Ave Rara

07-12-2019
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"O Baile" é o mais recente álbum de banda desenhada da autoria de Nuno Duarte, desta vez ilustrado pela muito jovem e talentosa Joana Afonso, com a chancela Kingpin Books. Tem sido um dos mais regulares e consistentes argumentistas nacionais ao longo dos anos, com obras como "Paris Morreu", "Quebra Queixo - Technorama" ou "A Fórmula da Felicidade" e deixa a quem acompanha o seu trabalho uma clara indicação que está para ficar e para subir a fasquia da BD portuguesa.

Acerca de "O Baile" e não só, aqui fica uma breve entrevista com o autor...

Zombies e Estado Novo… Como te ocorreu relacionares
estas duas temáticas?    

 

A ideia não partiu tanto de um
relacionamento destes dois temas mas sim de um exame do que é que temos como
fazendo parte do nosso “cancioneiro fantástico popular” e que podia ser usado
como ponto de partida para uma história. Foi aí que me ocorreu a temática dos
inúmeros mortos na faina, nas narrativas sombrias e no entanto tão presentes
pelo litoral Português de Norte a Sul.

Há um conjunto de imagens fortes quando
pensamos nos nossos pescadores, nas carpideiras, na tragédia destas gentes,
mas…e se os mortos puxassem as redes de volta? Não seria este apenas mais um
fado para juntar a todos os demais?

Encontrado o “quê” e “onde”, faltava-me o
“quando?”. O secretismo e o clima de esquizofrenia, paranóia e repressão do
Estado Novo surgiram então como a tela ideal para pintar esta narrativa,
construído a partir daí as personagens e as situações.

Tiveste de fazer muita pesquisa para escrever “O
Baile”? Quais foram as tuas referências?

O nascimento deste
conceito deu-se entre a escrita de dois projectos para cinema e televisão, por
coincidência baseados em histórias reais localizadas temporalmente no Estado
Novo. A pesquisa foi assim recuperada do trabalho exaustivo que fiz para esses
trabalhos, tendo no entanto dirigido mais atenção para a recolha de dados sobre
referências de usos, costumes e etnografia das pequenas vilas piscatórias das
décadas de 50 e 60, coleccionando sempre que possível imagens para guiar e
inspirar a ilustradora do projecto.

Como foi trabalhar com a Joana Afonso? Foi muito
diferente da dinâmica que tiveste com o Osvaldo Medina na “Fórmula da
Felicidade”?

Trabalhar com a Joana foi acima de tudo
um processo de colaboração e de maturação, já que ao longo dos meses em que se
estendeu a escrita, “emperrada” aqui e ali pelos meus afazeres profissionais,
não só o estilo, como a atitude e confiança dela me foram dando cada vez mais
certezas na hora de escolher certas cenas e indicações, como gerando novas
ideias para explorar o talento dela.

Como parti de um método “full script”,
com pranchas todas planificadas e diálogos escritos, o processo foi por isso
diferente do que usei com o Osvaldo na “Fórmula da Felicidade”, onde descrevia
pranchas inteiras, compondo depois os diálogos à medida que a imensa
experiência de “storyboarding” dele compunha em esboços as pranchas finais.

Pessoalmente não considero que haja um método
mais correcto para escrever banda desenhada, já que o que há, isso sim, são
maneiras mais específicas de colaborar com diferentes talentos, tentando
corresponder às suas melhores qualidades e forças artísticas.

A
colaboração com a Joana é para repetir no futuro? Têm outro álbum
apalavrado/pensado?

Na minha cabeça esta é uma história com
espaço para respirar e com uma sequela evidente.

Tendo eu e a Joana expressado gosto por
voltarmos a colaborar, acho importante que ela se imponha neste meio com
projectos próprios que anseia por fazer (e nós por ler…), guardando para mais
tarde uma outra colaboração.

O que é que mais gostas e o que menos gostas no
panorama da BD nacional? Na tua opinião, qual o caminho a seguir?

O panorama da BD nacional sempre esteve
no fundo como o do país: tremido.

No entanto, diferentemente do que se
passa na política ou economia do país, há um mar de gosto e talento a despontar
pela BD portuguesa que parece impelir as produções nacionais a públicos cada
vez mais abrangentes.

Muito importante para isso parece estar a
ser o papel da reentrada de material infanto-juvenil nas bancas, para formar
novos públicos, para além do uso das novas plataformas multimédia para a
divulgação e edição de projectos que, de outra forma, não veriam a luz do dia.

Se considero que a relativa “guetização”
em nichos fechados da BD das últimas décadas estava a matar o meio, vejo hoje
como caminho a seguir a profusão de temas, edições e plataformas, algo que
contribuirá não só para uma maior abrangência de leitores como de interesse por
uma arte que é cada vez mais vista como isso mesmo.
 

Além disso, há a ideia feita de que os
argumentistas nacionais são fracos e não conseguem cativar o público. Os
considerados bons são sempre os mesmos 2 ou 3. Concordas com este cliché ou
tens opinião diferente?

Considerados “bons” por quem e porquê? Uma
série de prémios “nacionais” dados ao longo de anos por um júri desconhecido?

Cá só há dois tipos de argumentistas que
têm “nome”: os que estão associados às poucas grandes editoras que vão surgindo
e que vão publicando mais do que duas ou três centenas de livros por edição, ou
aqueles que provém e singram noutros meios e que arrastam outros públicos
consigo.

Pessoalmente, seja cliché ou não, gosto
de histórias e de quem despende tempo e atenção para as contar, alcançando fama
ou não, mas dizendo algo verdadeiramente único, logo gostava que os
argumentistas portugueses escrevessem mais e se queixassem menos. 

Na
tua opinião, quais as 3 melhores obras da BD portuguesa até à data?

Inconstante como sou, provavelmente a
resposta amanhã seria outra, mas hoje menciono três títulos: “As investigações
de Filipe Seems” do Nuno Artur Silva e do António Jorge Gonçalves, “Tu és a
mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos” do Pedro Brito e do João
Fazenda, e “Obrigada patrão” do Rui Lacas.

Para
finalizar, o que tens preparado para 2013 e para os anos seguintes? 

Para 2013
e em primeira mão, está programada a edição de “F(r)icções”, uma adaptação para
BD de vários contos meus pela arte do João Sequeira, a editar pela El Pep.

Posteriormente tenho no prelo um
argumento de aventura e ficção com implicações espacio-temporais, pensado para
o mercado estrangeiro; e de algo mais contido e pessoal, uma espécie de
parábola sobre os fardos da passagem à idade adulta por uma série de
adolescentes endeusados, estando ainda em busca dos artistas ideais para estes
conceitos.

Para saber mais e acompanhar o trabalho do argumentista Nuno Duarte, aceder aqui.

"O Baile" é o mais recente álbum de banda desenhada da autoria de Nuno Duarte, desta vez ilustrado pela muito jovem e talentosa Joana Afonso, com a chancela Kingpin Books. Tem sido um dos mais regulares e consistentes argumentistas nacionais ao longo dos anos, com obras como "Paris Morreu", "Quebra Queixo - Technorama" ou "A Fórmula da Felicidade" e deixa a quem acompanha o seu trabalho uma clara indicação que está para ficar e para subir a fasquia da BD portuguesa.

Acerca de "O Baile" e não só, aqui fica uma breve entrevista com o autor...

Zombies e Estado Novo… Como te ocorreu relacionares
estas duas temáticas?    

 

A ideia não partiu tanto de um
relacionamento destes dois temas mas sim de um exame do que é que temos como
fazendo parte do nosso “cancioneiro fantástico popular” e que podia ser usado
como ponto de partida para uma história. Foi aí que me ocorreu a temática dos
inúmeros mortos na faina, nas narrativas sombrias e no entanto tão presentes
pelo litoral Português de Norte a Sul.

Há um conjunto de imagens fortes quando
pensamos nos nossos pescadores, nas carpideiras, na tragédia destas gentes,
mas…e se os mortos puxassem as redes de volta? Não seria este apenas mais um
fado para juntar a todos os demais?

Encontrado o “quê” e “onde”, faltava-me o
“quando?”. O secretismo e o clima de esquizofrenia, paranóia e repressão do
Estado Novo surgiram então como a tela ideal para pintar esta narrativa,
construído a partir daí as personagens e as situações.

Tiveste de fazer muita pesquisa para escrever “O
Baile”? Quais foram as tuas referências?

O nascimento deste
conceito deu-se entre a escrita de dois projectos para cinema e televisão, por
coincidência baseados em histórias reais localizadas temporalmente no Estado
Novo. A pesquisa foi assim recuperada do trabalho exaustivo que fiz para esses
trabalhos, tendo no entanto dirigido mais atenção para a recolha de dados sobre
referências de usos, costumes e etnografia das pequenas vilas piscatórias das
décadas de 50 e 60, coleccionando sempre que possível imagens para guiar e
inspirar a ilustradora do projecto.

Como foi trabalhar com a Joana Afonso? Foi muito
diferente da dinâmica que tiveste com o Osvaldo Medina na “Fórmula da
Felicidade”?

Trabalhar com a Joana foi acima de tudo
um processo de colaboração e de maturação, já que ao longo dos meses em que se
estendeu a escrita, “emperrada” aqui e ali pelos meus afazeres profissionais,
não só o estilo, como a atitude e confiança dela me foram dando cada vez mais
certezas na hora de escolher certas cenas e indicações, como gerando novas
ideias para explorar o talento dela.

Como parti de um método “full script”,
com pranchas todas planificadas e diálogos escritos, o processo foi por isso
diferente do que usei com o Osvaldo na “Fórmula da Felicidade”, onde descrevia
pranchas inteiras, compondo depois os diálogos à medida que a imensa
experiência de “storyboarding” dele compunha em esboços as pranchas finais.

Pessoalmente não considero que haja um método
mais correcto para escrever banda desenhada, já que o que há, isso sim, são
maneiras mais específicas de colaborar com diferentes talentos, tentando
corresponder às suas melhores qualidades e forças artísticas.

A
colaboração com a Joana é para repetir no futuro? Têm outro álbum
apalavrado/pensado?

Na minha cabeça esta é uma história com
espaço para respirar e com uma sequela evidente.

Tendo eu e a Joana expressado gosto por
voltarmos a colaborar, acho importante que ela se imponha neste meio com
projectos próprios que anseia por fazer (e nós por ler…), guardando para mais
tarde uma outra colaboração.

O que é que mais gostas e o que menos gostas no
panorama da BD nacional? Na tua opinião, qual o caminho a seguir?

O panorama da BD nacional sempre esteve
no fundo como o do país: tremido.

No entanto, diferentemente do que se
passa na política ou economia do país, há um mar de gosto e talento a despontar
pela BD portuguesa que parece impelir as produções nacionais a públicos cada
vez mais abrangentes.

Muito importante para isso parece estar a
ser o papel da reentrada de material infanto-juvenil nas bancas, para formar
novos públicos, para além do uso das novas plataformas multimédia para a
divulgação e edição de projectos que, de outra forma, não veriam a luz do dia.

Se considero que a relativa “guetização”
em nichos fechados da BD das últimas décadas estava a matar o meio, vejo hoje
como caminho a seguir a profusão de temas, edições e plataformas, algo que
contribuirá não só para uma maior abrangência de leitores como de interesse por
uma arte que é cada vez mais vista como isso mesmo.
 

Além disso, há a ideia feita de que os
argumentistas nacionais são fracos e não conseguem cativar o público. Os
considerados bons são sempre os mesmos 2 ou 3. Concordas com este cliché ou
tens opinião diferente?

Considerados “bons” por quem e porquê? Uma
série de prémios “nacionais” dados ao longo de anos por um júri desconhecido?

Cá só há dois tipos de argumentistas que
têm “nome”: os que estão associados às poucas grandes editoras que vão surgindo
e que vão publicando mais do que duas ou três centenas de livros por edição, ou
aqueles que provém e singram noutros meios e que arrastam outros públicos
consigo.

Pessoalmente, seja cliché ou não, gosto
de histórias e de quem despende tempo e atenção para as contar, alcançando fama
ou não, mas dizendo algo verdadeiramente único, logo gostava que os
argumentistas portugueses escrevessem mais e se queixassem menos. 

Na
tua opinião, quais as 3 melhores obras da BD portuguesa até à data?

Inconstante como sou, provavelmente a
resposta amanhã seria outra, mas hoje menciono três títulos: “As investigações
de Filipe Seems” do Nuno Artur Silva e do António Jorge Gonçalves, “Tu és a
mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos” do Pedro Brito e do João
Fazenda, e “Obrigada patrão” do Rui Lacas.

Para
finalizar, o que tens preparado para 2013 e para os anos seguintes? 

Para 2013
e em primeira mão, está programada a edição de “F(r)icções”, uma adaptação para
BD de vários contos meus pela arte do João Sequeira, a editar pela El Pep.

Posteriormente tenho no prelo um
argumento de aventura e ficção com implicações espacio-temporais, pensado para
o mercado estrangeiro; e de algo mais contido e pessoal, uma espécie de
parábola sobre os fardos da passagem à idade adulta por uma série de
adolescentes endeusados, estando ainda em busca dos artistas ideais para estes
conceitos.

Para saber mais e acompanhar o trabalho do argumentista Nuno Duarte, aceder aqui.

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