A poderosa arma da EDP

29-06-2020
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O Tratado da Carta da Energia (TCE) é um daqueles bombardeamentos perpetrados por Estados contra os interesses dos cidadãos, para servirem magnanimamente os dos investidores transnacionais; ocorrem tipicamente sem conhecimento da esmagadora maioria dos cidadãos e os seus efeitos tóxicos mantêm-se por muitas e muitas décadas.

O TCE entrou em vigor em 1998; actualmente fazem parte dele cerca de 50 Estados, incluindo Portugal, e continua em expansão. Descreve-o a legislação da UE nos seguintes termos:

“O Tratado tem por objectivo estabelecer um quadro jurídico que permita promover a cooperação a longo prazo no domínio da energia, com base nos princípios enunciados na Carta Europeia da Energia. As disposições mais importantes do Tratado referem-se à protecção dos investimentos, ao comércio dos materiais e produtos energéticos, ao trânsito e à resolução dos litígios.“ (…)

E concretizando o que já deixava adivinhar: “Em caso de diferendo entre um investidor e um Estado, o investidor pode decidir submetê-lo a um processo de arbitragem internacional.”

Ora cá está ele, o tristemente famoso ISDS (sigla em inglês de Investor-State Dispute Settlement) que, de tão escandaloso, até pelo Parlamento Europeu foi recusado, assim como por mais de uma centena de juristas académicos internacionalmente reconhecidos e por numerosas organizações da sociedade civil europeia.

Ao subscreverem o TCE, os Estados aceitam uma férrea autolimitação da sua soberania para garantir a protecção do investimento estrangeiro através de um mecanismo que outorga aos investidores estrangeiros (os pindéricos dos nacionais que se arranjem) a possibilidade de processar esses mesmos Estados, num sistema de “justiça” paralela exclusiva para investidores, e exigir indemnizações astronómicas.

Ora o TCE é o tratado que mais casos ISDS já originou; uns 114, que se saiba.

É à luz do TCE e de acordos bilaterais de investimento, com as granadas que colocam nas mãos dos investidores, que se vem a perceber melhor o porquê do tanto medo que o governo português tem da EDP (além, é claro, do problema básico de “um país abdicar de controlar a sua infraestrutura energética e concedê-la às autoridades de outro Estado”).

Assim se explica o episódio da “taxa das renováveis”, no contexto da discussão do OE 2017, marcado pelo chumbo da proposta de criação de uma taxa de 30% a aplicar sobre a diferença entre o preço de mercado da electricidade e o preço actualmente garantido, a pagar pelas empresas das energias renováveis (“Contribuição Solidária para a Extinção da Dívida Tarifária do Sistema Elétrico Nacional”). A este respeito, foi invocado o caso da vizinha Espanha, que enfrenta 30 processos ISDS, ascendendo a milhares de milhões de euros.

Acontece que, em Agosto passado, um despacho assinado pelo então secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, tinha quantificado em 285 milhões de euros a alegada sobrecompensação da EDP quanto ao cálculo do coeficiente de disponibilidade verificado nas centrais que operavam em regime de CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual).

E foi por esse motivo que os accionistas da EDP sacaram da arma que o governo lhes ofereceu: contestar a decisão do Governo via ISDS – ao qual os media portugueses se referem sistematicamente, com grande deferência e completa ausência de sentido crítico e de interesse pela ampla contestação a nível internacional, como “tribunal internacional”.

Agora é aguardar notícias. Entretanto, as mexidas de António Costa nas pastas e gabinetes em relação ao sector da Energia são interessantes… Pedro Siza Vieira dispensou-se do assunto. Incompatibilidades oblige: o até agora ministro adjunto já tinha pedido escusa, nas suas funções, de intervir em assuntos relacionados com energia – foi sócio da sociedade de advogados que representa a empresa China Three Gorges, que é a maior acionista da EDP. Passada a batata quente da Energia para o Ministério do Ambiente (que passa a ser „do Ambiente e da Transição Energética)“, veremos como se posicionará João Galamba, o novo e contestado Secretário de Estado da Energia.

Segundo notícia de hoje, Mexia gostou da mudança: “a recente remodelação governamental, que fez cair o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, transitando esta pasta para o Ministério do Ambiente (e passando a Secretaria de Estado para João Galamba), parece ter tido o condão de mudar o clima entre a EDP e o Executivo. (…) “O presidente executivo da EDP, António Mexia, não se comprometeu, mas deixou a porta aberta para um “cessar-fogo” neste dossiê. O gestor afirmou que a elétrica voltará a pagar a CESE “quando todas as condições estiverem preenchidas e desde que todos mantenham a sua palavra”.

Enfim, tempos agitados, “João Galamba tem sobre a sua secretária dossiers pesados para gerir“.

E quem sofre é principalmente a pobrezinha da EDP e dos seus accionistas… mas parece que estes recebem bem na mesma.

Quanto ao governo português, enquanto lá estiverem os do costume, nunca, mas nunca, terá coragem de seguir o exemplo italiano, mandando o TCE às urtigas.

O Tratado da Carta da Energia (TCE) é um daqueles bombardeamentos perpetrados por Estados contra os interesses dos cidadãos, para servirem magnanimamente os dos investidores transnacionais; ocorrem tipicamente sem conhecimento da esmagadora maioria dos cidadãos e os seus efeitos tóxicos mantêm-se por muitas e muitas décadas.

O TCE entrou em vigor em 1998; actualmente fazem parte dele cerca de 50 Estados, incluindo Portugal, e continua em expansão. Descreve-o a legislação da UE nos seguintes termos:

“O Tratado tem por objectivo estabelecer um quadro jurídico que permita promover a cooperação a longo prazo no domínio da energia, com base nos princípios enunciados na Carta Europeia da Energia. As disposições mais importantes do Tratado referem-se à protecção dos investimentos, ao comércio dos materiais e produtos energéticos, ao trânsito e à resolução dos litígios.“ (…)

E concretizando o que já deixava adivinhar: “Em caso de diferendo entre um investidor e um Estado, o investidor pode decidir submetê-lo a um processo de arbitragem internacional.”

Ora cá está ele, o tristemente famoso ISDS (sigla em inglês de Investor-State Dispute Settlement) que, de tão escandaloso, até pelo Parlamento Europeu foi recusado, assim como por mais de uma centena de juristas académicos internacionalmente reconhecidos e por numerosas organizações da sociedade civil europeia.

Ao subscreverem o TCE, os Estados aceitam uma férrea autolimitação da sua soberania para garantir a protecção do investimento estrangeiro através de um mecanismo que outorga aos investidores estrangeiros (os pindéricos dos nacionais que se arranjem) a possibilidade de processar esses mesmos Estados, num sistema de “justiça” paralela exclusiva para investidores, e exigir indemnizações astronómicas.

Ora o TCE é o tratado que mais casos ISDS já originou; uns 114, que se saiba.

É à luz do TCE e de acordos bilaterais de investimento, com as granadas que colocam nas mãos dos investidores, que se vem a perceber melhor o porquê do tanto medo que o governo português tem da EDP (além, é claro, do problema básico de “um país abdicar de controlar a sua infraestrutura energética e concedê-la às autoridades de outro Estado”).

Assim se explica o episódio da “taxa das renováveis”, no contexto da discussão do OE 2017, marcado pelo chumbo da proposta de criação de uma taxa de 30% a aplicar sobre a diferença entre o preço de mercado da electricidade e o preço actualmente garantido, a pagar pelas empresas das energias renováveis (“Contribuição Solidária para a Extinção da Dívida Tarifária do Sistema Elétrico Nacional”). A este respeito, foi invocado o caso da vizinha Espanha, que enfrenta 30 processos ISDS, ascendendo a milhares de milhões de euros.

Acontece que, em Agosto passado, um despacho assinado pelo então secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, tinha quantificado em 285 milhões de euros a alegada sobrecompensação da EDP quanto ao cálculo do coeficiente de disponibilidade verificado nas centrais que operavam em regime de CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual).

E foi por esse motivo que os accionistas da EDP sacaram da arma que o governo lhes ofereceu: contestar a decisão do Governo via ISDS – ao qual os media portugueses se referem sistematicamente, com grande deferência e completa ausência de sentido crítico e de interesse pela ampla contestação a nível internacional, como “tribunal internacional”.

Agora é aguardar notícias. Entretanto, as mexidas de António Costa nas pastas e gabinetes em relação ao sector da Energia são interessantes… Pedro Siza Vieira dispensou-se do assunto. Incompatibilidades oblige: o até agora ministro adjunto já tinha pedido escusa, nas suas funções, de intervir em assuntos relacionados com energia – foi sócio da sociedade de advogados que representa a empresa China Three Gorges, que é a maior acionista da EDP. Passada a batata quente da Energia para o Ministério do Ambiente (que passa a ser „do Ambiente e da Transição Energética)“, veremos como se posicionará João Galamba, o novo e contestado Secretário de Estado da Energia.

Segundo notícia de hoje, Mexia gostou da mudança: “a recente remodelação governamental, que fez cair o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, transitando esta pasta para o Ministério do Ambiente (e passando a Secretaria de Estado para João Galamba), parece ter tido o condão de mudar o clima entre a EDP e o Executivo. (…) “O presidente executivo da EDP, António Mexia, não se comprometeu, mas deixou a porta aberta para um “cessar-fogo” neste dossiê. O gestor afirmou que a elétrica voltará a pagar a CESE “quando todas as condições estiverem preenchidas e desde que todos mantenham a sua palavra”.

Enfim, tempos agitados, “João Galamba tem sobre a sua secretária dossiers pesados para gerir“.

E quem sofre é principalmente a pobrezinha da EDP e dos seus accionistas… mas parece que estes recebem bem na mesma.

Quanto ao governo português, enquanto lá estiverem os do costume, nunca, mas nunca, terá coragem de seguir o exemplo italiano, mandando o TCE às urtigas.

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