O artista plástico que tem gosto em profanar o que é sagrado

08-12-2019
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Há seis anos o artista plástico João Pedro Vale adaptou a obra “Moby Dick”, de Herman Melville, numa versão pornográfica gay e apresentou-a na sala polivalente do Museu Coleção Berardo dando-lhe o nome de “Hero, Captain and Stranger”. O filme é a preto e branco, sem diálogos, todo o texto é lido por um narrador (Thomas Mckean), e a banda sonora resulta de uma interpretação com guitarra do tema instrumental “Moby Dick”, de Led Zeppelin, tocada por Pedro Gonçalves, dos Dead Combo. — Poderá ouvir um excerto da música neste episódio. As cenas de sexo foram protagonizadas por um sueco, um brasileiro e um espanhol, porque nenhum português quis participar mostrando o rosto. “Esperava que fosse mais fácil”, recorda João Pedro Vale.

Na altura os críticos dividiram-se, mas elogiaram-lhe a capacidade de desconstruir um dos maiores clássicos da literatura americana, usando excertos do texto original e dando-lhe novos significados a partir de um ponto de vista LGBT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros).

A inspiração do projeto fora um filme americano de 1937, “Captains Coureageous”, dirigido por Victor Fleming, (autor de obras como “O Feiticeiro de Oz” ou “E Tudo o Vento Levou”), que incluía a personagem Manuel, um pescador português originário da Madeira (interpretado pelo ator Spencer Tracy).

“Interessou-me pensar porque é que um filme de Hollywood daquela época a retratar a vida de pescadores portugueses não era conhecido em Portugal. Há uma sensação de apagamento, na época do Estado Novo e não havia interesse em publicitar aquele filme. E daí cheguei à obra Moby Dick. Comecei por querer falar da nossa identidade nacional, da nossa portugalidade, mas acabei a falar da minha própria sexualidade através desse clássico...”.

Estará a perguntar-se porque é que o artista, de 39 anos, partiu de um clássico da literatura para realizar uma obra com cenas de sexo? João Pedro Vale diz ter-se inspirado num estudo da teórica americana Jennifer Doyle onde ela comparava a ideia de monotonia do Moby Dick à monotonia da pornografia. Os tempos mortos e previsíveis numa embarcação de pesca comparados com as cenas monótonas da pornografia. “Em ambos os casos, sabemos como vão acabar. E fizemos um filme monótono com sexo explícito com base na obra.”

Nesta conversa tida no ateliê de João Pedro Vale, na zona de Xabregas, falou-se de outra controvérsia vivida no passado quando uma inauguração de uma obra prevista para o ‘Espaço Arte Tranquilidade’, em Lisboa, foi cancelada por razões de “homofobia”, segundo o artista. A dita exposição, intitulada “P-Town”, baseava-se numa recolha de factos históricos ocorridos na cidade norte-americana de Provincetown, onde João Pedro Vale e o seu companheiro Nuno Alexandre Ferreira estiveram em residência artística.

Uma das peças era uma ‘fanzine’ cuja capa mostra um monumento transformado em símbolo fálico. Tal como agora o artista usa a imagem do Cristo-Rei numa critica implícita à Igreja Católica. Outra obra consistia num conjunto de toalhas de praia com inscrições de frases como: ‘Legalize butt sex’ [“legalizem o sexo anal”] ou ‘AIDS is killing artists, now homophobia is killing art [“a sida está a matar os artistas, a homofobia está a matar a arte”]”. Porque é que o fizeram? Por provocação? - foi-lhe perguntado. “Usámos um símbolo da cidade de Provincetown, uma torre, e pusemos-lhe duas bolas em baixo. [A torre] por si só é um objecto fálico, mas é fálico desde antes de o termos convocado para o nosso trabalho.”

E quando lhe dizem que o seu trabalho fica demasiado limitado por se restringir à temática gay responde prontamente: “Se pensarmos numa artista como a Ângela Ferreira que há vinte anos estava a tratar com questões que tinham a ver com o colonialismo, se calhar as pessoas nessa altura não lidavam tão bem com o assunto como lidam hoje. E se calhar hoje é uma temática que é transversal a muitos artistas. (...) Esta ideia que o artista não pode dizer que é gay e que não pode trabalhar sobre a sua sexualidade porque isso o vai limitar é o mesmo que eu, como gay, não poder perceber nada de cinema porque as histórias são todas sobre heterossexuais ou baseadas na ideia de família tradicional heterossexual.”

Depois o discurso pega voo para outras paragens, desde a música, à noite como motor de inspiração até ao amor pelo companheiro Nuno Alexandre Ferreira com quem vive e trabalha. “Se pensar na minha vida sem o Nuno fico sem chão”. Para ouvir este episódio, basta clicar na seta que se encontra no topo deste texto ou descarregar no Soundcloud.

O programa “A Beleza das Pequenas Coisas” conta com música dos Budda Power Blues.

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Há seis anos o artista plástico João Pedro Vale adaptou a obra “Moby Dick”, de Herman Melville, numa versão pornográfica gay e apresentou-a na sala polivalente do Museu Coleção Berardo dando-lhe o nome de “Hero, Captain and Stranger”. O filme é a preto e branco, sem diálogos, todo o texto é lido por um narrador (Thomas Mckean), e a banda sonora resulta de uma interpretação com guitarra do tema instrumental “Moby Dick”, de Led Zeppelin, tocada por Pedro Gonçalves, dos Dead Combo. — Poderá ouvir um excerto da música neste episódio. As cenas de sexo foram protagonizadas por um sueco, um brasileiro e um espanhol, porque nenhum português quis participar mostrando o rosto. “Esperava que fosse mais fácil”, recorda João Pedro Vale.

Na altura os críticos dividiram-se, mas elogiaram-lhe a capacidade de desconstruir um dos maiores clássicos da literatura americana, usando excertos do texto original e dando-lhe novos significados a partir de um ponto de vista LGBT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros).

A inspiração do projeto fora um filme americano de 1937, “Captains Coureageous”, dirigido por Victor Fleming, (autor de obras como “O Feiticeiro de Oz” ou “E Tudo o Vento Levou”), que incluía a personagem Manuel, um pescador português originário da Madeira (interpretado pelo ator Spencer Tracy).

“Interessou-me pensar porque é que um filme de Hollywood daquela época a retratar a vida de pescadores portugueses não era conhecido em Portugal. Há uma sensação de apagamento, na época do Estado Novo e não havia interesse em publicitar aquele filme. E daí cheguei à obra Moby Dick. Comecei por querer falar da nossa identidade nacional, da nossa portugalidade, mas acabei a falar da minha própria sexualidade através desse clássico...”.

Estará a perguntar-se porque é que o artista, de 39 anos, partiu de um clássico da literatura para realizar uma obra com cenas de sexo? João Pedro Vale diz ter-se inspirado num estudo da teórica americana Jennifer Doyle onde ela comparava a ideia de monotonia do Moby Dick à monotonia da pornografia. Os tempos mortos e previsíveis numa embarcação de pesca comparados com as cenas monótonas da pornografia. “Em ambos os casos, sabemos como vão acabar. E fizemos um filme monótono com sexo explícito com base na obra.”

Nesta conversa tida no ateliê de João Pedro Vale, na zona de Xabregas, falou-se de outra controvérsia vivida no passado quando uma inauguração de uma obra prevista para o ‘Espaço Arte Tranquilidade’, em Lisboa, foi cancelada por razões de “homofobia”, segundo o artista. A dita exposição, intitulada “P-Town”, baseava-se numa recolha de factos históricos ocorridos na cidade norte-americana de Provincetown, onde João Pedro Vale e o seu companheiro Nuno Alexandre Ferreira estiveram em residência artística.

Uma das peças era uma ‘fanzine’ cuja capa mostra um monumento transformado em símbolo fálico. Tal como agora o artista usa a imagem do Cristo-Rei numa critica implícita à Igreja Católica. Outra obra consistia num conjunto de toalhas de praia com inscrições de frases como: ‘Legalize butt sex’ [“legalizem o sexo anal”] ou ‘AIDS is killing artists, now homophobia is killing art [“a sida está a matar os artistas, a homofobia está a matar a arte”]”. Porque é que o fizeram? Por provocação? - foi-lhe perguntado. “Usámos um símbolo da cidade de Provincetown, uma torre, e pusemos-lhe duas bolas em baixo. [A torre] por si só é um objecto fálico, mas é fálico desde antes de o termos convocado para o nosso trabalho.”

E quando lhe dizem que o seu trabalho fica demasiado limitado por se restringir à temática gay responde prontamente: “Se pensarmos numa artista como a Ângela Ferreira que há vinte anos estava a tratar com questões que tinham a ver com o colonialismo, se calhar as pessoas nessa altura não lidavam tão bem com o assunto como lidam hoje. E se calhar hoje é uma temática que é transversal a muitos artistas. (...) Esta ideia que o artista não pode dizer que é gay e que não pode trabalhar sobre a sua sexualidade porque isso o vai limitar é o mesmo que eu, como gay, não poder perceber nada de cinema porque as histórias são todas sobre heterossexuais ou baseadas na ideia de família tradicional heterossexual.”

Depois o discurso pega voo para outras paragens, desde a música, à noite como motor de inspiração até ao amor pelo companheiro Nuno Alexandre Ferreira com quem vive e trabalha. “Se pensar na minha vida sem o Nuno fico sem chão”. Para ouvir este episódio, basta clicar na seta que se encontra no topo deste texto ou descarregar no Soundcloud.

O programa “A Beleza das Pequenas Coisas” conta com música dos Budda Power Blues.

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