Bónus fiscal para não residentes habituais vai mudar. Valeu a pena?

15-05-2020
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Dez anos depois, o Governo, via PS, faz a primeira alteração de fundo ao regime fiscal criado para atrair estrangeiros qualificados e com elevadas remunerações ou pensões. A dupla isenção da qual beneficiavam muitos dos reformados ‘estrangeiros’ abrangidos vai acabar e é introduzida uma taxa de 10% que incide sobre a fatia do rendimento que estava até agora isento. Não vai tão longe como a esquerda exige — o fim deste regime e dos vistos dourados — mas vai na direção certa. Pelo menos o Bloco de Esquerda não deverá votar contra uma proposta que melhora o regime, mas não desistirá de apresentar a sua proposta.

Caso as alterações propostas pelo PS passem, a imposição de uma taxa de 10% tornará o regime menos competitivo, admitem fiscalistas contactados pelo Observador, mas outros reconhecem que esta evolução era inevitável. “O mundo da fiscalidade europeia mudou”, assinala Carlos Lobo, e não podemos ignorar os sinais vindos de países como a Finlândia e a Suécia, que não só manifestaram desconforto às autoridades portuguesas como denunciaram ou renegociaram os termos da convenção para evitar a dupla tributação, ao abrigo da qual este regime é aplicado.

Já o regime aplicável a profissionais de alto valor acrescentado e a quadros de grandes empresas não residentes habituais, mantém a taxa de 20% aos rendimentos obtidos em Portugal. Em 2019, até foi alargado o leque de profissões abrangidas, que passou a incluir agricultores, artesãos e operários altamente especializados, e que deixou de fora os consultores fiscais e os auditores.

O antigo secretário de Estado e atual partner da EY explicou ao Observador o contexto em foi concebido e lançado este programa em 2009, no final do primeiro Governo de José Sócrates. O país e o mundo estavam em recessão após a crise financeira. “Tínhamos de fazer alguma coisa para atrair pessoas com elevada capacidade de gerar rendimento” numa altura em que Portugal “não tinha uma grande reputação de estabilidade e segurança fiscal”.

Era uma medida “out of the box” (fora da caixa), era inovadora e disruptiva que procurava “alavancar as capacidades de atração natural do nosso país com um argumento económico, uma vantagem fiscal”. Na altura, Portugal só tributava os rendimentos gerados dentro do país e foi feita uma análise à comunidade dos não residentes que já não pagavam imposto sobre esses rendimentos. Quando se avançou com a dupla não tributação, sabia-se que não havia um grande risco de perda para o Estado porque já não havia receita.

“Outros países atraíam empresas e banca — com taxas de IRC mais baixas — resolvemos ir atrás das pessoas”, assinala Carlos Lobo. Os alvos eram dois: os profissionais altamente qualificados e com ocupação de alto valor acrescentado e indivíduos com património e pensionistas estrangeiros, ou pelo menos e nos dois casos, que não tivessem residido em Portugal nos cinco antes do pedido de adesão. Uma condição que também se aplicava a portugueses.

Perda potencial é grande, mas também há ganhos, só que não se sabe quanto valem

Os reformados, acrescenta Carlos Lobo, foram vistos como pessoas produtivas. “Não considerámos os pensionistas como como um ónus para a sociedade, mas como cidadãos valiosos” que quando vinham para Portugal compravam casa e muitos desenvolviam o seu próprio negócio, potenciado um efeito económico positivo sobretudo a nível local que todos reconhecem — os rendimentos gerados em Portugal são taxados cá — mas que é difícil de quantificar.

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E esse tem sido um dos calcanhares de Aquiles do regime que as pessoas conhecem sobretudo pelas centenas de milhões de euros de borlas fiscais dadas a alguns milhares de pensionistas do norte e centro da Europa. Por um lado, o regime é vítima do seu próprio sucesso, mas também da abordagem que a Administração Tributária dá à obrigação de divulgar os benefícios fiscais. A conta ao custo, neste caso, traduz a receita fiscal que entraria se aqueles contribuintes pagassem as taxas de IRS em vigor em Portugal. Estamos a falar de um universo de quase 30 mil beneficiários deste regime, dos quais um terço são reformados. Mas se o regime não existisse, estas pessoas viriam para Portugal?

Alguns destes contribuintes não estariam cá, certamente, e logo a receita nunca existiria. Quantos? Não é possível saber. Mas talvez o cálculo que mais permitiria validar o regime seria o da receita fiscal que entra porque estes contribuintes estão cá. Há isenção, mas também há lugar a pagamento de IRS sobre os rendimentos obtidos em Portugal, caso existam (o grupo de trabalho sobre benefícios fiscais fala em receitas anuais de 80 milhões de euros), para além do IMI e IMT sobre imóveis adquiridos, para já não falar do IVA sobre os produtos e serviços comprados.

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Esse tem sido o argumento do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Quando em dezembro António Mendonça Mendes deu uma entrevista ao Observador sublinhava que “o regime de residentes não habituais traz muita gente a Portugal e traz muita receita fiscal” em IRS, em IVA em IMI, em IMT. E face aos que acusam estes recém-chegados de pressionarem o mercado imobiliário — menos oferta, preços mais altos — o secretário de Estado defendeu que os residentes não habituais não são os responsáveis pela especulação imobiliária.

“No próximo ano vamos fazer uma avaliação deste regime com a nova metodologia para os benefícios fiscais e ficará muito claro que aquela despesa fiscal que é apresentada não é imposto que nós perdemos, é imposto que nós nunca teríamos. E que tem um retorno muito elevado”. Mendonça Mendes adiantava que o Executivo estava aberto a rever o regime, porque há “questões que faz sentido melhorar. Mas isso não pode colocar em causa uma coisa que foi absolutamente importante e determinante para o país na crise”.

Dez anos depois, o Governo, via PS, faz a primeira alteração de fundo ao regime fiscal criado para atrair estrangeiros qualificados e com elevadas remunerações ou pensões. A dupla isenção da qual beneficiavam muitos dos reformados ‘estrangeiros’ abrangidos vai acabar e é introduzida uma taxa de 10% que incide sobre a fatia do rendimento que estava até agora isento. Não vai tão longe como a esquerda exige — o fim deste regime e dos vistos dourados — mas vai na direção certa. Pelo menos o Bloco de Esquerda não deverá votar contra uma proposta que melhora o regime, mas não desistirá de apresentar a sua proposta.

Caso as alterações propostas pelo PS passem, a imposição de uma taxa de 10% tornará o regime menos competitivo, admitem fiscalistas contactados pelo Observador, mas outros reconhecem que esta evolução era inevitável. “O mundo da fiscalidade europeia mudou”, assinala Carlos Lobo, e não podemos ignorar os sinais vindos de países como a Finlândia e a Suécia, que não só manifestaram desconforto às autoridades portuguesas como denunciaram ou renegociaram os termos da convenção para evitar a dupla tributação, ao abrigo da qual este regime é aplicado.

Já o regime aplicável a profissionais de alto valor acrescentado e a quadros de grandes empresas não residentes habituais, mantém a taxa de 20% aos rendimentos obtidos em Portugal. Em 2019, até foi alargado o leque de profissões abrangidas, que passou a incluir agricultores, artesãos e operários altamente especializados, e que deixou de fora os consultores fiscais e os auditores.

O antigo secretário de Estado e atual partner da EY explicou ao Observador o contexto em foi concebido e lançado este programa em 2009, no final do primeiro Governo de José Sócrates. O país e o mundo estavam em recessão após a crise financeira. “Tínhamos de fazer alguma coisa para atrair pessoas com elevada capacidade de gerar rendimento” numa altura em que Portugal “não tinha uma grande reputação de estabilidade e segurança fiscal”.

Era uma medida “out of the box” (fora da caixa), era inovadora e disruptiva que procurava “alavancar as capacidades de atração natural do nosso país com um argumento económico, uma vantagem fiscal”. Na altura, Portugal só tributava os rendimentos gerados dentro do país e foi feita uma análise à comunidade dos não residentes que já não pagavam imposto sobre esses rendimentos. Quando se avançou com a dupla não tributação, sabia-se que não havia um grande risco de perda para o Estado porque já não havia receita.

“Outros países atraíam empresas e banca — com taxas de IRC mais baixas — resolvemos ir atrás das pessoas”, assinala Carlos Lobo. Os alvos eram dois: os profissionais altamente qualificados e com ocupação de alto valor acrescentado e indivíduos com património e pensionistas estrangeiros, ou pelo menos e nos dois casos, que não tivessem residido em Portugal nos cinco antes do pedido de adesão. Uma condição que também se aplicava a portugueses.

Perda potencial é grande, mas também há ganhos, só que não se sabe quanto valem

Os reformados, acrescenta Carlos Lobo, foram vistos como pessoas produtivas. “Não considerámos os pensionistas como como um ónus para a sociedade, mas como cidadãos valiosos” que quando vinham para Portugal compravam casa e muitos desenvolviam o seu próprio negócio, potenciado um efeito económico positivo sobretudo a nível local que todos reconhecem — os rendimentos gerados em Portugal são taxados cá — mas que é difícil de quantificar.

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E esse tem sido um dos calcanhares de Aquiles do regime que as pessoas conhecem sobretudo pelas centenas de milhões de euros de borlas fiscais dadas a alguns milhares de pensionistas do norte e centro da Europa. Por um lado, o regime é vítima do seu próprio sucesso, mas também da abordagem que a Administração Tributária dá à obrigação de divulgar os benefícios fiscais. A conta ao custo, neste caso, traduz a receita fiscal que entraria se aqueles contribuintes pagassem as taxas de IRS em vigor em Portugal. Estamos a falar de um universo de quase 30 mil beneficiários deste regime, dos quais um terço são reformados. Mas se o regime não existisse, estas pessoas viriam para Portugal?

Alguns destes contribuintes não estariam cá, certamente, e logo a receita nunca existiria. Quantos? Não é possível saber. Mas talvez o cálculo que mais permitiria validar o regime seria o da receita fiscal que entra porque estes contribuintes estão cá. Há isenção, mas também há lugar a pagamento de IRS sobre os rendimentos obtidos em Portugal, caso existam (o grupo de trabalho sobre benefícios fiscais fala em receitas anuais de 80 milhões de euros), para além do IMI e IMT sobre imóveis adquiridos, para já não falar do IVA sobre os produtos e serviços comprados.

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Esse tem sido o argumento do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Quando em dezembro António Mendonça Mendes deu uma entrevista ao Observador sublinhava que “o regime de residentes não habituais traz muita gente a Portugal e traz muita receita fiscal” em IRS, em IVA em IMI, em IMT. E face aos que acusam estes recém-chegados de pressionarem o mercado imobiliário — menos oferta, preços mais altos — o secretário de Estado defendeu que os residentes não habituais não são os responsáveis pela especulação imobiliária.

“No próximo ano vamos fazer uma avaliação deste regime com a nova metodologia para os benefícios fiscais e ficará muito claro que aquela despesa fiscal que é apresentada não é imposto que nós perdemos, é imposto que nós nunca teríamos. E que tem um retorno muito elevado”. Mendonça Mendes adiantava que o Executivo estava aberto a rever o regime, porque há “questões que faz sentido melhorar. Mas isso não pode colocar em causa uma coisa que foi absolutamente importante e determinante para o país na crise”.

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