Portugal racista e os cúmplices

11-09-2020
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Num país em que uma vítima de racismo é julgada e sentenciada sem que se conheça o estado em que estão os processos contra os agressores, já podemos assumir que o racismo não é apenas um desvio de dúzia e meia de malucos e que o resto do país também tem responsabilidades pela generalizada indiferença com que lida com o tema? Num país em que o governante que tem responsabilidades nesta matéria, meio ano depois do flagrante delito, no mesmo mês em que a vítima foi sentenciada, o que tem para lhe dizer é que "para ser uma boa justiça nunca pode haver resultados imediatos", já podemos assumir que há uma cumplicidade do governo no falhanço da luta contra o racismo?

É chover no molhado apontar o dedo à extrema incompetência de João Paulo Rebelo. Não pode ser a permanência desta nulidade política no governo a justificar a incompetência das instituições na forma como lidam com o fenómeno do racismo em Portugal. Onde foi parar a indignação generalizada com o ataque racista de que Marega foi vítima no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães? Onde pára o Presidente da República que apareceu indignado a defender a Constituição e a condenar o racismo? Onde pára o primeiro-ministro que apareceu pronto a concluir que "nenhum ser humano deve ser sujeito a esta humilhação"? Onde pára o presidente da Federação Portuguesa de Futebol que rapidamente apareceu a prometer mão dura, porque "os comportamentos racistas são intoleráveis numa sociedade aberta e evoluída"?

Triste coincidência, a de Marega ter sido sentenciado pelo Conselho de Disciplina da FPF, por ter mandado "foder" os que o trataram como um macaco, num tempo mediático em que a polícia dos Estados Unidos voltou a ser notícia em todo o mundo por ter baleado sete vezes pelas costas um cidadão negro. Poucos quiseram saber desta incongruência da justiça desportiva portuguesa, que se dá ao trabalho de ilibar uma vítima sem sequer ter acusado os seus agressores. Como se não fosse possível manifestarmos a mais profunda indignação face ao crime contra Jacob Blake, sem facilitar na vigilância do racismo que existe e cresce em Portugal. Estão aí vários episódios a provar, aos que ainda tinham dúvidas, que o racismo está bem vivo, sem vergonha, e a pedir mais atenção ao que temos dentro de portas. Também há por cá polícias racistas alinhados com a extrema-direita, criminosos a ameaçar activistas e deputados, KKK a fazer manifestações intimidatórias, cidadãos negros vítimas de inúmeras discriminações. Precisamos de nos indignar, porque um jogador negro foi vítima de insultos racistas e mais de meio ano depois não há uma única pessoa a ser julgada por esse crime.

O racismo existe e cresce em Portugal. Estão aí vários episódios a provar, aos que ainda tinham dúvidas, que o racismo está bem vivo, sem vergonha e a pedir mais atenção ao que temos dentro e fora de portas.

A Autoridade para o Combate à Violência no Desporto abriu um processo, um grupo de magistrados, pertencente a uma unidade anti-racista, assistiu a tudo e o Ministério Público também abriu um inquérito, mas ninguém sabe o que é feito dos adeptos identificados pela PSP. Poucos se incomodam com o facto de ninguém esperar coisa alguma da justiça portuguesa sobre este caso. O racismo em Portugal só não obteve uma vitória em toda a linha porque a falta de sentença para os agressores de Marega não foi acompanhada por uma condenação do jogador. Podia não ter sido assim, tendo em conta que ele também se queixou do árbitro, desejando "nunca mais o encontrar num campo de futebol", por não o ter defendido dos ataques racistas e até lhe ter mostrado um cartão amarelo. As instituições responsáveis pela gestão do futebol português já mostraram ser bastante mais lestas a condenar quem põe em causa o seu funcionamento e os seus interesses do que quem comete crimes e põe em causa a Constituição portuguesa.

Jornalista

Escreve de acordo com a antiga ortografia

Num país em que uma vítima de racismo é julgada e sentenciada sem que se conheça o estado em que estão os processos contra os agressores, já podemos assumir que o racismo não é apenas um desvio de dúzia e meia de malucos e que o resto do país também tem responsabilidades pela generalizada indiferença com que lida com o tema? Num país em que o governante que tem responsabilidades nesta matéria, meio ano depois do flagrante delito, no mesmo mês em que a vítima foi sentenciada, o que tem para lhe dizer é que "para ser uma boa justiça nunca pode haver resultados imediatos", já podemos assumir que há uma cumplicidade do governo no falhanço da luta contra o racismo?

É chover no molhado apontar o dedo à extrema incompetência de João Paulo Rebelo. Não pode ser a permanência desta nulidade política no governo a justificar a incompetência das instituições na forma como lidam com o fenómeno do racismo em Portugal. Onde foi parar a indignação generalizada com o ataque racista de que Marega foi vítima no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães? Onde pára o Presidente da República que apareceu indignado a defender a Constituição e a condenar o racismo? Onde pára o primeiro-ministro que apareceu pronto a concluir que "nenhum ser humano deve ser sujeito a esta humilhação"? Onde pára o presidente da Federação Portuguesa de Futebol que rapidamente apareceu a prometer mão dura, porque "os comportamentos racistas são intoleráveis numa sociedade aberta e evoluída"?

Triste coincidência, a de Marega ter sido sentenciado pelo Conselho de Disciplina da FPF, por ter mandado "foder" os que o trataram como um macaco, num tempo mediático em que a polícia dos Estados Unidos voltou a ser notícia em todo o mundo por ter baleado sete vezes pelas costas um cidadão negro. Poucos quiseram saber desta incongruência da justiça desportiva portuguesa, que se dá ao trabalho de ilibar uma vítima sem sequer ter acusado os seus agressores. Como se não fosse possível manifestarmos a mais profunda indignação face ao crime contra Jacob Blake, sem facilitar na vigilância do racismo que existe e cresce em Portugal. Estão aí vários episódios a provar, aos que ainda tinham dúvidas, que o racismo está bem vivo, sem vergonha, e a pedir mais atenção ao que temos dentro de portas. Também há por cá polícias racistas alinhados com a extrema-direita, criminosos a ameaçar activistas e deputados, KKK a fazer manifestações intimidatórias, cidadãos negros vítimas de inúmeras discriminações. Precisamos de nos indignar, porque um jogador negro foi vítima de insultos racistas e mais de meio ano depois não há uma única pessoa a ser julgada por esse crime.

O racismo existe e cresce em Portugal. Estão aí vários episódios a provar, aos que ainda tinham dúvidas, que o racismo está bem vivo, sem vergonha e a pedir mais atenção ao que temos dentro e fora de portas.

A Autoridade para o Combate à Violência no Desporto abriu um processo, um grupo de magistrados, pertencente a uma unidade anti-racista, assistiu a tudo e o Ministério Público também abriu um inquérito, mas ninguém sabe o que é feito dos adeptos identificados pela PSP. Poucos se incomodam com o facto de ninguém esperar coisa alguma da justiça portuguesa sobre este caso. O racismo em Portugal só não obteve uma vitória em toda a linha porque a falta de sentença para os agressores de Marega não foi acompanhada por uma condenação do jogador. Podia não ter sido assim, tendo em conta que ele também se queixou do árbitro, desejando "nunca mais o encontrar num campo de futebol", por não o ter defendido dos ataques racistas e até lhe ter mostrado um cartão amarelo. As instituições responsáveis pela gestão do futebol português já mostraram ser bastante mais lestas a condenar quem põe em causa o seu funcionamento e os seus interesses do que quem comete crimes e põe em causa a Constituição portuguesa.

Jornalista

Escreve de acordo com a antiga ortografia

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