Antigo presidente do Supremo teme investigação criminal com motivações políticas

09-11-2020
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Num longo texto, onde critica a atuação do Ministério Público, o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Luís Noronha Nascimento, aponta a influência das motivações políticas na gestão das investigações e deixa algumas “perplexidades” que para isso apontam, citando casos recentes em Portugal, como as escutas no processo Face Oculta.

No artigo, publicado esta quinta-feira na revista da Associação 25 de Abril, “O Referencial”, Noronha Nascimento acusa uma magistrada do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) de ter investigado ilegalmente um juíz desembargador no caso dos Vistos Gold, e defende ainda que o crime de segredo de justiça passe a ser julgado como crime de corrupção.

“Temo bem que o futuro nos traga uma surpresa desagradável: a manipulação da investigação criminal, usada como arma dissimulada de arremesso para influenciar, condicionar ou infletir as tendências políticas da sociedade, do modo que melhor aprouver a quem a usa ou a quem dela se aproveita”, começa por escrever o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Noronha Nascimento fala de um mundo em mudança, para depois chegar a Portugal, onde “a primeira vez que esta problemática ganhou corpo” diz ter sido quando o STJ teve de “validar (ou não) as tão faladas escutas telefónicas e as mensagens (sms) recolhidas no processo ‘Face Oculta’”, em que era visado o primeiro-ministro de então, José Sócrates.

“A que título escutas sem interesse algum em termos criminais, incidindo sobre conversas totalmente irrelevantes, do foro íntimo, privado e pessoal dos intervenientes não foram destruídas à partida como a lei prevê?”, questiona o autor, que a uma outra pergunta - “Qual a relevância de uma escuta destas, quiçá, em termos jornalísticos, e, quiçá, na esfera do jogo político-partidário?” – responde: “Enorme”.

“É sempre possível vender subliminarmente a mensagem de que o presidente do STJ destruiu uma escuta para favorecer um primeiro-ministro”, continua depois Noronha Nascimento.

Ainda sobre as escutas, o antigo presidente do Supremo acrescenta que “mesmo que elas contivessem o que não continham – ou seja, ordens dadas para a compra de um jornal e de um canal televisivo – não existia crime algum, ao contrário do que se quis insistentemente insinuar”.

Lembrando outro processo, o dos ‘Vistos Gold’, onde foi investigado Antero Luís, juiz desembargador, Noronha Nascimento lembra que um “inquérito criminal contra um juiz tem de ser dirigido por procurador de escalão hierárquico superior ao do juiz”, no caso, “o inquérito teria de ser dirigido pelos procuradores-gerais-adjuntos do STJ.

Não foi o que aconteceu, escreve. “O DCIAP (através da jovem procuradora-instrutora do inquérito) continuou a investigação como se fosse competente para o fazer. A procuradora-instrutora continuou o seu caminho: decretou – sem a lei lho permitir – o fim dos sigilos bancário e fiscal em relação ao desembargador e pediu ao Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA) da Polícia Judiciária (PJ) um levantamento indiciário às contas e ao património do juiz”. Finalmente, afirma o ex-presidente do STJ, “o relatório preliminar da PJ pariu um rato”, relatório esse que acabaria por nem sequer ser enviado ao Supremo quando, por fim, o processo foi transferido para a alçada da entidade competente.

Violação do segredo de justiça ou crime de corrupção?

Sobre as violações sucessivas do segredo de justiça em inquéritos criminais, e referindo-se “à existência de linhas de informação estruturadas – ainda que intermitentes – entre emissor e recetor que funcionam para factos sigilosos ou confidenciais”, Noronha do Nascimento entende estar-se “perante típicos crimes de corrupção praticados continuada e sucessivamente, durante vários anos, pela imprensa”.

“A violação do segredo de justiça é um crime ‘barato’, de pena leve que – por isso – não admite escutas; a corrupção é um crime grave que as admite”, defende o autor, para, entre várias interrogações deixar esta: será que “se quis dar guarida às violações do segredo de justiça possibilitando as opiniões de comentaristas destinadas a formatar a opinião pública o melhor possível em função de quem investigava, mesmo que a investigação não levasse a lado nenhum?”

Num último ponto, o ex-presidente do Supremo refere as duas tentativas de criminalização do enriquecimento ilícito, para criticar o que qualifica de inversão de princípios. “O que, manifestamente, se quis foi libertar o Ministério Público de uma dificuldade de raiz.” Se este “não consegue obter prova para a condenação do arguido, transfere-se essa dificuldade para o arguido a quem é indexado o encargo de provar o contrário daquilo que o Ministério Público não consegue provar”.

O texto (“Investigação criminal: o vermelho e o negro”) termina com a defesa de “uma maior jurisdicionalização da investigação criminal como, aliás, a nossa Constituição pressupõe”. “A não ser assim”, entende Noronha do Nascimento, “corremos o risco de termos, na prática, uma investigação criminal verdadeiramente dirigida segundo o princípio da oportunidade que o Poder Político sempre rejeitou”. Ou, por outras palavras, “o Ministério Público deixa de ser, apenas, o agente investigatório do crime e passa a ser, também, um parceiro privilegiado do jogo político”.

Num longo texto, onde critica a atuação do Ministério Público, o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Luís Noronha Nascimento, aponta a influência das motivações políticas na gestão das investigações e deixa algumas “perplexidades” que para isso apontam, citando casos recentes em Portugal, como as escutas no processo Face Oculta.

No artigo, publicado esta quinta-feira na revista da Associação 25 de Abril, “O Referencial”, Noronha Nascimento acusa uma magistrada do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) de ter investigado ilegalmente um juíz desembargador no caso dos Vistos Gold, e defende ainda que o crime de segredo de justiça passe a ser julgado como crime de corrupção.

“Temo bem que o futuro nos traga uma surpresa desagradável: a manipulação da investigação criminal, usada como arma dissimulada de arremesso para influenciar, condicionar ou infletir as tendências políticas da sociedade, do modo que melhor aprouver a quem a usa ou a quem dela se aproveita”, começa por escrever o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Noronha Nascimento fala de um mundo em mudança, para depois chegar a Portugal, onde “a primeira vez que esta problemática ganhou corpo” diz ter sido quando o STJ teve de “validar (ou não) as tão faladas escutas telefónicas e as mensagens (sms) recolhidas no processo ‘Face Oculta’”, em que era visado o primeiro-ministro de então, José Sócrates.

“A que título escutas sem interesse algum em termos criminais, incidindo sobre conversas totalmente irrelevantes, do foro íntimo, privado e pessoal dos intervenientes não foram destruídas à partida como a lei prevê?”, questiona o autor, que a uma outra pergunta - “Qual a relevância de uma escuta destas, quiçá, em termos jornalísticos, e, quiçá, na esfera do jogo político-partidário?” – responde: “Enorme”.

“É sempre possível vender subliminarmente a mensagem de que o presidente do STJ destruiu uma escuta para favorecer um primeiro-ministro”, continua depois Noronha Nascimento.

Ainda sobre as escutas, o antigo presidente do Supremo acrescenta que “mesmo que elas contivessem o que não continham – ou seja, ordens dadas para a compra de um jornal e de um canal televisivo – não existia crime algum, ao contrário do que se quis insistentemente insinuar”.

Lembrando outro processo, o dos ‘Vistos Gold’, onde foi investigado Antero Luís, juiz desembargador, Noronha Nascimento lembra que um “inquérito criminal contra um juiz tem de ser dirigido por procurador de escalão hierárquico superior ao do juiz”, no caso, “o inquérito teria de ser dirigido pelos procuradores-gerais-adjuntos do STJ.

Não foi o que aconteceu, escreve. “O DCIAP (através da jovem procuradora-instrutora do inquérito) continuou a investigação como se fosse competente para o fazer. A procuradora-instrutora continuou o seu caminho: decretou – sem a lei lho permitir – o fim dos sigilos bancário e fiscal em relação ao desembargador e pediu ao Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA) da Polícia Judiciária (PJ) um levantamento indiciário às contas e ao património do juiz”. Finalmente, afirma o ex-presidente do STJ, “o relatório preliminar da PJ pariu um rato”, relatório esse que acabaria por nem sequer ser enviado ao Supremo quando, por fim, o processo foi transferido para a alçada da entidade competente.

Violação do segredo de justiça ou crime de corrupção?

Sobre as violações sucessivas do segredo de justiça em inquéritos criminais, e referindo-se “à existência de linhas de informação estruturadas – ainda que intermitentes – entre emissor e recetor que funcionam para factos sigilosos ou confidenciais”, Noronha do Nascimento entende estar-se “perante típicos crimes de corrupção praticados continuada e sucessivamente, durante vários anos, pela imprensa”.

“A violação do segredo de justiça é um crime ‘barato’, de pena leve que – por isso – não admite escutas; a corrupção é um crime grave que as admite”, defende o autor, para, entre várias interrogações deixar esta: será que “se quis dar guarida às violações do segredo de justiça possibilitando as opiniões de comentaristas destinadas a formatar a opinião pública o melhor possível em função de quem investigava, mesmo que a investigação não levasse a lado nenhum?”

Num último ponto, o ex-presidente do Supremo refere as duas tentativas de criminalização do enriquecimento ilícito, para criticar o que qualifica de inversão de princípios. “O que, manifestamente, se quis foi libertar o Ministério Público de uma dificuldade de raiz.” Se este “não consegue obter prova para a condenação do arguido, transfere-se essa dificuldade para o arguido a quem é indexado o encargo de provar o contrário daquilo que o Ministério Público não consegue provar”.

O texto (“Investigação criminal: o vermelho e o negro”) termina com a defesa de “uma maior jurisdicionalização da investigação criminal como, aliás, a nossa Constituição pressupõe”. “A não ser assim”, entende Noronha do Nascimento, “corremos o risco de termos, na prática, uma investigação criminal verdadeiramente dirigida segundo o princípio da oportunidade que o Poder Político sempre rejeitou”. Ou, por outras palavras, “o Ministério Público deixa de ser, apenas, o agente investigatório do crime e passa a ser, também, um parceiro privilegiado do jogo político”.

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