OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida

01-09-2020
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Em lugar algum.

Retrospectiva da luso-sulafricana (nascida no Moçambique colonial) Ângela Ferreira, no Museu do Chiado. Destaco duas instalações muito felizes. Na primeira, passa um filme de propaganda colonial que retratava, antes de 1975, Moçambique como um paraíso "multiracial", à boa maneira do tardo-colonialismo português. Atrás, numa vitrine, peças de Rafael Bordalo Pinheiro (epítome da sátira política portuguesa) retratando a prisão e humilhação de Gungunhana, esse símbolo da vitória portuguesa sobre os "pretos bárbaros". Na sala adjacente, uma mesa de madeira trabalhada, representando o valor acrescentado da arte/mercadoria europeia, está lado a lado com três grossos troncos de madeira - a matéria-prima extraída de África. Excelente comentário ao colonialismo. Altamente aconselhável ao ministro Paulo Portas e aos nostálgicos do colonialismo que, todos os anos pelo Natal (e este não foi excepção), editam grossos álbuns com postais da Angola colonial ou "vistas de Lourenço Marques"....

Na segunda, um vídeo, AF filma-se em pose e gestos de forcado. Cada gesto é acompanhado de sons parecidos, ao mesmo tempo, com o resfolegar do touro, com os urros de incitamento dos forcados, e com a banda sonora do sexo. Graças ao corpo feminino ocupando um papel onde normalmente se vê um corpo masculino, percebemos melhor a performance da tourada - onde o forcado e/ou o toureiro tenta seduzir o touro, para receber a sua investida e, depois, domá-lo, através da força, no caso dos forcados, através da ferida que menstrua simbolicamente o touro, no caso do toureiro.

A exposição é um ensaio (na arte contemporânea é mesmo preciso ler os catálogos...) sobre estas tensões reprimidas, latentes, por psicanalizar, e que enchem a nossa sociedade de questões irresolvidas, a saber, duas bem relevantes: o passado colonial e a sua continuação nas questões de identidade nacional, imigração, e racismo; e a óbvia desadequação das nossas potencialidades humanas face às estruturas dogmáticas de género e sexualidade. mva | 18:14|

Em lugar algum.

Retrospectiva da luso-sulafricana (nascida no Moçambique colonial) Ângela Ferreira, no Museu do Chiado. Destaco duas instalações muito felizes. Na primeira, passa um filme de propaganda colonial que retratava, antes de 1975, Moçambique como um paraíso "multiracial", à boa maneira do tardo-colonialismo português. Atrás, numa vitrine, peças de Rafael Bordalo Pinheiro (epítome da sátira política portuguesa) retratando a prisão e humilhação de Gungunhana, esse símbolo da vitória portuguesa sobre os "pretos bárbaros". Na sala adjacente, uma mesa de madeira trabalhada, representando o valor acrescentado da arte/mercadoria europeia, está lado a lado com três grossos troncos de madeira - a matéria-prima extraída de África. Excelente comentário ao colonialismo. Altamente aconselhável ao ministro Paulo Portas e aos nostálgicos do colonialismo que, todos os anos pelo Natal (e este não foi excepção), editam grossos álbuns com postais da Angola colonial ou "vistas de Lourenço Marques"....

Na segunda, um vídeo, AF filma-se em pose e gestos de forcado. Cada gesto é acompanhado de sons parecidos, ao mesmo tempo, com o resfolegar do touro, com os urros de incitamento dos forcados, e com a banda sonora do sexo. Graças ao corpo feminino ocupando um papel onde normalmente se vê um corpo masculino, percebemos melhor a performance da tourada - onde o forcado e/ou o toureiro tenta seduzir o touro, para receber a sua investida e, depois, domá-lo, através da força, no caso dos forcados, através da ferida que menstrua simbolicamente o touro, no caso do toureiro.

A exposição é um ensaio (na arte contemporânea é mesmo preciso ler os catálogos...) sobre estas tensões reprimidas, latentes, por psicanalizar, e que enchem a nossa sociedade de questões irresolvidas, a saber, duas bem relevantes: o passado colonial e a sua continuação nas questões de identidade nacional, imigração, e racismo; e a óbvia desadequação das nossas potencialidades humanas face às estruturas dogmáticas de género e sexualidade. mva | 18:14|

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