Rendimento garantido

25-06-2020
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João Costa e Palmira Peixoto são dois desconhecidos, mas invadiram jornais e televisões durante a semana com o que parece mais uma discussão antiquada entre sindicatos e patrões. Mal eles sabem que estão a falar do futuro.

João Costa, da Associação Têxtil, queixava-se que o sector não encontra mão de obra: "O subsídio de desemprego é próximo do salário oferecido, muitas pessoas preferem não trabalhar". Palmira Peixoto, do Sindicato Têxtil, respondeu: "Isso é porque pagam abaixo do salário mínimo". Os dois estão certos, mas não pelas razões que supõem.

O próximo ano será de empobrecimento. Não é conspiração - é o que será. Uma das razões é esta: o desemprego involuntário vai crescer em Portugal - isto é, haverá pessoas com vontade de trabalhar, mas não a qualquer custo (a comparação é com o subsídio de desemprego) e, de igual modo, existirão empresas em busca de trabalhadores que não estarão dispostas a contratá-las a qualquer preço. O problema é tão real que deu até Nobel: Dale Mortensen, um dos três laureados, explica que o desemprego friccional é isto mesmo - o momento em que trabalhadores e empregadores se desencontram. Uma das (várias) razões para esse desencontro é o salário. O trabalhador pensa: vou procurar quem pague mais. O empregador pensa: vou procurar quem receba menos. E não se encontram.

Philippe Van Parijs, cujo cabelo longo e barba rala não o impedem de ser um muito respeitado filósofo e economista político, acrescentaria uma pergunta à discussão: e se não fosse importante que se encontrassem? Ou melhor: e se isso dependesse realmente da vontade de cada um? Aviso importante - Van Parijs não é liberal, vem da esquerda radical e aí gosta de estar. Para este professor belga o problema não é se o trabalho encontra o trabalhador e vice-versa. É se esse esforço vale sequer a pena. Van Parijs tem uma grande preocupação: que as pessoas sejam verdadeiramente livres de fazer o que bem entendem. Como?

No lugar de todos os subsídios e apoios públicos, defende que se pague um rendimento garantido a todas as pessoas - ricos e pobres. Esse rendimento, um novo contrato social, permitiria o óbvio: os que gostam de trabalhar teriam mais alternativas (as que outros deixariam livres) e os que privilegiam outras formas de vida não seriam vistos como subsidiodependentes. Para os que trabalham, a alternativa de um salário mais baixo seria compensada pelo rendimento, diz ele. Além de que a empresa ganharia a competitividade que deseja e o trabalhador a liberdade a que aspira. Contas?

Portugal gasta cerca de 18 mil milhões de euros com pensões, subsídio de desemprego e Rendimento Social de Inserção. Retirando as pensões (13 mil milhões), sobram cerca de 5 mil milhões que, divididos pela população ativa (menos de 6 milhões de portugueses), dariam uns 900 euros anuais a cada um. Ou 500 euros para toda a população, bebés incluídos. É pouco, ainda. Mas Charles Murray, um dos mais conhecidos inimigos do Estado social, escreveu um livro em 2006 ("In Our Hands") onde diz: "Deem o dinheiro às pessoas". Se o Estado social não funciona, substitua-se por um rendimento garantido para todos.

Por cá Passos Coelho e Sócrates, João Costa e Palmira Peixoto preferem discutir o óbvio - supor que não existem alternativas às velhas soluções que esgrimem como se fossem novas. Existem. Será que o país vai ter de descobrir sem eles?

Texto publicado na edição do Expresso de 13 de novembro de 2010

João Costa e Palmira Peixoto são dois desconhecidos, mas invadiram jornais e televisões durante a semana com o que parece mais uma discussão antiquada entre sindicatos e patrões. Mal eles sabem que estão a falar do futuro.

João Costa, da Associação Têxtil, queixava-se que o sector não encontra mão de obra: "O subsídio de desemprego é próximo do salário oferecido, muitas pessoas preferem não trabalhar". Palmira Peixoto, do Sindicato Têxtil, respondeu: "Isso é porque pagam abaixo do salário mínimo". Os dois estão certos, mas não pelas razões que supõem.

O próximo ano será de empobrecimento. Não é conspiração - é o que será. Uma das razões é esta: o desemprego involuntário vai crescer em Portugal - isto é, haverá pessoas com vontade de trabalhar, mas não a qualquer custo (a comparação é com o subsídio de desemprego) e, de igual modo, existirão empresas em busca de trabalhadores que não estarão dispostas a contratá-las a qualquer preço. O problema é tão real que deu até Nobel: Dale Mortensen, um dos três laureados, explica que o desemprego friccional é isto mesmo - o momento em que trabalhadores e empregadores se desencontram. Uma das (várias) razões para esse desencontro é o salário. O trabalhador pensa: vou procurar quem pague mais. O empregador pensa: vou procurar quem receba menos. E não se encontram.

Philippe Van Parijs, cujo cabelo longo e barba rala não o impedem de ser um muito respeitado filósofo e economista político, acrescentaria uma pergunta à discussão: e se não fosse importante que se encontrassem? Ou melhor: e se isso dependesse realmente da vontade de cada um? Aviso importante - Van Parijs não é liberal, vem da esquerda radical e aí gosta de estar. Para este professor belga o problema não é se o trabalho encontra o trabalhador e vice-versa. É se esse esforço vale sequer a pena. Van Parijs tem uma grande preocupação: que as pessoas sejam verdadeiramente livres de fazer o que bem entendem. Como?

No lugar de todos os subsídios e apoios públicos, defende que se pague um rendimento garantido a todas as pessoas - ricos e pobres. Esse rendimento, um novo contrato social, permitiria o óbvio: os que gostam de trabalhar teriam mais alternativas (as que outros deixariam livres) e os que privilegiam outras formas de vida não seriam vistos como subsidiodependentes. Para os que trabalham, a alternativa de um salário mais baixo seria compensada pelo rendimento, diz ele. Além de que a empresa ganharia a competitividade que deseja e o trabalhador a liberdade a que aspira. Contas?

Portugal gasta cerca de 18 mil milhões de euros com pensões, subsídio de desemprego e Rendimento Social de Inserção. Retirando as pensões (13 mil milhões), sobram cerca de 5 mil milhões que, divididos pela população ativa (menos de 6 milhões de portugueses), dariam uns 900 euros anuais a cada um. Ou 500 euros para toda a população, bebés incluídos. É pouco, ainda. Mas Charles Murray, um dos mais conhecidos inimigos do Estado social, escreveu um livro em 2006 ("In Our Hands") onde diz: "Deem o dinheiro às pessoas". Se o Estado social não funciona, substitua-se por um rendimento garantido para todos.

Por cá Passos Coelho e Sócrates, João Costa e Palmira Peixoto preferem discutir o óbvio - supor que não existem alternativas às velhas soluções que esgrimem como se fossem novas. Existem. Será que o país vai ter de descobrir sem eles?

Texto publicado na edição do Expresso de 13 de novembro de 2010

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