Edição Exclusiva : Ler Mais e Ler Melhor

22-11-2019
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Criado em 2006 para promover a leitura e aumentar os índices de literacia dos portugueses – com especial incidência nos jovens –, o Plano Nacional de Leitura sempre atribuiu grande importância à literatura para crianças e jovens, cujo panorama editorial tem evoluído de um modo muito positivo ao longo das últimas décadas. Sem desejarem constituir-se como um cânone literário, as listas de livros sugeridos ou aconselhados pelo PNL procuram dar a conhecer uma realidade que se alterou substancialmente ao longo dos séculos XX e XXI, já que o corpus herdado do século XIX era constituído, pelo menos em grande parte, por narrativas tradicionais, em que as questões da autoria não assumiam a relevância que têm hoje. Assim foram persistindo até aos nossos dias muitas histórias e contos tradicionais, pouco a pouco fixadas pela escrita de autores como Charles Perrault, Hans Christian Andersen ou os irmãos Grimm.

Hoje, pelo contrário, existem numerosos autores que escrevem e publicam histórias concebidas propositadamente para a infância, ficções especificamente dirigidas a um público infantil e juvenil. A chamada «literatura para crianças e jovens» adquiriu, assim, um estatuto de pleno direito, continuando, quanto a mim, a assentar em três intenções fundamentais: a intenção didáctica, a intenção moralizadora e a intenção lúdica. A primeira diz respeito à vontade de ensinar ou de instruir, sendo com frequência uma das componentes mais relevantes, já que contribui para ampliar os horizontes de conhecimento de crianças e jovens; a segunda prende-se com uma vontade de educar, de edificar, de conduzir para o bem, e aqui entramos num terreno mais sensível, mais melindroso, mas que me parece fundamental para veicular certos valores éticos e cívicos inerentes ao convívio humano em sociedade; finalmente, resta a componente lúdica, a respeito da qual nunca é de mais insistir, já que o contacto com qualquer livro deve proporcionar a quem o lê, como condição prévia e indispensável, o prazer da leitura.

Este aspecto – que é verdade para todos nós – ainda o é mais agudamente quando estamos diante de crianças ou jovens, tornando-se difícil cativá-los para uma dada obra se considerarem a sua leitura uma actividade penosa ou um sacrifício. Sem dúvida que no meio escolar muitos alunos são confrontados com livros cuja leitura pode não lhes agradar, mas aí o problema é diferente, já que se trata de obras que eles sabem ser necessárias ao seu aproveitamento escolar e ao sucesso dos seus estudos, obtendo depois uma recompensa diferida, geralmente ao nível da nota ou do reconhecimento pelos seus colegas, pelos seus professores, pelos seus pais. Bem pelo contrário, no caso de um livro que se lê apenas por gosto e sobre o qual não incidirão testes ou fichas de leitura, não há lugar para qualquer compensação exterior ao acto da leitura. A principal recompensa consiste na leitura propriamente dita, que por isso terá de ser gratuita, recreativa, e de valer por si mesma, dando aos pequenos leitores uma dose de satisfação que lhes estimule futuras repetições desse acto precioso e insubstituível que é o de ler um livro por prazer.

Antes de terminar, retomo o lema do PNL – LER + LER MELHOR – para sublinhar que LER + implica também LER MELHOR, estando demonstrado que a prática continuada de hábitos de leitura, com o seu treino permanente, contribui para uma melhoria da compreensão e para um maior à-vontade quando nos confrontamos com cada novo texto. No entanto, existe aqui uma correspondência biunívoca entre LER + e LER MELHOR, já que a segunda destas premissas pode também implicar a primeira. Na verdade, se lermos melhor, acabaremos por ler mais livros e por ler mais profundamente cada texto, ampliando os nossos níveis de interpretação e alargando os sentidos de cada nova leitura. Por outras palavras, se lermos melhor – por exemplo, fazendo uso de um maior grau de contextualização, de uma maior diversidade de meios ou suportes de leitura, de uma maior capacidade de penetrar nas ambiguidades semânticas de cada texto – acabaremos também por LER +, na medida em que este + passa a envolver uma leitura não apenas fluente e facilmente descodificadora (condições de base), mas também uma interpretação mais pessoal, mais viva, mais profunda, mais capaz de abarcar os múltiplos sentidos de cada texto.

Toda a literatura vive precisamente dessa pluralidade hermenêutica que faz de cada texto um organismo vivo, único, irrepetível, tornando-o singular para cada leitor. Deste modo, para o PNL o aumento das competências de leitura passa sempre, em maior ou menor grau, pela abordagem dos textos literários, dos quais nunca devemos abdicar, quer pela sua importância para o património cultural português e universal, quer pelo sentido que podem dar às vidas de quem os descobre, muitas vezes em momentos tão decisivos como são a infância e a adolescência. É esse o nosso caminho, contando com o apoio quotidiano dos professores e dos bibliotecários – nas salas de aula ou nas bibliotecas – para este desígnio cada vez mais necessário na sociedade contemporânea.

Fernando Pinto do Amaral
(Comissário do PNL)


Criado em 2006 para promover a leitura e aumentar os índices de literacia dos portugueses – com especial incidência nos jovens –, o Plano Nacional de Leitura sempre atribuiu grande importância à literatura para crianças e jovens, cujo panorama editorial tem evoluído de um modo muito positivo ao longo das últimas décadas. Sem desejarem constituir-se como um cânone literário, as listas de livros sugeridos ou aconselhados pelo PNL procuram dar a conhecer uma realidade que se alterou substancialmente ao longo dos séculos XX e XXI, já que o corpus herdado do século XIX era constituído, pelo menos em grande parte, por narrativas tradicionais, em que as questões da autoria não assumiam a relevância que têm hoje. Assim foram persistindo até aos nossos dias muitas histórias e contos tradicionais, pouco a pouco fixadas pela escrita de autores como Charles Perrault, Hans Christian Andersen ou os irmãos Grimm.

Hoje, pelo contrário, existem numerosos autores que escrevem e publicam histórias concebidas propositadamente para a infância, ficções especificamente dirigidas a um público infantil e juvenil. A chamada «literatura para crianças e jovens» adquiriu, assim, um estatuto de pleno direito, continuando, quanto a mim, a assentar em três intenções fundamentais: a intenção didáctica, a intenção moralizadora e a intenção lúdica. A primeira diz respeito à vontade de ensinar ou de instruir, sendo com frequência uma das componentes mais relevantes, já que contribui para ampliar os horizontes de conhecimento de crianças e jovens; a segunda prende-se com uma vontade de educar, de edificar, de conduzir para o bem, e aqui entramos num terreno mais sensível, mais melindroso, mas que me parece fundamental para veicular certos valores éticos e cívicos inerentes ao convívio humano em sociedade; finalmente, resta a componente lúdica, a respeito da qual nunca é de mais insistir, já que o contacto com qualquer livro deve proporcionar a quem o lê, como condição prévia e indispensável, o prazer da leitura.

Este aspecto – que é verdade para todos nós – ainda o é mais agudamente quando estamos diante de crianças ou jovens, tornando-se difícil cativá-los para uma dada obra se considerarem a sua leitura uma actividade penosa ou um sacrifício. Sem dúvida que no meio escolar muitos alunos são confrontados com livros cuja leitura pode não lhes agradar, mas aí o problema é diferente, já que se trata de obras que eles sabem ser necessárias ao seu aproveitamento escolar e ao sucesso dos seus estudos, obtendo depois uma recompensa diferida, geralmente ao nível da nota ou do reconhecimento pelos seus colegas, pelos seus professores, pelos seus pais. Bem pelo contrário, no caso de um livro que se lê apenas por gosto e sobre o qual não incidirão testes ou fichas de leitura, não há lugar para qualquer compensação exterior ao acto da leitura. A principal recompensa consiste na leitura propriamente dita, que por isso terá de ser gratuita, recreativa, e de valer por si mesma, dando aos pequenos leitores uma dose de satisfação que lhes estimule futuras repetições desse acto precioso e insubstituível que é o de ler um livro por prazer.

Antes de terminar, retomo o lema do PNL – LER + LER MELHOR – para sublinhar que LER + implica também LER MELHOR, estando demonstrado que a prática continuada de hábitos de leitura, com o seu treino permanente, contribui para uma melhoria da compreensão e para um maior à-vontade quando nos confrontamos com cada novo texto. No entanto, existe aqui uma correspondência biunívoca entre LER + e LER MELHOR, já que a segunda destas premissas pode também implicar a primeira. Na verdade, se lermos melhor, acabaremos por ler mais livros e por ler mais profundamente cada texto, ampliando os nossos níveis de interpretação e alargando os sentidos de cada nova leitura. Por outras palavras, se lermos melhor – por exemplo, fazendo uso de um maior grau de contextualização, de uma maior diversidade de meios ou suportes de leitura, de uma maior capacidade de penetrar nas ambiguidades semânticas de cada texto – acabaremos também por LER +, na medida em que este + passa a envolver uma leitura não apenas fluente e facilmente descodificadora (condições de base), mas também uma interpretação mais pessoal, mais viva, mais profunda, mais capaz de abarcar os múltiplos sentidos de cada texto.

Toda a literatura vive precisamente dessa pluralidade hermenêutica que faz de cada texto um organismo vivo, único, irrepetível, tornando-o singular para cada leitor. Deste modo, para o PNL o aumento das competências de leitura passa sempre, em maior ou menor grau, pela abordagem dos textos literários, dos quais nunca devemos abdicar, quer pela sua importância para o património cultural português e universal, quer pelo sentido que podem dar às vidas de quem os descobre, muitas vezes em momentos tão decisivos como são a infância e a adolescência. É esse o nosso caminho, contando com o apoio quotidiano dos professores e dos bibliotecários – nas salas de aula ou nas bibliotecas – para este desígnio cada vez mais necessário na sociedade contemporânea.

Fernando Pinto do Amaral
(Comissário do PNL)

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