José Couto. Fabricantes de peças para carros vão despedir mil a três mil pessoas

12-10-2020
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O setor ainda cresce em Portugal mas está quase parado na Europa. O líder da AFIA antecipa cenário negro devido à quebra das vendas.

José Couto. Fabricantes de peças para carros vão despedir mil a três mil pessoas

"Diogo Ferreira Nunes e Hugo Neutel (TSF)" 14 Dezembro, 2019 • 07:00

Com 240 empresas onde trabalham quase 60 mil pessoas, a indústria de componentes automóveis tem um volume de negócios próximo dos 12 mil milhões de euros.

Depois da crise, os fabricantes recuperaram e já ultrapassaram valores anteriores a 2008 mas enfrentam o desafio das mudanças tecnológicas ligadas à descarbonização.

A Europa representa mais de 90% das vendas do setor, mas o crescimento, e em particular da Alemanha, está a abrandar. Até que ponto é que isso vai afetar os fabricantes em Portugal?

Obviamente, vai afetar a produção nacional. Portugal é um caso interessante: tem crescido a uma taxa de 7% a 8% nesta área quando a Europa no ano passado evoluiu menos de 1%. Temos aumentado a quota de mercado não só nos nossos clientes mas em toda a Europa. Mas este ganho não se vai perpetuar. O cenário europeu é de queda de produção e, embora este ano os industriais portugueses possam manter uma taxa de crescimento, para o ano haverá abrandamento significativo e a indústria deverá baixar de produção.

Isso levará ao desaparecimento de empresas e empregos?

Haverá perda de postos de trabalho. Neste ano, mantivemos os nossos 58 mil trabalhadores. A expectativa é que para o ano possa haver diminuição. Para os empresários, mandar gente embora é grave, porque há grande investimento na formação - ninguém quer prescindir dessas pessoas. Os primeiros postos de trabalho que poderão desaparecer são os menos qualificados. Haverá um esforço para manter os mais qualificados.

Consegue quantificar o número de despedimentos?

As perspetivas apontam para a perda de mil a três mil postos de trabalho no próximo ano ou nos dois seguintes. Nos próximos cinco anos, antecipa-se um forte abrandamento na Europa. Mas isso não significa que vá ter impacto em Portugal. Há muitos projetos que estão a arrancar e outros que estão a cair. É deste jogo que teremos o comportamento da indústria.

Vídeo. “Menos de 10% dos trabalhadores ganha o salário mínimo”

O cenário da indústria, a nível europeu, é de fortes vagas de despedimento. A previsão que faz para Portugal está abaixo das perspetivas para a Europa?

Na Europa, a indústria de componentes tem cinco milhões de empregos. É expectável que 10% destas pessoas estejam de saída - são 500 mil. Se os nossos clientes caírem - construtores e fornecedores de primeira linha - isso terá uma repercussão significativa. Temos apontados os 1500 postos de trabalho perdidos.

Como pode Portugal distinguir-se e ser mais competitivo do que a concorrência na Europa, na China e em Marrocos?

Portugal é competitivo na indústria automóvel, sobretudo quando cresce 7% enquanto a Europa está a zero. Tem é de ser ainda mais. Para isso, tem de responder melhor à indústria 4.0 e fazer investimentos nas áreas da automatização, informatização e Internet das Coisas (IoT). Isto é um grande esforço - as 240 empresas investem, em média, 2 mil milhões para se manterem competitivas... Vai significar fazer aumentos de investimento muito focados na indústria 4.0. Num cenário de abrandamento da economia, é um duplo esforço. As empresas de produção de componentes são bem musculadas e a indústria automóvel portuguesa está uns 20% acima da restante indústria transformadora porque há cuidado em manter a eficiência. As empresas portuguesas estão muito focadas na qualidade, mas isso não quer dizer que não possa haver problemas.

Mas há grandes desafios que a indústria automóvel portuguesa enfrenta, sobretudo nos custos de exportação e produção...

O cluster automóvel nacional divide-se entre a produção de componentes e o fabrico de carros. Os construtores têm um peso importante e, felizmente, estamos a bater recordes de produção. As empresas de componentes vendem menos do que era expectável para as fábricas em Portugal. Durante muito tempo, continuámos a crescer 7% ao ano nos componentes e os construtores não cresciam. Atualmente, temos os construtores a crescer, veja-se a Autoeuropa e a PSA Mangualde.

Autoeuropa bate recorde de produção a mês e meio do fim do ano

Não estamos muito dependentes da Autoeuropa e da PSA?

Os fabricantes de peças não estão dependentes dos construtores - os produtores de componentes só vendem cerca de 15% para dentro. Estamos é muito dependentes da Europa quando o mercado automóvel é global. Temos de ser competitivos em todos os mercados.

Como se diversifica mercados?

Há questões de logística. Vendemos para México, Brasil e Argentina mas ainda é pouco, porque há custos de logística altíssimos.

Como se pode vender mais?

Temos de falar sobre a ferrovia. Para passar os Pirenéus e chegar ao centro da Europa, gastamos muito mais dinheiro do que os concorrentes. Este esforço custa dinheiro às empresas - que os nossos clientes não pagam. Ou temos de ser competitivos ou não somos e perdemos margens. Para fazer os preços que os outros fazem, temos de nos sacrificar mais. Não é a competitividade de hoje que nos preocupa, é o futuro. Se não tivermos capacidade de ter preços para chegar ao centro da Europa, onde estão as grandes fábricas de produtores de veículos e de peças, teremos um problema de penetração nos mercados e as empresas que estão aqui rapidamente vão deslocalizar-se para locais que permitam preços melhores.

Com esses custos de transporte, como se explica que só 15% das peças feitas em Portugal fiquem cá? Não é uma oportunidade de negócio perdida?

Uma coisa é terem vontade de vender; outra, é terem vontade que nos comprem.

A outra face da moeda é que os construtores em Portugal importam 85% dos componentes.

Há muita importação e o valor acrescentado que alguns fabricantes nacionais de automóveis cá deixam é bastante baixo. Temos de alterar isso e temo-lo discutido com o cluster automóvel nacional e o Clube dos Fornecedores, para conhecer melhor os produtores e promover a sua capacitação.

Porque os construtores preferem importar a comprar cá?

Não será pelo preço - se conseguimos vender para outras fábricas da mesma empresa no centro da Europa... Pela qualidade, provavelmente também não, porque as peças chegam a todo o mundo. Quando se constrói a ideia de um carro e se valida a produção, alguém comprou antes todos os componentes e participou no desenho. Provavelmente, estivemos mal colocados nessa situação. Não temos capacidade de influenciar que componentes vão num carro porque não temos um fabricante de peças de primeira linha. Mas 98% dos carros na Europa têm pelo menos uma peça portuguesa.

Boa parte dos modelos de automóveis futuros será elétrica. As empresas portuguesas podem sofrer com isso?

Há a oportunidade e a ameaça.

Mais ameaça ou oportunidade?

Mais oportunidade. Os fabricantes portugueses fazem peças para carros a combustão ou a bateria. Somos bons nos interiores, dispositivos de segurança, eletrónica e peças decorativas. Podemos ter uma oportunidade importante porque estamos a ter uma evolução muito grande e uma resposta do mercado muito boa nas novas componentes, usando novos materiais, mais leves. Esse trabalho irá resultar para o carro a hidrogénio, elétrico ou outra solução.

Mas há peças que servem para carros a gasolina e gasóleo e outras que não.

Se estivermos a falar nos motores, sim. Mas os produtores nacionais não têm muita atividade nessa área. Somos bons nos interiores de automóveis, os dispositivos de segurança, a eletrónica e nas peças decorativas. Podemos ter uma oportunidade importante porque estamos a ter uma evolução muito grande e uma resposta do mercado muito boa nas novas componentes de automóveis, utilizando novos materiais, mais leves. Esse trabalho irá resultar para o carro a hidrogénio, elétrico ou outra solução. Temos de estar junto dos decisores.

Ainda temos muita dependência dos carros a combustão?

90% dos carros produzidos ainda usam combustíveis fósseis. Só 5% são híbridos, 3% elétricos e 2% têm outras energias. É evidente que esta tendência vai cair. Há uma pressão maior para seguir a vontade dos consumidores, que comparam os motores a combustão com as baterias. As cidades têm uma influência enorme na decisão. Do ponto de vista político, também há uma aceleração muito grande da decisão. Na semana passada, as empresas de componentes decidiram, em Bruxelas, que vão fazer um esforço para também andarem muito mais depressa na procura de soluções ambientalmente melhores.

Em vez de haver perda de empregos com a eletrificação, podemos recuperar empregos que vierem a ser perdidos?

Não é uma aritmética fácil: estamos a desacelerar nuns modelos e estão a aparecer novos. A indústria 4.0, numa primeira fase, pode diminuir o emprego; mais à frente, pode recuperar e até criar novas tarefas. Não podemos dizer se vamos ter uma queda importante.

Quão distantes estamos de um cenário de domínio da mobilidade elétrica no automóvel?

Na década de 2030, haverá um empate, a nível europeu, entre utilizadores de carros elétricos e de veículos a combustível.

Qual é o peso que o aumento do salário mínimo em 2020 vai ter nesta indústria?

A indústria de componentes tem um rendimento 20% acima da restante indústria transformadora. O salário mínimo, obviamente, tem um efeito direto sobre a distribuição do rendimento sobre as empresas. Os nossos clientes olham para a taxa horária em Portugal e ficam preocupados se damos um salto no salário mínimo e qual é a repercussão no resto dos salários.

Quantos trabalhadores ganham o salário mínimo?

Há menos de 10% dos trabalhadores nesta situação.

Uma subida do salário mínimo é comportável?

Sim mas tem efeitos. Há um efeito de arrasto nos restantes rendimentos. Mas também não podemos dizer que vai haver um aumento brutal do custo da hora de trabalho.

Portugal vai ultrapassar, pela primeira vez, a barreira dos 300 mil carros produzidos num só ano. É um recorde repetível?

As fábricas não vão estar sempre a subir. Os modelos no mercado vão começar a decair no ciclo de vida. É preciso que venha outro automóvel que substitua este. Com o restyling, talvez tenhamos mais um ano ou dois de crescimento mas não mais. Bom seria ter outro fabricante a entrar em Portugal.

Video. “Podemos construir carros, mas temos dificuldade em levá-los para a Europa”

E há essa perspetiva?

Gostava que houvesse. Há condições para termos outro construtor e seria bom para toda a indústria transformadora, mesmo a de componentes. Além de termos um peso de 7,5% sobre o PIB nacional, há ainda 2,5% a 3% sobre o resto da indústria. O efeito do setor sobre a economia do país vai para lá das empresas que estão só ligadas ao automóvel. Temos engenharia, boas empresas, boas localizações, cidades para acolher pessoas. Provavelmente, poderemos construir carros mas há dificuldade em levá-los para o resto da Europa. É o nosso maior obstáculo.

Obras prioritárias na ferrovia canceladas ou atrasadas

As novas formas de mobilidade podem afetar o setor?

É claro. Os jovens não estão interessados em ter carro. Neste ano, vai haver uma redução do consumo de automóveis. E vai cair mais. Os carros vão ter uma utilização mais intensiva (com partilha) mas vão ser produzidas menos unidades.

A massificação dos carros autónomos é algo que vamos ver nas próximas décadas ou é ficção?

Os automóveis já têm um conjunto de dispositivos integrados com inteligência artificial. Sem darmos conta, temos mais conforto a conduzir, mais segurança, os carros já tomam decisões pelo condutor. Vamos ter uma escalada de automação e de tomada de decisões pela tecnologia que vai andar muito depressa.

A alta tecnologia é uma oportunidade para os fabricantes?

Sim, temos cá três centros tecnológicos, de decisão e de construção de soluções para a Europa. As suas soluções de relacionamento de BMW e Mercedes com as infraestruturas das cidades foram definidas em Portugal. Há engenheiros nacionais nas equipas e partilha de conhecimento com as universidades.

O setor ainda cresce em Portugal mas está quase parado na Europa. O líder da AFIA antecipa cenário negro devido à quebra das vendas.

José Couto. Fabricantes de peças para carros vão despedir mil a três mil pessoas

"Diogo Ferreira Nunes e Hugo Neutel (TSF)" 14 Dezembro, 2019 • 07:00

Com 240 empresas onde trabalham quase 60 mil pessoas, a indústria de componentes automóveis tem um volume de negócios próximo dos 12 mil milhões de euros.

Depois da crise, os fabricantes recuperaram e já ultrapassaram valores anteriores a 2008 mas enfrentam o desafio das mudanças tecnológicas ligadas à descarbonização.

A Europa representa mais de 90% das vendas do setor, mas o crescimento, e em particular da Alemanha, está a abrandar. Até que ponto é que isso vai afetar os fabricantes em Portugal?

Obviamente, vai afetar a produção nacional. Portugal é um caso interessante: tem crescido a uma taxa de 7% a 8% nesta área quando a Europa no ano passado evoluiu menos de 1%. Temos aumentado a quota de mercado não só nos nossos clientes mas em toda a Europa. Mas este ganho não se vai perpetuar. O cenário europeu é de queda de produção e, embora este ano os industriais portugueses possam manter uma taxa de crescimento, para o ano haverá abrandamento significativo e a indústria deverá baixar de produção.

Isso levará ao desaparecimento de empresas e empregos?

Haverá perda de postos de trabalho. Neste ano, mantivemos os nossos 58 mil trabalhadores. A expectativa é que para o ano possa haver diminuição. Para os empresários, mandar gente embora é grave, porque há grande investimento na formação - ninguém quer prescindir dessas pessoas. Os primeiros postos de trabalho que poderão desaparecer são os menos qualificados. Haverá um esforço para manter os mais qualificados.

Consegue quantificar o número de despedimentos?

As perspetivas apontam para a perda de mil a três mil postos de trabalho no próximo ano ou nos dois seguintes. Nos próximos cinco anos, antecipa-se um forte abrandamento na Europa. Mas isso não significa que vá ter impacto em Portugal. Há muitos projetos que estão a arrancar e outros que estão a cair. É deste jogo que teremos o comportamento da indústria.

Vídeo. “Menos de 10% dos trabalhadores ganha o salário mínimo”

O cenário da indústria, a nível europeu, é de fortes vagas de despedimento. A previsão que faz para Portugal está abaixo das perspetivas para a Europa?

Na Europa, a indústria de componentes tem cinco milhões de empregos. É expectável que 10% destas pessoas estejam de saída - são 500 mil. Se os nossos clientes caírem - construtores e fornecedores de primeira linha - isso terá uma repercussão significativa. Temos apontados os 1500 postos de trabalho perdidos.

Como pode Portugal distinguir-se e ser mais competitivo do que a concorrência na Europa, na China e em Marrocos?

Portugal é competitivo na indústria automóvel, sobretudo quando cresce 7% enquanto a Europa está a zero. Tem é de ser ainda mais. Para isso, tem de responder melhor à indústria 4.0 e fazer investimentos nas áreas da automatização, informatização e Internet das Coisas (IoT). Isto é um grande esforço - as 240 empresas investem, em média, 2 mil milhões para se manterem competitivas... Vai significar fazer aumentos de investimento muito focados na indústria 4.0. Num cenário de abrandamento da economia, é um duplo esforço. As empresas de produção de componentes são bem musculadas e a indústria automóvel portuguesa está uns 20% acima da restante indústria transformadora porque há cuidado em manter a eficiência. As empresas portuguesas estão muito focadas na qualidade, mas isso não quer dizer que não possa haver problemas.

Mas há grandes desafios que a indústria automóvel portuguesa enfrenta, sobretudo nos custos de exportação e produção...

O cluster automóvel nacional divide-se entre a produção de componentes e o fabrico de carros. Os construtores têm um peso importante e, felizmente, estamos a bater recordes de produção. As empresas de componentes vendem menos do que era expectável para as fábricas em Portugal. Durante muito tempo, continuámos a crescer 7% ao ano nos componentes e os construtores não cresciam. Atualmente, temos os construtores a crescer, veja-se a Autoeuropa e a PSA Mangualde.

Autoeuropa bate recorde de produção a mês e meio do fim do ano

Não estamos muito dependentes da Autoeuropa e da PSA?

Os fabricantes de peças não estão dependentes dos construtores - os produtores de componentes só vendem cerca de 15% para dentro. Estamos é muito dependentes da Europa quando o mercado automóvel é global. Temos de ser competitivos em todos os mercados.

Como se diversifica mercados?

Há questões de logística. Vendemos para México, Brasil e Argentina mas ainda é pouco, porque há custos de logística altíssimos.

Como se pode vender mais?

Temos de falar sobre a ferrovia. Para passar os Pirenéus e chegar ao centro da Europa, gastamos muito mais dinheiro do que os concorrentes. Este esforço custa dinheiro às empresas - que os nossos clientes não pagam. Ou temos de ser competitivos ou não somos e perdemos margens. Para fazer os preços que os outros fazem, temos de nos sacrificar mais. Não é a competitividade de hoje que nos preocupa, é o futuro. Se não tivermos capacidade de ter preços para chegar ao centro da Europa, onde estão as grandes fábricas de produtores de veículos e de peças, teremos um problema de penetração nos mercados e as empresas que estão aqui rapidamente vão deslocalizar-se para locais que permitam preços melhores.

Com esses custos de transporte, como se explica que só 15% das peças feitas em Portugal fiquem cá? Não é uma oportunidade de negócio perdida?

Uma coisa é terem vontade de vender; outra, é terem vontade que nos comprem.

A outra face da moeda é que os construtores em Portugal importam 85% dos componentes.

Há muita importação e o valor acrescentado que alguns fabricantes nacionais de automóveis cá deixam é bastante baixo. Temos de alterar isso e temo-lo discutido com o cluster automóvel nacional e o Clube dos Fornecedores, para conhecer melhor os produtores e promover a sua capacitação.

Porque os construtores preferem importar a comprar cá?

Não será pelo preço - se conseguimos vender para outras fábricas da mesma empresa no centro da Europa... Pela qualidade, provavelmente também não, porque as peças chegam a todo o mundo. Quando se constrói a ideia de um carro e se valida a produção, alguém comprou antes todos os componentes e participou no desenho. Provavelmente, estivemos mal colocados nessa situação. Não temos capacidade de influenciar que componentes vão num carro porque não temos um fabricante de peças de primeira linha. Mas 98% dos carros na Europa têm pelo menos uma peça portuguesa.

Boa parte dos modelos de automóveis futuros será elétrica. As empresas portuguesas podem sofrer com isso?

Há a oportunidade e a ameaça.

Mais ameaça ou oportunidade?

Mais oportunidade. Os fabricantes portugueses fazem peças para carros a combustão ou a bateria. Somos bons nos interiores, dispositivos de segurança, eletrónica e peças decorativas. Podemos ter uma oportunidade importante porque estamos a ter uma evolução muito grande e uma resposta do mercado muito boa nas novas componentes, usando novos materiais, mais leves. Esse trabalho irá resultar para o carro a hidrogénio, elétrico ou outra solução.

Mas há peças que servem para carros a gasolina e gasóleo e outras que não.

Se estivermos a falar nos motores, sim. Mas os produtores nacionais não têm muita atividade nessa área. Somos bons nos interiores de automóveis, os dispositivos de segurança, a eletrónica e nas peças decorativas. Podemos ter uma oportunidade importante porque estamos a ter uma evolução muito grande e uma resposta do mercado muito boa nas novas componentes de automóveis, utilizando novos materiais, mais leves. Esse trabalho irá resultar para o carro a hidrogénio, elétrico ou outra solução. Temos de estar junto dos decisores.

Ainda temos muita dependência dos carros a combustão?

90% dos carros produzidos ainda usam combustíveis fósseis. Só 5% são híbridos, 3% elétricos e 2% têm outras energias. É evidente que esta tendência vai cair. Há uma pressão maior para seguir a vontade dos consumidores, que comparam os motores a combustão com as baterias. As cidades têm uma influência enorme na decisão. Do ponto de vista político, também há uma aceleração muito grande da decisão. Na semana passada, as empresas de componentes decidiram, em Bruxelas, que vão fazer um esforço para também andarem muito mais depressa na procura de soluções ambientalmente melhores.

Em vez de haver perda de empregos com a eletrificação, podemos recuperar empregos que vierem a ser perdidos?

Não é uma aritmética fácil: estamos a desacelerar nuns modelos e estão a aparecer novos. A indústria 4.0, numa primeira fase, pode diminuir o emprego; mais à frente, pode recuperar e até criar novas tarefas. Não podemos dizer se vamos ter uma queda importante.

Quão distantes estamos de um cenário de domínio da mobilidade elétrica no automóvel?

Na década de 2030, haverá um empate, a nível europeu, entre utilizadores de carros elétricos e de veículos a combustível.

Qual é o peso que o aumento do salário mínimo em 2020 vai ter nesta indústria?

A indústria de componentes tem um rendimento 20% acima da restante indústria transformadora. O salário mínimo, obviamente, tem um efeito direto sobre a distribuição do rendimento sobre as empresas. Os nossos clientes olham para a taxa horária em Portugal e ficam preocupados se damos um salto no salário mínimo e qual é a repercussão no resto dos salários.

Quantos trabalhadores ganham o salário mínimo?

Há menos de 10% dos trabalhadores nesta situação.

Uma subida do salário mínimo é comportável?

Sim mas tem efeitos. Há um efeito de arrasto nos restantes rendimentos. Mas também não podemos dizer que vai haver um aumento brutal do custo da hora de trabalho.

Portugal vai ultrapassar, pela primeira vez, a barreira dos 300 mil carros produzidos num só ano. É um recorde repetível?

As fábricas não vão estar sempre a subir. Os modelos no mercado vão começar a decair no ciclo de vida. É preciso que venha outro automóvel que substitua este. Com o restyling, talvez tenhamos mais um ano ou dois de crescimento mas não mais. Bom seria ter outro fabricante a entrar em Portugal.

Video. “Podemos construir carros, mas temos dificuldade em levá-los para a Europa”

E há essa perspetiva?

Gostava que houvesse. Há condições para termos outro construtor e seria bom para toda a indústria transformadora, mesmo a de componentes. Além de termos um peso de 7,5% sobre o PIB nacional, há ainda 2,5% a 3% sobre o resto da indústria. O efeito do setor sobre a economia do país vai para lá das empresas que estão só ligadas ao automóvel. Temos engenharia, boas empresas, boas localizações, cidades para acolher pessoas. Provavelmente, poderemos construir carros mas há dificuldade em levá-los para o resto da Europa. É o nosso maior obstáculo.

Obras prioritárias na ferrovia canceladas ou atrasadas

As novas formas de mobilidade podem afetar o setor?

É claro. Os jovens não estão interessados em ter carro. Neste ano, vai haver uma redução do consumo de automóveis. E vai cair mais. Os carros vão ter uma utilização mais intensiva (com partilha) mas vão ser produzidas menos unidades.

A massificação dos carros autónomos é algo que vamos ver nas próximas décadas ou é ficção?

Os automóveis já têm um conjunto de dispositivos integrados com inteligência artificial. Sem darmos conta, temos mais conforto a conduzir, mais segurança, os carros já tomam decisões pelo condutor. Vamos ter uma escalada de automação e de tomada de decisões pela tecnologia que vai andar muito depressa.

A alta tecnologia é uma oportunidade para os fabricantes?

Sim, temos cá três centros tecnológicos, de decisão e de construção de soluções para a Europa. As suas soluções de relacionamento de BMW e Mercedes com as infraestruturas das cidades foram definidas em Portugal. Há engenheiros nacionais nas equipas e partilha de conhecimento com as universidades.

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