Contestação social seria violenta

05-12-2019
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Hugo Amaral

Hugo Amaral

Contestação social seria violenta

Liliana Valente

Texto

Muitas manifestações, mas não tão violentas quanto se esperava. Os portugueses habituaram-se à austeridade?

22 Jun 2014, 13:22

As televisões mostravam cidadãos gregos a partir montras, a incendiar carros e, nas piores manifestações, algumas mortes. Por cá, ainda a troika não estava a fazer contas há um ano e já o Presidente da República traçava o cenário: “A situação social poderá tornar-se insustentável”.

“A situação social poderá tornar-se insustentável e não será possível recuperar a confiança e a credibilidade externa do país"

Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, mensagem de ano novo 2012

Portugal assistia a anos atípicos de contestação social. A uma “explosão”, como lhe chama o sociólogo Miguel Cabrita, do ISCTE. Mas a explosão, que começou em 2011 com o movimento nascido nas redes sociais “Geração à rasca”, teve continuidade por pouco tempo, quando comparado com outros países europeus, com ou sem resgate, como a Grécia e Espanha.

Manifestação da "Geração à rasca" de Março de 2011

4 fotos

A Reuters resumia, em março de 2012, a pouca apetência dos portugueses para a contestação: “Portugal, sem historial verdadeiro de protestos, mostrou até agora pouca paixão pelo tipo de protestos violentos e greves frequentes que atingiram a Grécia”.“Portugal, sem historial verdadeiro de protestos, mostrou até agora pouca paixão pelo tipo de protestos violentos e greves frequentes que atingiram a Grécia”.Em Portugal, de resto, os protestos sempre foram de menor dimensão, aconteceram com menor frequência e foram menos violentos do que em outros países da Europa.Apesar da austeridade causada pelo programa de ajustamento, a tendência manteve-se, em comparação com países como Grécia, Espanha ou, mesmo, França e Itália. Mas, olhando apenas para a realidade portuguesa, os anos da troika trouxeram, mesmo assim,  algumas inovações. Primeiro, porque a contestação social mais intensa, sobretudo em 2012, começou por movimentos “inorgânicos”, ou seja, sem ligação a partidos e a organizações como sindicatos, diz o sociólogo Miguel Cabrita. E depois porque, numa segunda fase, em 2013, os protestos de estruturas organizadas tomaram, com uma maior frequência, um caráter mais violento: por exemplo, as entradas em ministérios e as manifestações dos polícias.

▲ Protestos dos polícias, em Novembro de 2013, quando estes subiram as escadarias da AR
AFP/Getty Images

O ano do brutal aumento de impostos e da crise política não teve, no entanto, paralelo na rua, apesar de a revista The Economist colocar Portugal em alto risco de contestação ao lado de países como Irão, Brasil, Chipre, Espanha ou México, em 2013. À “Geração à rasca” sucedeu o movimento “Que se lixe a troika”, que organizou durante largos meses manifestações pontuais – as “grandoladas” -, mas também a grande manifestação de setembro de 2012, que acabou por fazer cair o anunciado aumento da taxa social única (TSU). Mas até o “Que se lixe a troika” foi perdendo expressão durante o ano passado e 2014 tem sido o ano mais calmo nas ruas.Em 2011, houve  702 operações policiais em manifestações e greves que envolveram 9.277 polícias.Em 2012, multiplicaram-se. Foram 3.012 operações que envolveram quase o dobro dos polícias: 16.672 polícias.Em 2013, diminuiu o número de operações policiais, mas duplicou o número de polícias envolvidos (31.257), segundo dados dos Relatórios Anuais de Segurança Interna.O desinteresse
Mas qual a justificação para o abrandamento da contestação quando a austeridade não diminuiu? Para o sociólogo Miguel Cabrita, há várias justificações, mas na raiz das causas está a forte tendência dos portugueses para a não participação em tudo. O desinteresse pela política, pelos partidos e até pela sindicalização levaram a que, mesmo os que sentiram a austeridade na pele, tenham ido a uma ou duas manifestações e depois deixaram de aparecer. Além da cultura, outro fator que terá contribuído para o desinteresse terá sido, também, o facto de a contestação não ter provocado mudança nas políticas, exceto no caso da TSU.Portugal sem extremos
O slogan do primeiro-ministro no início do mandato, “Portugal não é a Grécia”, aplicou-se também no caso da contestação social. Para Miguel Cabrita, outra grande diferença entre os dois países intervencionados prendeu-se com o facto de na Grécia o próprio sistema político estar em crise, com maior força dos movimentos extremistas e com o enfraquecimento do partido do regime, PASOK, o que não contribui para o equilíbrio na rua.

O contrário é notado por cá pelas autoridades: “A violência induzida por estes grupos [anti-capitalistas autónomos e anarquistas] nas manifestações de 2012 não teve sequência, ao contrário do que seria expetável. (…) Isoladamente, anticapitalistas autónomos e anarquistas continuam a não ter capacidade para concretizar os seus objectivos revolucionários”, descreve o Relatório de Segurança Interna de 2013.Mas além do não avanço exagerado de forças extremistas, há um papel que é salientado: os sindicatos, em especial a estrutura da CGTP, têm tido um papel importante para manter a violência longe das manifestações. Lembra o sociólogo que tanto a UGT quer manter o papel de parceiro social e evitar a descredibilização de uma manifestação social violenta como, por outro lado, a CGTP, pela sua ligação ao PCP, quer evitar extremismos violentos.Com o fim da troika, a contestação na rua também voltará à normalidade portuguesa. Os sindicatos prometem não dar tréguas à austeridade. Contudo, a mobilização será agora mais focada no Governo e menos na troika, que tinha um caráter muito mobilizador.Veja aqui os outros mitos:A troika iria destruir o Estado socialGoverno não chegava até ao fim da legislaturaPrograma perfeito para reformasDinheiro da troika não era suficientePortugal ia sair do euro 

Governo

Manifestações

Política

Troika

Protestos

Sociedade

Proponha uma correção, sugira uma pista: lvalente@observador.pt

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Contestação social seria violenta

Liliana Valente

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Muitas manifestações, mas não tão violentas quanto se esperava. Os portugueses habituaram-se à austeridade?

22 Jun 2014, 13:22

As televisões mostravam cidadãos gregos a partir montras, a incendiar carros e, nas piores manifestações, algumas mortes. Por cá, ainda a troika não estava a fazer contas há um ano e já o Presidente da República traçava o cenário: “A situação social poderá tornar-se insustentável”.

“A situação social poderá tornar-se insustentável e não será possível recuperar a confiança e a credibilidade externa do país"

Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, mensagem de ano novo 2012

Portugal assistia a anos atípicos de contestação social. A uma “explosão”, como lhe chama o sociólogo Miguel Cabrita, do ISCTE. Mas a explosão, que começou em 2011 com o movimento nascido nas redes sociais “Geração à rasca”, teve continuidade por pouco tempo, quando comparado com outros países europeus, com ou sem resgate, como a Grécia e Espanha.

Manifestação da "Geração à rasca" de Março de 2011

4 fotos

A Reuters resumia, em março de 2012, a pouca apetência dos portugueses para a contestação: “Portugal, sem historial verdadeiro de protestos, mostrou até agora pouca paixão pelo tipo de protestos violentos e greves frequentes que atingiram a Grécia”.“Portugal, sem historial verdadeiro de protestos, mostrou até agora pouca paixão pelo tipo de protestos violentos e greves frequentes que atingiram a Grécia”.Em Portugal, de resto, os protestos sempre foram de menor dimensão, aconteceram com menor frequência e foram menos violentos do que em outros países da Europa.Apesar da austeridade causada pelo programa de ajustamento, a tendência manteve-se, em comparação com países como Grécia, Espanha ou, mesmo, França e Itália. Mas, olhando apenas para a realidade portuguesa, os anos da troika trouxeram, mesmo assim,  algumas inovações. Primeiro, porque a contestação social mais intensa, sobretudo em 2012, começou por movimentos “inorgânicos”, ou seja, sem ligação a partidos e a organizações como sindicatos, diz o sociólogo Miguel Cabrita. E depois porque, numa segunda fase, em 2013, os protestos de estruturas organizadas tomaram, com uma maior frequência, um caráter mais violento: por exemplo, as entradas em ministérios e as manifestações dos polícias.

▲ Protestos dos polícias, em Novembro de 2013, quando estes subiram as escadarias da AR
AFP/Getty Images

O ano do brutal aumento de impostos e da crise política não teve, no entanto, paralelo na rua, apesar de a revista The Economist colocar Portugal em alto risco de contestação ao lado de países como Irão, Brasil, Chipre, Espanha ou México, em 2013. À “Geração à rasca” sucedeu o movimento “Que se lixe a troika”, que organizou durante largos meses manifestações pontuais – as “grandoladas” -, mas também a grande manifestação de setembro de 2012, que acabou por fazer cair o anunciado aumento da taxa social única (TSU). Mas até o “Que se lixe a troika” foi perdendo expressão durante o ano passado e 2014 tem sido o ano mais calmo nas ruas.Em 2011, houve  702 operações policiais em manifestações e greves que envolveram 9.277 polícias.Em 2012, multiplicaram-se. Foram 3.012 operações que envolveram quase o dobro dos polícias: 16.672 polícias.Em 2013, diminuiu o número de operações policiais, mas duplicou o número de polícias envolvidos (31.257), segundo dados dos Relatórios Anuais de Segurança Interna.O desinteresse
Mas qual a justificação para o abrandamento da contestação quando a austeridade não diminuiu? Para o sociólogo Miguel Cabrita, há várias justificações, mas na raiz das causas está a forte tendência dos portugueses para a não participação em tudo. O desinteresse pela política, pelos partidos e até pela sindicalização levaram a que, mesmo os que sentiram a austeridade na pele, tenham ido a uma ou duas manifestações e depois deixaram de aparecer. Além da cultura, outro fator que terá contribuído para o desinteresse terá sido, também, o facto de a contestação não ter provocado mudança nas políticas, exceto no caso da TSU.Portugal sem extremos
O slogan do primeiro-ministro no início do mandato, “Portugal não é a Grécia”, aplicou-se também no caso da contestação social. Para Miguel Cabrita, outra grande diferença entre os dois países intervencionados prendeu-se com o facto de na Grécia o próprio sistema político estar em crise, com maior força dos movimentos extremistas e com o enfraquecimento do partido do regime, PASOK, o que não contribui para o equilíbrio na rua.

O contrário é notado por cá pelas autoridades: “A violência induzida por estes grupos [anti-capitalistas autónomos e anarquistas] nas manifestações de 2012 não teve sequência, ao contrário do que seria expetável. (…) Isoladamente, anticapitalistas autónomos e anarquistas continuam a não ter capacidade para concretizar os seus objectivos revolucionários”, descreve o Relatório de Segurança Interna de 2013.Mas além do não avanço exagerado de forças extremistas, há um papel que é salientado: os sindicatos, em especial a estrutura da CGTP, têm tido um papel importante para manter a violência longe das manifestações. Lembra o sociólogo que tanto a UGT quer manter o papel de parceiro social e evitar a descredibilização de uma manifestação social violenta como, por outro lado, a CGTP, pela sua ligação ao PCP, quer evitar extremismos violentos.Com o fim da troika, a contestação na rua também voltará à normalidade portuguesa. Os sindicatos prometem não dar tréguas à austeridade. Contudo, a mobilização será agora mais focada no Governo e menos na troika, que tinha um caráter muito mobilizador.Veja aqui os outros mitos:A troika iria destruir o Estado socialGoverno não chegava até ao fim da legislaturaPrograma perfeito para reformasDinheiro da troika não era suficientePortugal ia sair do euro 

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