A burocratização dos adeptos

02-09-2020
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Hoje vamos falar de JPR. Infelizmente, não é João Paulo Rodrigues, mas sim João Paulo Rebelo. Se fosse o primeiro, podíamos rir por competência do próprio nas suas funções. Quer dizer, com o segundo também podemos rir, mas por incompetência do próprio nas suas funções.

João Paulo Rebelo é Secretário de Estado do Desporto. Depois de uma breve pesquisa, vim a saber que o deputado socialista é licenciado em Gestão. Bem, isto é o mesmo que ser muçulmano e trabalhar numa rulote de bifanas. João Paulo Rebelo, na verdade, pode ser excelente a gestão, no entanto, não faz a mínima ideia do que é melhor para o desporto. Na sua entrevista ao Record sobre a implementação do Cartão do Adepto para membros de claques, JPR diz que vem em linha com o que são as melhores experiências a nível internacional. O típico “lá fora é que é bom”, não apresentando qualquer argumento concreto. Mas o melhor é ir a factos, visto que o Secretário de Estado do Desporto não pode ter falado sem a certeza absoluta.

Itália implementou o cartão de adepto, a Tessera del Tifoso, no início da década. No entanto, já retirou a obrigatoriedade do tal cartão. Ao longo dos anos, esta repressão sobre os ultras italianos apenas resultou em dois pontos: menos vida nos estádios e maior descontentamento por parte das claques. Gostava de saber onde é positivo marginalizar um grupo de pessoas. Mas a esse ponto moral apenas iremos no fim de tudo.

Inglaterra ficou conhecida por ter acabado com as claques. Inglaterra é, provavelmente, o maior mito da segurança no futebol. Basta um insulto a um árbitro, que já há alguém a dizer que em Inglaterra não há nada disto, porque acabaram com as claques. Primeiro, em Inglaterra nunca houve claques como em Portugal, por uma questão de cultura, não de repressão. E quando dizem que a violência acabou em Inglaterra, é motivo para rir. Segundo os dados do Governo britânico, entre 2014 e 2018, apenas por violência, clubes como o Millwall (56), Birmingham (54) e Portsmouth (51) ultrapassaram os 50 detidos. Apenas na época 2018/2019, houve 1007 incidentes com adeptos. Portugal, ao lado de Inglaterra, é um oásis de serenidade.

Talvez o senhor Secretário de Estado do Desporto esteja a falar da Alemanha. Ainda há poucas semanas, pudemos ver jogos a ser interrompidos por um protesto partilhado por várias claques contra o dono do Hoffenheim. Não é a primeira vez que os ultras alemães se unem contra algo. É recorrente protestarem contra donos de clubes e até mesmo decisões da Federação. Por exemplo, uma das grandes lutas é contra o futebol à semana e já houve claques a não comparecerem a jogos quando estes são realizados a dias da semana. Portanto, a Alemanha também não é um bom exemplo para defender a repressão de liberdades dos adeptos. Continuamos à procura?

Talvez por competições internacionais também se queira referir à Liga dos Campeões e à Liga Europa. Não tenho muito a dizer, pois trata-se de uma mentira. Nos últimos dois anos, desloquei-me a três países diferentes e nunca fui obrigado a fazer um cartão que me diferencia dos outros adeptos.

Terminou a busca. Voltemos à questão moral que se levanta em relação a este cartão. Temos exemplos por todo o mundo que mostram que a repressão não é solução. Em nada, muito menos no futebol, algo que envolve paixões. Mas não há nenhuma desculpa para defender um projeto que diferencia os membros de claques dos restantes adeptos e que os marginaliza. Os adeptos que pertencem a claques serão, literalmente, colocados à parte. Tal como nunca acabarão os assaltos, os assassinatos, e todo o tipo de violência, também não acabará a violência especificamente no futebol por decreto. As liberdades individuais das pessoas estão a ser, mais uma vez, colocadas em segundo plano. A solução passa pela responsabilização individual e não pela burocratização da paixão à volta do futebol. E neste ponto, todos os adeptos deveriam estar unidos, mas infelizmente, em Portugal, a maioria colocou o espírito crítico de parte em prol da sua cor clubística. Portugal é o país em que clubes que sobem de divisão administrativamente dizem que é justo e o melhor para todos, mas que os que descem dizem que é uma injustiça. Isto não é querer saber do futebol nem de valores, é apenas querer ganhar a todo o custo. Portugal está a ultrapassar uma fase difícil. Numa altura destas, será o retomar das competições uma prioridade. Chega a ser insultuoso para quem salva vidas todos os dias. Se continuarmos assim, vamos continuar a deixar que o futebol se perca no bolso de meia dúzia. Se continuarmos mais preocupados com coisas efémeras como lutinhas por campeonatos, subidas e descidas, vitórias e derrotas, não faltará muito até perdermos totalmente o que isto significa e transformar-nos-emos em meros clientes. Não queremos isso para os adeptos.

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Hoje vamos falar de JPR. Infelizmente, não é João Paulo Rodrigues, mas sim João Paulo Rebelo. Se fosse o primeiro, podíamos rir por competência do próprio nas suas funções. Quer dizer, com o segundo também podemos rir, mas por incompetência do próprio nas suas funções.

João Paulo Rebelo é Secretário de Estado do Desporto. Depois de uma breve pesquisa, vim a saber que o deputado socialista é licenciado em Gestão. Bem, isto é o mesmo que ser muçulmano e trabalhar numa rulote de bifanas. João Paulo Rebelo, na verdade, pode ser excelente a gestão, no entanto, não faz a mínima ideia do que é melhor para o desporto. Na sua entrevista ao Record sobre a implementação do Cartão do Adepto para membros de claques, JPR diz que vem em linha com o que são as melhores experiências a nível internacional. O típico “lá fora é que é bom”, não apresentando qualquer argumento concreto. Mas o melhor é ir a factos, visto que o Secretário de Estado do Desporto não pode ter falado sem a certeza absoluta.

Itália implementou o cartão de adepto, a Tessera del Tifoso, no início da década. No entanto, já retirou a obrigatoriedade do tal cartão. Ao longo dos anos, esta repressão sobre os ultras italianos apenas resultou em dois pontos: menos vida nos estádios e maior descontentamento por parte das claques. Gostava de saber onde é positivo marginalizar um grupo de pessoas. Mas a esse ponto moral apenas iremos no fim de tudo.

Inglaterra ficou conhecida por ter acabado com as claques. Inglaterra é, provavelmente, o maior mito da segurança no futebol. Basta um insulto a um árbitro, que já há alguém a dizer que em Inglaterra não há nada disto, porque acabaram com as claques. Primeiro, em Inglaterra nunca houve claques como em Portugal, por uma questão de cultura, não de repressão. E quando dizem que a violência acabou em Inglaterra, é motivo para rir. Segundo os dados do Governo britânico, entre 2014 e 2018, apenas por violência, clubes como o Millwall (56), Birmingham (54) e Portsmouth (51) ultrapassaram os 50 detidos. Apenas na época 2018/2019, houve 1007 incidentes com adeptos. Portugal, ao lado de Inglaterra, é um oásis de serenidade.

Talvez o senhor Secretário de Estado do Desporto esteja a falar da Alemanha. Ainda há poucas semanas, pudemos ver jogos a ser interrompidos por um protesto partilhado por várias claques contra o dono do Hoffenheim. Não é a primeira vez que os ultras alemães se unem contra algo. É recorrente protestarem contra donos de clubes e até mesmo decisões da Federação. Por exemplo, uma das grandes lutas é contra o futebol à semana e já houve claques a não comparecerem a jogos quando estes são realizados a dias da semana. Portanto, a Alemanha também não é um bom exemplo para defender a repressão de liberdades dos adeptos. Continuamos à procura?

Talvez por competições internacionais também se queira referir à Liga dos Campeões e à Liga Europa. Não tenho muito a dizer, pois trata-se de uma mentira. Nos últimos dois anos, desloquei-me a três países diferentes e nunca fui obrigado a fazer um cartão que me diferencia dos outros adeptos.

Terminou a busca. Voltemos à questão moral que se levanta em relação a este cartão. Temos exemplos por todo o mundo que mostram que a repressão não é solução. Em nada, muito menos no futebol, algo que envolve paixões. Mas não há nenhuma desculpa para defender um projeto que diferencia os membros de claques dos restantes adeptos e que os marginaliza. Os adeptos que pertencem a claques serão, literalmente, colocados à parte. Tal como nunca acabarão os assaltos, os assassinatos, e todo o tipo de violência, também não acabará a violência especificamente no futebol por decreto. As liberdades individuais das pessoas estão a ser, mais uma vez, colocadas em segundo plano. A solução passa pela responsabilização individual e não pela burocratização da paixão à volta do futebol. E neste ponto, todos os adeptos deveriam estar unidos, mas infelizmente, em Portugal, a maioria colocou o espírito crítico de parte em prol da sua cor clubística. Portugal é o país em que clubes que sobem de divisão administrativamente dizem que é justo e o melhor para todos, mas que os que descem dizem que é uma injustiça. Isto não é querer saber do futebol nem de valores, é apenas querer ganhar a todo o custo. Portugal está a ultrapassar uma fase difícil. Numa altura destas, será o retomar das competições uma prioridade. Chega a ser insultuoso para quem salva vidas todos os dias. Se continuarmos assim, vamos continuar a deixar que o futebol se perca no bolso de meia dúzia. Se continuarmos mais preocupados com coisas efémeras como lutinhas por campeonatos, subidas e descidas, vitórias e derrotas, não faltará muito até perdermos totalmente o que isto significa e transformar-nos-emos em meros clientes. Não queremos isso para os adeptos.

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