto de notícia pelas distinções nos últimos dias para que o país soubesse quem é Ana Rocha de Sousa. O seu rosto era bem conhecido daqueles que acompanhavam ainda na segunda metade da década de 1990 a série Riscos, da RTP. E pela televisão se manteve como atriz até 2006, altura em que representou pela última vez para o pequeno ecrã, em Jura, uma telenovela transmitida pela SIC. Depois disso, poderá ter havido quem se tenha perguntado sobre o que era feito da Mariana de Riscos. Entre muito pontuais participações em curtas-metragens, nem uma mão delas, e uma longa (Até Onde?, de Carlos M. Barros, 2011), Ana Rocha andou afinal a preparar-se para chegar aqui.

Estudou cinema em Londres, na London Film School e realizou entretanto duas curtas-metragens: Jantamos cedo, em 2009, e Minha Alma and You, em 2013. Justamente dessa cidade - ou entre ela e aquela que é também uma realidade portuguesa - surgiu Listen. Uma história passada no Reino Unido mas que é também uma história portuguesa que já antes do reconhecimento em Veneza tinha assegurada em Portugal distribuição da NOS, que anunciara a sua estreia para o próximo ano. Protagonizado por Lúcia Moniz, Ruben Garcia e a britânica Sophia Myles e baseado em factos reais, Listen gira em torno do drama de um casal português emigrado em Londres, Bela e Jota, a quem os serviços sociais retiraram os filhos por dúvidas sobre a sua segurança. É um drama familiar sobre “a luta pela união da família após um erro irreversível”.

O superior interesse das crianças O assunto fez há não muitos anos correr tinta nos jornais; nas televisões, deu origem a várias reportagens: o drama dos pais que perdem os seus filhos às mãos do rígido, por vezes cego, sistema de proteção de menores britânico. Aconteceu já com vários pais portugueses. Em 2015, uma mãe portuguesa perdeu dois dos seus cinco filhos para a adoção por alegados maus tratos físicos, num processo que se arrastou ao longo de dois anos. No ano seguinte, a revista Visão fazia capa com as 47 famílias portuguesas a viver no Reino Unido às quais os serviços sociais haviam retirado os seus filhos desde 2010, devido a uma lei que muitos consideram “demasiado restritiva” e promotora de “adoções forçadas”, uma vez que permite a entrega das crianças para adoção em poucas semanas e sem o consentimento dos progenitores.

A esse mesmo ano de 2016 contou Ana Rocha de Sousa à agência Lusa antes da partida para Veneza remontar o início do filme que no festival se estreou como Listen e que em Portugal se estreará como Ouve-me. Um filme com que, depois de tomar conhecimento desta realidade e de ela própria ter sido mãe, pretende levantar questões: “Não é de todo um filme contra ninguém em específico, mas pretende levantar questões; se não haverá outras formas de salvaguardar o superior interesse estas crianças e destas famílias para lá da adoção”, afirmou. “A grande dificuldade do tema são algumas definições demasiado subjetivas em termos legais que tornam o sistema [social] muito falível”.

Na secção em que competia Listen, vencedor do prémio especial do júri, The Wasteland, de Ahmad Bahrami, venceu o prémio de melhor filme e Pietro Castellitto o de melhor realização com I Predatori. The Shift, de Laura Carreira, que competia na mesma secção, foi o nomeado pelo júri para os prémios os European Film Awards deste ano. Na Competição, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett atribuiu o prémio máximo do festival, o Leão de Ouro, a Nomadland, da chinesa Chloé Zhao e protagonizado por Frances MacDormand. O Leão de Prata -de melhor realização foi para o cineasta japonês Kiyoshi Kurosawa, pelo filme Wife of a Spy e Nova Ordem, de Michel Franco, foi o vencedor do Grande Prémio do Júri.

Um momento raro no cinema português, ainda que nos últimos anos se venha acumulando o número de vezes que esta ideia se repete. Completam-se agora quatro anos que Marco Martins levou “São Jorge” ao Festival de Cinema de Veneza, quatro anos desde que, não o filme, mas o seu protagonista - Nuno Lopes, no papel de Jorge - foi distinguido como o melhor ator na secção Horizontes, dedicada a filmes que representam novas tendências estéticas e expressivas do cinema mundial, com especial enfoque na produção independente. Na mesma secção estreou Ana Rocha de Sousa nesta edição em ano de pandemia a sua primeira longa-metragem, Listen, que logo na véspera da entrega de prémios oficiais foi distinguida com o Bisato d’Oro de melhor realização (prémio paralelo aos galardões oficiais atribuído por um júri independente, à semelhança dos prémios da FIPRESCI), com que no ano passado havia já sido distinguido Tiago Guedes por “A Herdade”, que integrava a seleção da Competição. E ainda com o prémio Sorriso Diverso Venezia. Festejados os galardões, estariam ainda outros dois por vir, na cerimónia da entrega de prémios oficial, no sábado: o prémio especial do júri da secção Horizontes e o Leão do Futuro, prémio revelação que distingue primeiras obras.

Um momento raro para o cinema português, sim, como se apressou a reagir o produtor, Rodrigo Areias, citado pela agência Lusa: “Para uma realizadora que faz um primeiro filme e ganhar um grande prémio, o prémio especial do júri é um privilégio grande, como é óbvio. Estes prémios todos juntos acaba por ser uma coisa absolutamente incrível. Ganha dois leões oficiais e dois prémios paralelos”. Ana Rocha de Sousa foi entretanto felicitada por Marcelo e pelo Governo, através do secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, que falou numa “revelação absoluta, mesmo para Portugal”. “É um prémio para ela e para a equipa, mas é também uma forma de reconhecimento do cinema português e numa situação de coprodução”, afirmou Nuno Artur Silva. Produzido pela Bando à Parte, do também realizador Rodrigo Areias, Listen tem coprodução da Pinball London.

Ao reunir quatro distinções à estreia da sua primeira longa-metragem, Ana Rocha de Sousa posiciona-se entre um grupo que se vai formando de jovens realizadoras portuguesas a colherem os frutos do seu trabalho nos mais relevantes festivais de cinema europeus - ainda em fevereiro deste ano, antes do confinamento a que obrigou a pandemia, Catarina Vasconcelos, que estreara a sua também primeira longa-metragem, A Metamorfose dos Pássaros, na nova secção Encontros da Berlinale, era distinguida com o prémio FIPRESCI.

de riscos aos horizontes de veneza Não foi preciso ser assunto de notícia pelas distinções nos últimos dias para que o país soubesse quem é Ana Rocha de Sousa. O seu rosto era bem conhecido daqueles que acompanhavam ainda na segunda metade da década de 1990 a série Riscos, da RTP. E pela televisão se manteve como atriz até 2006, altura em que representou pela última vez para o pequeno ecrã, em Jura, uma telenovela transmitida pela SIC. Depois disso, poderá ter havido quem se tenha perguntado sobre o que era feito da Mariana de Riscos. Entre muito pontuais participações em curtas-metragens, nem uma mão delas, e uma longa (Até Onde?, de Carlos M. Barros, 2011), Ana Rocha andou afinal a preparar-se para chegar aqui.

Estudou cinema em Londres, na London Film School e realizou entretanto duas curtas-metragens: Jantamos cedo, em 2009, e Minha Alma and You, em 2013. Justamente dessa cidade - ou entre ela e aquela que é também uma realidade portuguesa - surgiu Listen. Uma história passada no Reino Unido mas que é também uma história portuguesa que já antes do reconhecimento em Veneza tinha assegurada em Portugal distribuição da NOS, que anunciara a sua estreia para o próximo ano. Protagonizado por Lúcia Moniz, Ruben Garcia e a britânica Sophia Myles e baseado em factos reais, Listen gira em torno do drama de um casal português emigrado em Londres, Bela e Jota, a quem os serviços sociais retiraram os filhos por dúvidas sobre a sua segurança. É um drama familiar sobre “a luta pela união da família após um erro irreversível”.

O superior interesse das crianças O assunto fez há não muitos anos correr tinta nos jornais; nas televisões, deu origem a várias reportagens: o drama dos pais que perdem os seus filhos às mãos do rígido, por vezes cego, sistema de proteção de menores britânico. Aconteceu já com vários pais portugueses. Em 2015, uma mãe portuguesa perdeu dois dos seus cinco filhos para a adoção por alegados maus tratos físicos, num processo que se arrastou ao longo de dois anos. No ano seguinte, a revista Visão fazia capa com as 47 famílias portuguesas a viver no Reino Unido às quais os serviços sociais haviam retirado os seus filhos desde 2010, devido a uma lei que muitos consideram “demasiado restritiva” e promotora de “adoções forçadas”, uma vez que permite a entrega das crianças para adoção em poucas semanas e sem o consentimento dos progenitores.

A esse mesmo ano de 2016 contou Ana Rocha de Sousa à agência Lusa antes da partida para Veneza remontar o início do filme que no festival se estreou como Listen e que em Portugal se estreará como Ouve-me. Um filme com que, depois de tomar conhecimento desta realidade e de ela própria ter sido mãe, pretende levantar questões: “Não é de todo um filme contra ninguém em específico, mas pretende levantar questões; se não haverá outras formas de salvaguardar o superior interesse estas crianças e destas famílias para lá da adoção”, afirmou. “A grande dificuldade do tema são algumas definições demasiado subjetivas em termos legais que tornam o sistema [social] muito falível”.

Na secção em que competia Listen, vencedor do prémio especial do júri, The Wasteland, de Ahmad Bahrami, venceu o prémio de melhor filme e Pietro Castellitto o de melhor realização com I Predatori. The Shift, de Laura Carreira, que competia na mesma secção, foi o nomeado pelo júri para os prémios os European Film Awards deste ano. Na Competição, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett atribuiu o prémio máximo do festival, o Leão de Ouro, a Nomadland, da chinesa Chloé Zhao e protagonizado por Frances MacDormand. O Leão de Prata -de melhor realização foi para o cineasta japonês Kiyoshi Kurosawa, pelo filme Wife of a Spy e Nova Ordem, de Michel Franco, foi o vencedor do Grande Prémio do Júri.

marcar artigo