Zé de Mello: MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE ELVAS / COLECÇÃO ANTÓNIO CACHOLA

20-12-2019
marcar artigo

2 - Há (mais) uma razão para ir a Elvas, ou passar por. Em Badajoz a colecção (MEIAC) é ibero-americana (estremenha, espanhola, portuguesa e latino-americana) e é moderna e contemporânea (com ilustres "extremenhos", como Timoteo Pérez Rubio!), mas tem uma dinâmica intermitente; em Malpartida, além da paisagem, há Vostell e artistas relacionados, cada vez menos contemporâneos como as histórias da transumância que são um dos momentos fortes da visita; em Cáceres, onde existe um precioso casco histórico, haverá a colecção internacional de Helga de Alvear. Não estamos na primeira linha, não nos enganemos. Aliás, a ideia de colecção (museu?) de arte contemporânea é um pouco esdrúxula, uma facilidade de linguagem. Pode vir a ser, com o tempo, continuando, fazendo escolhas, preenchendo lacunas, escondendo logros momentânos, revisitando curiosidades pontuais. Mas à partida é como uma biblioteca onde se juntassem só os novos livros que vão saindo. Aliás, só livros de novos autores e só portugueses.Por mais estimável que seja o propósito, um acervo de jovens artistas é uma colecção de promessas. Às vezes, talvez de achados, outras vezes de trabalhos de bons alunos. Está-se muitas vezes a confundir artistas com licenciados em arte... Museu é outra coisa. E a arte contemporânea é contemporânea por muito pouco tempo. Temos sido contemporâneos de muitas coisas diferentes e sucessivas. Iremos habituar-nos, também neste domínio, a usar e deitar fora? Coisas e pessoas.3 - Abrindo como museu, o que se apresenta em Elvas é uma exposição, à qual se chama colecção: "Colecção António Cachola: Uma Colecção em Progresso – Parte I", no Museu de Arte Contemporânea de Elvas, o MACE. Uma escolha da colecção, mas não, certamente, uma escolha só do melhor da colecção, para que outras obras se reservem para próximas remontagens.Como as palavras voam, um jornal, o Público (Ípsilon), podia pôr assim em destaque o acontecimento triplo (Museu, colecção, exposição): "Uma colecção que cumpre a função que mais nenhuma instituição nacional cumpre: mostrar a arte mais recente que se faz por cá". Julgar-se-ia que as galerias mostram em permanência e sucessivamente a arte mais recente, e que as instituições (museus, centros de arte) deveriam usar de alguma distância cronológica (mostrar o que importa rever, exercitando e pondo à prova a escolha do que mais importa) e também a distância geográfica (o que se faz lá fora agora, quando o mercado tem grandes carências logísticas). Mas o que mais fazem e têm feito quase sempre, quase todas as instituições, é mostrar a tal arte mais recente, a que circula nas galerias - por falta de meios para fazer melhor; por ambição dos seus directores actuarem sobre a dinâmica do mercado mais efémeramente actual, já que faltam condições para mais elevados desígnios. O Público, aliás, sempre que se referiu ao museu inaugurado no CCB chamou-lhe polémico e lembrava as amplas reservas de amplos sectores do nosso pequeno mundo (?) da arte. Elvas realizou-lhe as ambições e definiu-lhe os horizontes. Tudo em bastante pequeno.4 - Colecção tem um diferente sentido quando é entendida como acervo pessoal, conjunto privado de obras, ou quando é projectada como acervo público, núcleo de peças em exposição pública. No segundo caso fica sujeita a um escrutínio que lhe exige um argumento específico, para além das acidentais circunstâncias das aquisições, e também uma estratégia de montagem, uma "lógica" que não seja só a resposta ao espaço disponível.Em Badajoz, em 1999, João Pinharanda usou no espaço vasto do MEIAC três tópicos de grande espectro para segmentar o itinerário, balizado por algumas compras que fez para a ocasião: imagens do corpo, as determinações do lugar, linguagem e decoração (esta seria uma abordagem irónica do que resta dos códigos modernistas). Em 2005, quando voltou a ser chamado para criar uma imagem pública para o coleccionador conforme com o que se julga ser um coleccionador, optou por uma distribuição aleatória.A adaptação do hospital a lugar de exposições é limitada pela configuração das galerias, que são extensas em comprimento e não favorecem a aproximação frontal às obras, e em especial aos quadros - o caso mais óbvio é a pintura de João Jacinto, em especial quando fica sujeita à iluminação de um projector lateral.Como sucedia no Reina Sofia, outro hospital, a escultura tem uma presença mais confortável. No caso de Joana Vasconcelos, com A Noiva, montada na capela, entre azulejos quase profanos, e com Wash and Go à passagem. Ou a grande árvore de João Pedro Vale, A culpa não é minha, 2003. E Ângela Ferreira, Marquise, 1993, com os seus documentos fotográficos (e ainda sem demagogias políticas). Mas José Pedro Croft acentua uma direcção de trabalho que é só decorativa, escusada.Na escadaria nobre, Jorge Molder, com três auto-retratos em sofrimento, deslocados nesse espaço de acolhimento (não de recolhimento), mais um desenho também a preto e branco de Pedro Calapez e em cima, elevada, a escultura negra de Rui Chafes - a única certa com o lugar. A cor seria bem vinda nesse espaço luminoso e Molder, que está muito bem no CCB-MCB, é excêntrico na colecção, atendendo ao seu horizonte cronológico, que cobre as aparições dos anos 80 (Sarmento estaria também fora, apesar de muito referido, talvez por hábito).O acervo exposto e o conhecido regista, a partir do final dos anos 80, algumas das aparições dessa década, e faz algumas escolhas na seguinte - não recua a promoções anteriores (Sarmento, Calhau, José de Carvalho, Barrias, Graça Morais, Palolo) nem acolhe as mutações maiores desses anos, como Paula Rego, Dacosta, etc. O horizonte da colecção é estreito. Veremos com a continuação se a prática é a de pegar e largar, quando os artistas revelados nos 80 e 90 que se confirmam com a evolução do seu trabalho se tornam artistas caros, passando a outros sucessivos jovens e prometedores artistas, ou se a colecção se sedimenta e valoriza com obras que sejam a confirmação das carreiras. Mais uma vez, uma colecção de promessas será um museu de curiosidades rapidamente relegadas para o esquecimento.Na dispersão das obras e dos artistas no itinerário expositivo há peças para diferentes critérios, peças que já consumiram a sua curiosidade inicial, peças que resistem, acertos e desacertos (a Ala Norte de Cabrita Reis, tem uns 11,6 metros que são excessivos para o espaço de que dispõe). É, em vez de um museu, mais do que uma colecção, uma mostra colectiva guiada pelo gosto do comissário, pelas suas afinidades e anteriores apostas. Fica a convicção que a montagem mais acertada mostraria em sucessivos núcleos as várias obras de alguns artistas (aqui aparecem em pontos diferentes, isoladamente). Menos artistas com mais obras cada. Esse é um dos méritos da colecção (ter acompanhado já alguns artistas em diferentes momentos). Mas essa montagem escolhida esgotaria talvez as disponibilidades do acervo.

2 - Há (mais) uma razão para ir a Elvas, ou passar por. Em Badajoz a colecção (MEIAC) é ibero-americana (estremenha, espanhola, portuguesa e latino-americana) e é moderna e contemporânea (com ilustres "extremenhos", como Timoteo Pérez Rubio!), mas tem uma dinâmica intermitente; em Malpartida, além da paisagem, há Vostell e artistas relacionados, cada vez menos contemporâneos como as histórias da transumância que são um dos momentos fortes da visita; em Cáceres, onde existe um precioso casco histórico, haverá a colecção internacional de Helga de Alvear. Não estamos na primeira linha, não nos enganemos. Aliás, a ideia de colecção (museu?) de arte contemporânea é um pouco esdrúxula, uma facilidade de linguagem. Pode vir a ser, com o tempo, continuando, fazendo escolhas, preenchendo lacunas, escondendo logros momentânos, revisitando curiosidades pontuais. Mas à partida é como uma biblioteca onde se juntassem só os novos livros que vão saindo. Aliás, só livros de novos autores e só portugueses.Por mais estimável que seja o propósito, um acervo de jovens artistas é uma colecção de promessas. Às vezes, talvez de achados, outras vezes de trabalhos de bons alunos. Está-se muitas vezes a confundir artistas com licenciados em arte... Museu é outra coisa. E a arte contemporânea é contemporânea por muito pouco tempo. Temos sido contemporâneos de muitas coisas diferentes e sucessivas. Iremos habituar-nos, também neste domínio, a usar e deitar fora? Coisas e pessoas.3 - Abrindo como museu, o que se apresenta em Elvas é uma exposição, à qual se chama colecção: "Colecção António Cachola: Uma Colecção em Progresso – Parte I", no Museu de Arte Contemporânea de Elvas, o MACE. Uma escolha da colecção, mas não, certamente, uma escolha só do melhor da colecção, para que outras obras se reservem para próximas remontagens.Como as palavras voam, um jornal, o Público (Ípsilon), podia pôr assim em destaque o acontecimento triplo (Museu, colecção, exposição): "Uma colecção que cumpre a função que mais nenhuma instituição nacional cumpre: mostrar a arte mais recente que se faz por cá". Julgar-se-ia que as galerias mostram em permanência e sucessivamente a arte mais recente, e que as instituições (museus, centros de arte) deveriam usar de alguma distância cronológica (mostrar o que importa rever, exercitando e pondo à prova a escolha do que mais importa) e também a distância geográfica (o que se faz lá fora agora, quando o mercado tem grandes carências logísticas). Mas o que mais fazem e têm feito quase sempre, quase todas as instituições, é mostrar a tal arte mais recente, a que circula nas galerias - por falta de meios para fazer melhor; por ambição dos seus directores actuarem sobre a dinâmica do mercado mais efémeramente actual, já que faltam condições para mais elevados desígnios. O Público, aliás, sempre que se referiu ao museu inaugurado no CCB chamou-lhe polémico e lembrava as amplas reservas de amplos sectores do nosso pequeno mundo (?) da arte. Elvas realizou-lhe as ambições e definiu-lhe os horizontes. Tudo em bastante pequeno.4 - Colecção tem um diferente sentido quando é entendida como acervo pessoal, conjunto privado de obras, ou quando é projectada como acervo público, núcleo de peças em exposição pública. No segundo caso fica sujeita a um escrutínio que lhe exige um argumento específico, para além das acidentais circunstâncias das aquisições, e também uma estratégia de montagem, uma "lógica" que não seja só a resposta ao espaço disponível.Em Badajoz, em 1999, João Pinharanda usou no espaço vasto do MEIAC três tópicos de grande espectro para segmentar o itinerário, balizado por algumas compras que fez para a ocasião: imagens do corpo, as determinações do lugar, linguagem e decoração (esta seria uma abordagem irónica do que resta dos códigos modernistas). Em 2005, quando voltou a ser chamado para criar uma imagem pública para o coleccionador conforme com o que se julga ser um coleccionador, optou por uma distribuição aleatória.A adaptação do hospital a lugar de exposições é limitada pela configuração das galerias, que são extensas em comprimento e não favorecem a aproximação frontal às obras, e em especial aos quadros - o caso mais óbvio é a pintura de João Jacinto, em especial quando fica sujeita à iluminação de um projector lateral.Como sucedia no Reina Sofia, outro hospital, a escultura tem uma presença mais confortável. No caso de Joana Vasconcelos, com A Noiva, montada na capela, entre azulejos quase profanos, e com Wash and Go à passagem. Ou a grande árvore de João Pedro Vale, A culpa não é minha, 2003. E Ângela Ferreira, Marquise, 1993, com os seus documentos fotográficos (e ainda sem demagogias políticas). Mas José Pedro Croft acentua uma direcção de trabalho que é só decorativa, escusada.Na escadaria nobre, Jorge Molder, com três auto-retratos em sofrimento, deslocados nesse espaço de acolhimento (não de recolhimento), mais um desenho também a preto e branco de Pedro Calapez e em cima, elevada, a escultura negra de Rui Chafes - a única certa com o lugar. A cor seria bem vinda nesse espaço luminoso e Molder, que está muito bem no CCB-MCB, é excêntrico na colecção, atendendo ao seu horizonte cronológico, que cobre as aparições dos anos 80 (Sarmento estaria também fora, apesar de muito referido, talvez por hábito).O acervo exposto e o conhecido regista, a partir do final dos anos 80, algumas das aparições dessa década, e faz algumas escolhas na seguinte - não recua a promoções anteriores (Sarmento, Calhau, José de Carvalho, Barrias, Graça Morais, Palolo) nem acolhe as mutações maiores desses anos, como Paula Rego, Dacosta, etc. O horizonte da colecção é estreito. Veremos com a continuação se a prática é a de pegar e largar, quando os artistas revelados nos 80 e 90 que se confirmam com a evolução do seu trabalho se tornam artistas caros, passando a outros sucessivos jovens e prometedores artistas, ou se a colecção se sedimenta e valoriza com obras que sejam a confirmação das carreiras. Mais uma vez, uma colecção de promessas será um museu de curiosidades rapidamente relegadas para o esquecimento.Na dispersão das obras e dos artistas no itinerário expositivo há peças para diferentes critérios, peças que já consumiram a sua curiosidade inicial, peças que resistem, acertos e desacertos (a Ala Norte de Cabrita Reis, tem uns 11,6 metros que são excessivos para o espaço de que dispõe). É, em vez de um museu, mais do que uma colecção, uma mostra colectiva guiada pelo gosto do comissário, pelas suas afinidades e anteriores apostas. Fica a convicção que a montagem mais acertada mostraria em sucessivos núcleos as várias obras de alguns artistas (aqui aparecem em pontos diferentes, isoladamente). Menos artistas com mais obras cada. Esse é um dos méritos da colecção (ter acompanhado já alguns artistas em diferentes momentos). Mas essa montagem escolhida esgotaria talvez as disponibilidades do acervo.

marcar artigo