Belém Livre

04-03-2020
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No meio do desconsolo geral, no meio desta crise que nos assola, no meio do pessimismo galopante que grassa por todo o lado, aparecem, de vez em quando, histórias que nos dizem que nem tudo está perdido, que a esperança não morre e que podemos ter confiança e orgulho nas instituições deste país e nos nossos governantes. A história que vou contar é uma dessas. Pode ser lida na última edição do Expresso, a páginas 22 … para quem não teve a felicidade de a ler na íntegra aqui vai um resumo.A história (presumo que seja verídica) começa em 1963 com a derrocada da cobertura da estação do Cais do Sodré onde morreu, no meio de outras 49 vítimas, um senhor que era funcionário administrativo da Emissora Nacional. Este senhor ganhava 3 600 escudos e, dois anos depois, foi atribuída (judicialmente) à sua viúva uma pensão vitalícia de 1000 escudos mensais (cerca de 28% do vencimento auferido pelo funcionário) a ser paga pela Sociedade Estoril (extinta em Janeiro de 1976), então concessionária da linha de Cascais. Com a chegada do euro a pensão passou a 4,99 € (não se esqueçam do imposto de selo) mas a CP, que entretanto tinha passado a ser a concessionária, deixou de a pagar em 2002 pois considerava não ter “qualquer obrigação legal” de o fazer. Compreende-se, uma verba desta magnitude (!) poderia provocar graves estragos nas finanças da CP. Eu consideraria a alternativa de actualizar a pensão mas os senhores da CP, sempre atentos às consequências de gastar tal exorbitância resolveram de outro modo … deixaram de pagar os 4,99 € à viúva, preservando assim a saúde financeira da empresa. Em 2007 a senhora queixa-se ao Provedor de Justiça que concorda com ela e solicita à CP a reapreciação da situação. A CP, sempre na defesa dos altos interesses da empresa e na sua luta contra o despesismo não vê “motivo para alterar a (sua) posição”. Inconformado, o Provedor põe o problema à secretária de Estado dos Transportes (agosto de 2009), Ana Paula Vitorino … esta, membro de um governo socialista e também preocupada com o défice das contas públicas é peremptória: a CP tem razão, “a entidade devedora é a Sociedade Estoril” (extinta em 1976, digo eu). Em desespero recorre-se então ao ministro das Obras Públicas (setembro de 2010), António Mendonça, esse expoente de rigor e competência (apenas dois exemplos, TGV e SCUTs, embora eu reconheça que as verbas envolvidas nestes casos não são comparáveis ao tremendo dispêndio que o pagamento de 4,99 € representa). Este determina que a CP não pode “assumir responsabilidades que não lhe são imputáveis”, sobretudo “numa conjuntura de grandes constrangimentos orçamentais e de grande exigência em rigor”. Ao ler esta parte vieram-me as lágrimas aos olhos com a emoção de ver tão nobre e firme defesa dos interesses nacionais. Termino dizendo que a Provedoria, em Janeiro de 2011, abandonou/arquivou o processo e a viúva/pensionista, que tem hoje 90 anos, mostra a intenção de continuar a luta pois, num país onde temos gente a ir ao médico aos EUA em avião privado e gestores com prémios anuais de milhões de euros, ela é das que vive, talvez, acima das suas possibilidades. (A Voz da Abita) Luís Silva Nunes


No meio do desconsolo geral, no meio desta crise que nos assola, no meio do pessimismo galopante que grassa por todo o lado, aparecem, de vez em quando, histórias que nos dizem que nem tudo está perdido, que a esperança não morre e que podemos ter confiança e orgulho nas instituições deste país e nos nossos governantes. A história que vou contar é uma dessas. Pode ser lida na última edição do Expresso, a páginas 22 … para quem não teve a felicidade de a ler na íntegra aqui vai um resumo.A história (presumo que seja verídica) começa em 1963 com a derrocada da cobertura da estação do Cais do Sodré onde morreu, no meio de outras 49 vítimas, um senhor que era funcionário administrativo da Emissora Nacional. Este senhor ganhava 3 600 escudos e, dois anos depois, foi atribuída (judicialmente) à sua viúva uma pensão vitalícia de 1000 escudos mensais (cerca de 28% do vencimento auferido pelo funcionário) a ser paga pela Sociedade Estoril (extinta em Janeiro de 1976), então concessionária da linha de Cascais. Com a chegada do euro a pensão passou a 4,99 € (não se esqueçam do imposto de selo) mas a CP, que entretanto tinha passado a ser a concessionária, deixou de a pagar em 2002 pois considerava não ter “qualquer obrigação legal” de o fazer. Compreende-se, uma verba desta magnitude (!) poderia provocar graves estragos nas finanças da CP. Eu consideraria a alternativa de actualizar a pensão mas os senhores da CP, sempre atentos às consequências de gastar tal exorbitância resolveram de outro modo … deixaram de pagar os 4,99 € à viúva, preservando assim a saúde financeira da empresa. Em 2007 a senhora queixa-se ao Provedor de Justiça que concorda com ela e solicita à CP a reapreciação da situação. A CP, sempre na defesa dos altos interesses da empresa e na sua luta contra o despesismo não vê “motivo para alterar a (sua) posição”. Inconformado, o Provedor põe o problema à secretária de Estado dos Transportes (agosto de 2009), Ana Paula Vitorino … esta, membro de um governo socialista e também preocupada com o défice das contas públicas é peremptória: a CP tem razão, “a entidade devedora é a Sociedade Estoril” (extinta em 1976, digo eu). Em desespero recorre-se então ao ministro das Obras Públicas (setembro de 2010), António Mendonça, esse expoente de rigor e competência (apenas dois exemplos, TGV e SCUTs, embora eu reconheça que as verbas envolvidas nestes casos não são comparáveis ao tremendo dispêndio que o pagamento de 4,99 € representa). Este determina que a CP não pode “assumir responsabilidades que não lhe são imputáveis”, sobretudo “numa conjuntura de grandes constrangimentos orçamentais e de grande exigência em rigor”. Ao ler esta parte vieram-me as lágrimas aos olhos com a emoção de ver tão nobre e firme defesa dos interesses nacionais. Termino dizendo que a Provedoria, em Janeiro de 2011, abandonou/arquivou o processo e a viúva/pensionista, que tem hoje 90 anos, mostra a intenção de continuar a luta pois, num país onde temos gente a ir ao médico aos EUA em avião privado e gestores com prémios anuais de milhões de euros, ela é das que vive, talvez, acima das suas possibilidades. (A Voz da Abita) Luís Silva Nunes

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