Rio dos Bons Sinais: Aviões que voei

20-12-2019
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2ª Parte da História do Boeing B727                  

Clicar aqui para ver a 1ª Parte                  

Comecei a voar na TAP em 1971 como Co-Piloto de B707.

Até aí a entrada em Linha fazia-se sempre pelo avião menor mas por razões de acessos futuros com as previsiveis despesas com cursos sucessivos, foi decidido que não seria assim para o meu curso.

Sina minha já que na Força Aérea também não fiz o T-6 em Sintra mas sim em… Salamanca, 1963 (Ver aqui).

Três anos e meio depois de ter começado a voar o B 707, no dia 25 de Abril de 1974, acordei em plena Revolução dos Cravos para estudar o resto do meu curso teórico de Boeing B 747, antes de partir para Seattle fazer o simulador.

Sina minha…não podia ser um curso normal, como o de toda a gente.

Fui Co-Piloto de B747 durante a Revolução, o PREC e as independências das Províncias Ultramarinas (o Estado Novo dera-lhes esse estatuto. Não eram oficialmente “Colónias”).

Como consequência de todos estes acontecimentos somados, a frequência dos voos de B747 diminuiu drasticamente, até ao ponto de a TAP ter de vender metade da frota ao Paquistão, à PIA e a maioria dos voos passar a ser feita sempre com dois Comandantes e um só Co-Piloto que acabava por fazer uma média de uma única aterragem por mês…

E foi com toda esta falta de treino e proficiência nos dois anos anteriores que chegou o meu dia de ir a comando.

Valeu-me ter voado um mês com aterragens quse diárias na minha estadia em Karachi no verão de 1976, aquando da venda dos nossos amados B 747 à PIA (Ver aqui).

Fiz o último voo de Co-Piloto poucos meses depois na passagem de ano 1976 / 77 num voo Lisboa, Kinshasa, Joanesburgo, Kinshasa, Lisboa em B 747, claro.

E tive o previlégio de os dois Comandantes desse último voo me terem dado 2, duas ! 2 aterragens nesse percurso! Em Joanesburgo e em Kinshasa. Não é para me gabar, mas foram das melhores que fiz…

 
As teóricas do curso de B 727 foram feitas com recurso á mais moderna das técnicas e em regime de… é melhor dizer em português corrente, “salve-se quem puder”...

Com recurso a um “muito sofisticado (?!)” sistema áudio-visual autogerido pelos alunos, com base em dois projectores de slides e um leitor de cassetes que iam debitando a matéria mas que faziam normalmente grandes paragens porque aquilo empancava tudo e tinha de se chamar o técnico para harmonizar tudo de novo.

Sina minha… tenho sempre sorte nos cursos: o meu colega de aulas teóricas foi nem mais nem menos que o meu grande amigo Carlos Varanda.

Quando percebemos como aquilo funcionava, acabaram-se as investidas do técnico e passámos nós a fazer o trabalho em auto-gestão com passaetas a pé em cima dos equipamentos e outras actividades semelhantes que é melhor não mencionar…

Acabámos o curso teórico em tempo recorde, acho que uma semana antes do previsto e agendado.

Já no meu curso de F-86 conseguira economizar 5 meses e meio ao tempo do curso anterior…(Ver aqui).

Cockpit de um Boeing B 727  

Findas as aulas teóricas, as muitas sessões de simulador e o Voo Base (voos de instrução, sem passageiros) fomos finalmente para a Linha, com passageiros e tudo mas assitidos por um Comandante encartado.

Desses voos assistidos em linha por outro Comandante, antes de eu ser largado, lembro-me principalmente dos dois primeiros.

O primeiro de todos, um Lisboa Geneve-Zurique, com o Comandante Queirós. No dia 6 de Abril de 1977 no CS-TBK

E lembro-me porque sendo o primeiro voo de todos como Comandante, embora asistido, o controlador suiço de Geneve resolveu mudar a pista no último instante e consciente da quase impossibilidade de uma aterragem segura naquelas condições me ter até perguntado:

- Você consegue?...

Com a minha nenhuma experiência em Comando e naquele avião (era o 1º voo e com a responsabilidade de ter a cabina cheia de passageiros, que nunca sabem o que está prestes a acontecer...) fiquei mudo aqueles milésimos de segundo que parecem sempre uma eternidade, sem saber o que lhe responder...

O Queirós disse-me rapidamente que sim, eu podia e assim aceitei a rasteira do controlador.

Mas o Queirós ensinou-me como fazer, sentado na cadeira atrás de mim:

- Reduz toda a potência, já! Trem em baixo! Não desças! Deixa a velocidade cair! Flaps todos em baixo! Aterra agora…

E lá passei eu aquela montanha entre Lion e Geneve com enorme razão de descida em direcção à pista mesmo em frente, a querer desaparecer-me debaixo do nariz do avião...

Mas fiz uma boa e segura aterragem.

Já na Placa do Aeroporto o Queirós ensinou-me mais uma coisa:

- Da próxima vez quando ele te perguntar se és capaz, responde-lhe:

- Eu não e você?!

Obrigado Queirós, lá onde estiveres.

Boeing B 727-100

O outro voo assistido de que me lembro, o 2º que fiz, foi um cargueiro a Londres, com escala no Porto. No dia seguinte, no CS-TBN

E quem me havia de calhar como Comandante assistente?

Nem mais nem menos que o Comandante Silva Soares.

O grande Senhor da TAP e da Aviação Portuguesa.

   Comandante Silva Soares

Vai ser o meu fim, pensei, mas tenho que passar por isto! E lá fui para as Operações, perfeitamente amarfanhado.

Tudo correu bem até à aterragem nocturna no Porto.

Uma avaria que requeria assistência da Manutenção local. O Técnico de Voo resolveu então ir para a Aerogare espairecer, pudera... mas eu decidi permanecer a bordo para me aperceber de toda aquela envolvência.

E o Comandante Silva Soares também…

Os dois sozinhos a bordo enquanto a Manutenção trabalhava...

E durante uma hora tive a mais completa e empenhada lição de Recursos Humanos na vertente Comandante de Avião que poderia ter tido.

O Senhor Comandante Silva Soares abriu o livro e naquela hora deu-me a mais fantástica aula teórica que tive em Aviação de Linha Aérea.

Nota aos filhos do Comandante Silva Soares: após ver o vídeo de Homenagem ao vosso Pai,

com ligação aqui em baixo, fiquei com a sensação que naquela noite no Porto ele viu em mim

mais um filho que merecia e precisava dos conselhos de um Pai 

do que um comandante qualquer em instrução.

Depois de ver o vídeo, senti-me um de vós, não levem a mal...

Video de Homenagem ao Comandante Silva Soares no 69º Aniversário da TAP 

Aproveitei tão bem a lição que sete meses depois estava a ser convidado para Verificador de Linha e Instrutor de Simulador, praticamente ao mesmo tempo que iniciava a operação no “antigo” Aeroporto do Funchal.

E 14 dias depois do meu treino naquele Aeroporto dá-se o terrível acidente do Funchal com o meu camarada de treino, o Comandante João Lontrão.

Nos primeiros 10 anos de B727, voei em operação contínua para Aeroporto do Funchal com menos 1.181m de comprimento do que actualmente tem.

Curiosidade:

À velocidade de 150km/h, a velocidade aproximada de aterragem de um avião, percorrer 1.181m leva mais de 28 segundos... Não acreditam? Façam as contas.

E voava para Ponta Delgada, que se considerava na altura um Aeroporto também difícil em condições marginais de situação meteorológica.

E obviamente que para todas as outras Linhas de Médio Curso que a TAP operava na Europa e em África.

Em 1986 fiz os primeiros voos para a Air Atlantis, a subsidiária de voos charter da TAP que operava principalmente a partir de Faro

Era uma operação simpática que deixava vontade de repetir.

A repetição deu-se no início do ano seguinte, com uma particularidade:

- Decidi abraçar a actividade do voo charter e assinei um contrato de dois anos com a Air Atlantis, não deixando o vínculo à TAP.

O último voo que fiz nos B 727 da TAP foi no dia 31 de Maio de 1987. No CS-TBW

Mas passei a voar, com imenso prazer e muita dedicação, os da Air Atlantis.

Assunto para uma outra história de uma forte ligação a este mágico avião que foi a minha Escola de Comando de Linha Aérea mas também uma Sala de Aulas como Instrutor que fui, em Simulador e em voos de Verificação para muitos futuros Comandantes da TAP.

2ª Parte da História do Boeing B727                  

Clicar aqui para ver a 1ª Parte                  

Comecei a voar na TAP em 1971 como Co-Piloto de B707.

Até aí a entrada em Linha fazia-se sempre pelo avião menor mas por razões de acessos futuros com as previsiveis despesas com cursos sucessivos, foi decidido que não seria assim para o meu curso.

Sina minha já que na Força Aérea também não fiz o T-6 em Sintra mas sim em… Salamanca, 1963 (Ver aqui).

Três anos e meio depois de ter começado a voar o B 707, no dia 25 de Abril de 1974, acordei em plena Revolução dos Cravos para estudar o resto do meu curso teórico de Boeing B 747, antes de partir para Seattle fazer o simulador.

Sina minha…não podia ser um curso normal, como o de toda a gente.

Fui Co-Piloto de B747 durante a Revolução, o PREC e as independências das Províncias Ultramarinas (o Estado Novo dera-lhes esse estatuto. Não eram oficialmente “Colónias”).

Como consequência de todos estes acontecimentos somados, a frequência dos voos de B747 diminuiu drasticamente, até ao ponto de a TAP ter de vender metade da frota ao Paquistão, à PIA e a maioria dos voos passar a ser feita sempre com dois Comandantes e um só Co-Piloto que acabava por fazer uma média de uma única aterragem por mês…

E foi com toda esta falta de treino e proficiência nos dois anos anteriores que chegou o meu dia de ir a comando.

Valeu-me ter voado um mês com aterragens quse diárias na minha estadia em Karachi no verão de 1976, aquando da venda dos nossos amados B 747 à PIA (Ver aqui).

Fiz o último voo de Co-Piloto poucos meses depois na passagem de ano 1976 / 77 num voo Lisboa, Kinshasa, Joanesburgo, Kinshasa, Lisboa em B 747, claro.

E tive o previlégio de os dois Comandantes desse último voo me terem dado 2, duas ! 2 aterragens nesse percurso! Em Joanesburgo e em Kinshasa. Não é para me gabar, mas foram das melhores que fiz…

 
As teóricas do curso de B 727 foram feitas com recurso á mais moderna das técnicas e em regime de… é melhor dizer em português corrente, “salve-se quem puder”...

Com recurso a um “muito sofisticado (?!)” sistema áudio-visual autogerido pelos alunos, com base em dois projectores de slides e um leitor de cassetes que iam debitando a matéria mas que faziam normalmente grandes paragens porque aquilo empancava tudo e tinha de se chamar o técnico para harmonizar tudo de novo.

Sina minha… tenho sempre sorte nos cursos: o meu colega de aulas teóricas foi nem mais nem menos que o meu grande amigo Carlos Varanda.

Quando percebemos como aquilo funcionava, acabaram-se as investidas do técnico e passámos nós a fazer o trabalho em auto-gestão com passaetas a pé em cima dos equipamentos e outras actividades semelhantes que é melhor não mencionar…

Acabámos o curso teórico em tempo recorde, acho que uma semana antes do previsto e agendado.

Já no meu curso de F-86 conseguira economizar 5 meses e meio ao tempo do curso anterior…(Ver aqui).

Cockpit de um Boeing B 727  

Findas as aulas teóricas, as muitas sessões de simulador e o Voo Base (voos de instrução, sem passageiros) fomos finalmente para a Linha, com passageiros e tudo mas assitidos por um Comandante encartado.

Desses voos assistidos em linha por outro Comandante, antes de eu ser largado, lembro-me principalmente dos dois primeiros.

O primeiro de todos, um Lisboa Geneve-Zurique, com o Comandante Queirós. No dia 6 de Abril de 1977 no CS-TBK

E lembro-me porque sendo o primeiro voo de todos como Comandante, embora asistido, o controlador suiço de Geneve resolveu mudar a pista no último instante e consciente da quase impossibilidade de uma aterragem segura naquelas condições me ter até perguntado:

- Você consegue?...

Com a minha nenhuma experiência em Comando e naquele avião (era o 1º voo e com a responsabilidade de ter a cabina cheia de passageiros, que nunca sabem o que está prestes a acontecer...) fiquei mudo aqueles milésimos de segundo que parecem sempre uma eternidade, sem saber o que lhe responder...

O Queirós disse-me rapidamente que sim, eu podia e assim aceitei a rasteira do controlador.

Mas o Queirós ensinou-me como fazer, sentado na cadeira atrás de mim:

- Reduz toda a potência, já! Trem em baixo! Não desças! Deixa a velocidade cair! Flaps todos em baixo! Aterra agora…

E lá passei eu aquela montanha entre Lion e Geneve com enorme razão de descida em direcção à pista mesmo em frente, a querer desaparecer-me debaixo do nariz do avião...

Mas fiz uma boa e segura aterragem.

Já na Placa do Aeroporto o Queirós ensinou-me mais uma coisa:

- Da próxima vez quando ele te perguntar se és capaz, responde-lhe:

- Eu não e você?!

Obrigado Queirós, lá onde estiveres.

Boeing B 727-100

O outro voo assistido de que me lembro, o 2º que fiz, foi um cargueiro a Londres, com escala no Porto. No dia seguinte, no CS-TBN

E quem me havia de calhar como Comandante assistente?

Nem mais nem menos que o Comandante Silva Soares.

O grande Senhor da TAP e da Aviação Portuguesa.

   Comandante Silva Soares

Vai ser o meu fim, pensei, mas tenho que passar por isto! E lá fui para as Operações, perfeitamente amarfanhado.

Tudo correu bem até à aterragem nocturna no Porto.

Uma avaria que requeria assistência da Manutenção local. O Técnico de Voo resolveu então ir para a Aerogare espairecer, pudera... mas eu decidi permanecer a bordo para me aperceber de toda aquela envolvência.

E o Comandante Silva Soares também…

Os dois sozinhos a bordo enquanto a Manutenção trabalhava...

E durante uma hora tive a mais completa e empenhada lição de Recursos Humanos na vertente Comandante de Avião que poderia ter tido.

O Senhor Comandante Silva Soares abriu o livro e naquela hora deu-me a mais fantástica aula teórica que tive em Aviação de Linha Aérea.

Nota aos filhos do Comandante Silva Soares: após ver o vídeo de Homenagem ao vosso Pai,

com ligação aqui em baixo, fiquei com a sensação que naquela noite no Porto ele viu em mim

mais um filho que merecia e precisava dos conselhos de um Pai 

do que um comandante qualquer em instrução.

Depois de ver o vídeo, senti-me um de vós, não levem a mal...

Video de Homenagem ao Comandante Silva Soares no 69º Aniversário da TAP 

Aproveitei tão bem a lição que sete meses depois estava a ser convidado para Verificador de Linha e Instrutor de Simulador, praticamente ao mesmo tempo que iniciava a operação no “antigo” Aeroporto do Funchal.

E 14 dias depois do meu treino naquele Aeroporto dá-se o terrível acidente do Funchal com o meu camarada de treino, o Comandante João Lontrão.

Nos primeiros 10 anos de B727, voei em operação contínua para Aeroporto do Funchal com menos 1.181m de comprimento do que actualmente tem.

Curiosidade:

À velocidade de 150km/h, a velocidade aproximada de aterragem de um avião, percorrer 1.181m leva mais de 28 segundos... Não acreditam? Façam as contas.

E voava para Ponta Delgada, que se considerava na altura um Aeroporto também difícil em condições marginais de situação meteorológica.

E obviamente que para todas as outras Linhas de Médio Curso que a TAP operava na Europa e em África.

Em 1986 fiz os primeiros voos para a Air Atlantis, a subsidiária de voos charter da TAP que operava principalmente a partir de Faro

Era uma operação simpática que deixava vontade de repetir.

A repetição deu-se no início do ano seguinte, com uma particularidade:

- Decidi abraçar a actividade do voo charter e assinei um contrato de dois anos com a Air Atlantis, não deixando o vínculo à TAP.

O último voo que fiz nos B 727 da TAP foi no dia 31 de Maio de 1987. No CS-TBW

Mas passei a voar, com imenso prazer e muita dedicação, os da Air Atlantis.

Assunto para uma outra história de uma forte ligação a este mágico avião que foi a minha Escola de Comando de Linha Aérea mas também uma Sala de Aulas como Instrutor que fui, em Simulador e em voos de Verificação para muitos futuros Comandantes da TAP.

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