Número de homens em licença parental triplica

28-04-2020
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Mal soube que ia ser pai, Hugo pensou em ficar em casa algum tempo com o bebé. Depois de colocar na balança o seu salário, o regime de freelancer da mulher e o custo da creche, ficou decidido que partilharia, por dois meses, a licença de parentalidade. “Foi uma mistura de vários fatores. Queria acompanhar o meu filho desde o início e era também a situação mais vantajosa a nível económico. Se a minha companheira não trabalhar, não recebe”, conta.

Há pouco mais de um ano tornou-se um dos quase 30 mil homens que ficaram em casa com os filhos enquanto as mães regressaram mais cedo ao trabalho.

De acordo com dados da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), este número mais do que triplicou desde 2009, ano em que a lei passou a dar mais um mês aos casais que partilhassem a licença, após as primeiras seis semanas que têm de ser obrigatoriamente gozadas pela mãe.

Em sete anos, o número de homens que aproveitaram o novo regime legal disparou dos 8593 para 26.329. Além da partilha da licença, 51 mil usufruíram ainda dos 10 dias facultativos que a lei confere exclusivamente ao pai e que se somam aos 15 dias úteis que são obrigados a tirar.

Ao todo, no ano passado, entre a licença partilhada, a facultativa e a obrigatória, cerca de 75 mil pais ficaram em casa a acompanhar os primeiros tempos de vida dos filhos.

“Verifica-se um aumento moderado de partilha de licença nos últimos anos. Mesmo assim, quando há descida de nascimentos, a licença partilhada continua a subir”, explica Mafalda Leitão, socióloga e autora de uma tese recente sobre homens em licença partilhada.

Cultura do ‘estar presente’

O aumento poderia ser maior se a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar fosse facilitada, mas muitas empresas ainda veem com maus olhos os homens que decidem tirar algum tempo para ficarem em casa com os filhos. Hugo, que trabalhava como consultor financeiro numa multinacional, sentiu-o na pele. “Acharam que queria ficar em casa porque não queria trabalhar.”

Enquanto no caso das mulheres o gozo da licença parental é visto como uma inevitabilidade, nos homens ainda é encarado como uma escolha. Na empresa de Hugo, “onde ninguém saía antes das 20h e não era normal sair mais cedo para ir buscar os filhos à escola ou levá-los ao médico”, o seu pedido soou a algo bizarro. Seguiu-se uma negociação complicada com a chefia, que só aceitou que o consultor, de 35 anos, gozasse o tempo que a lei permitia desde que, durante a licença, fosse “controlando” os e-mails e comparecesse a reuniões importantes.

Ainda assim, o mal-estar da situação acabou por levar à rescisão do contrato quando Hugo regressou ao trabalho. Casos como este raramente chegam às entidades oficiais. No ano passado, apenas duas empresas pediram o parecer prévio obrigatório à CITE para despedir trabalhadores em licença parental. Em ambos os casos, a Comissão pronunciou-se desfavoravelmente. No mesmo período, foram feitos 15 pedidos para despedimento de grávidas.

A socióloga Mafalda Leitão analisou a forma como as empresas encaram a ausência dos homens que ficam em casa com os filhos. “É uma questão cultural e não económica. Existe uma cultura do ‘estar presente’ e as empresas lidam mal com a ausência. É sinal de imaturidade, pois a produtividade não está ligada à quantidade”, frisa a também investigadora do Observatório das Famílias e das Políticas de Família.

Na sua tese de doutoramento, a socióloga encontrou casos como o de Hugo, em que as empresas impuseram condições aos homens que quiseram gozar a licença parental. “Há uma resistência a um direito que não está consolidado.”

Mas os obstáculos não são colocados apenas às ausências prolongadas. Nuno, 33 anos, advogado num escritório de Lisboa, teve de passar por uma batalha jurídica dentro da empresa quando quis assistir ao nascimento da filha. “Disseram-me que as mulheres não tiravam mais de dois ou três meses, sem serem pagas, e que não era hábito os pais terem direito a dias”, conta.

Apesar de cumprir um horário e responder a uma chefia, Nuno trabalha a recibos verdes e desconta para a Caixa de Previdência de Advogados, que não está sujeita ao Código do Trabalho. “Acabei por usar dias de férias que não foram pagos.”

O ambiente no escritório não mudou com o seu exemplo. Não teve colegas a segui-lo. Para isso conta a atitude hostil da chefia, que telefona nas férias e nas horas de lazer. “Dizem muitas vezes que não fomos contratados para sermos pais. Chegam a sugerir que como ganhamos acima da média devemos contratar uma empregada a tempo inteiro para tomar conta dos filhos.”

Mudar mentalidades

O papel do pai na parentalidade tem sido promovido através de políticas públicas, que incentivam a partilha das licenças, mas os especialistas alertam que isso não chega e defendem que é preciso mudar mentalidades no mercado de trabalho.

“A cultura do meio empresarial rege-se pela total disponibilidade dos trabalhadores, a quem são exigidas horas extraordinárias. A conciliação com a vida familiar é um problema”, sublinha Virgínia Ferreira, socióloga do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra.

Anália Torres, coordenadora do Centro Interdisciplinar de Estudos de Igualdade de Género, da Universidade de Lisboa, concorda. Além de subsistir a visão de que os trabalhadores “têm de estar disponíveis para tudo”, ao contrário do que acontece no norte da Europa, onde é mal visto fazer horas extraordinárias, “ainda há a perspetiva de que, quando nasce uma criança, o homem tem de trabalhar mais, porque é o provedor da família”.

Ao Expresso, a secretária de Estado da Igualdade, Rosa Monteiro, reconhece o problema e revela que o Governo está a preparar programas para sensibilizar as empresas a aceitarem o homem também como cuidador.

Mal soube que ia ser pai, Hugo pensou em ficar em casa algum tempo com o bebé. Depois de colocar na balança o seu salário, o regime de freelancer da mulher e o custo da creche, ficou decidido que partilharia, por dois meses, a licença de parentalidade. “Foi uma mistura de vários fatores. Queria acompanhar o meu filho desde o início e era também a situação mais vantajosa a nível económico. Se a minha companheira não trabalhar, não recebe”, conta.

Há pouco mais de um ano tornou-se um dos quase 30 mil homens que ficaram em casa com os filhos enquanto as mães regressaram mais cedo ao trabalho.

De acordo com dados da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), este número mais do que triplicou desde 2009, ano em que a lei passou a dar mais um mês aos casais que partilhassem a licença, após as primeiras seis semanas que têm de ser obrigatoriamente gozadas pela mãe.

Em sete anos, o número de homens que aproveitaram o novo regime legal disparou dos 8593 para 26.329. Além da partilha da licença, 51 mil usufruíram ainda dos 10 dias facultativos que a lei confere exclusivamente ao pai e que se somam aos 15 dias úteis que são obrigados a tirar.

Ao todo, no ano passado, entre a licença partilhada, a facultativa e a obrigatória, cerca de 75 mil pais ficaram em casa a acompanhar os primeiros tempos de vida dos filhos.

“Verifica-se um aumento moderado de partilha de licença nos últimos anos. Mesmo assim, quando há descida de nascimentos, a licença partilhada continua a subir”, explica Mafalda Leitão, socióloga e autora de uma tese recente sobre homens em licença partilhada.

Cultura do ‘estar presente’

O aumento poderia ser maior se a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar fosse facilitada, mas muitas empresas ainda veem com maus olhos os homens que decidem tirar algum tempo para ficarem em casa com os filhos. Hugo, que trabalhava como consultor financeiro numa multinacional, sentiu-o na pele. “Acharam que queria ficar em casa porque não queria trabalhar.”

Enquanto no caso das mulheres o gozo da licença parental é visto como uma inevitabilidade, nos homens ainda é encarado como uma escolha. Na empresa de Hugo, “onde ninguém saía antes das 20h e não era normal sair mais cedo para ir buscar os filhos à escola ou levá-los ao médico”, o seu pedido soou a algo bizarro. Seguiu-se uma negociação complicada com a chefia, que só aceitou que o consultor, de 35 anos, gozasse o tempo que a lei permitia desde que, durante a licença, fosse “controlando” os e-mails e comparecesse a reuniões importantes.

Ainda assim, o mal-estar da situação acabou por levar à rescisão do contrato quando Hugo regressou ao trabalho. Casos como este raramente chegam às entidades oficiais. No ano passado, apenas duas empresas pediram o parecer prévio obrigatório à CITE para despedir trabalhadores em licença parental. Em ambos os casos, a Comissão pronunciou-se desfavoravelmente. No mesmo período, foram feitos 15 pedidos para despedimento de grávidas.

A socióloga Mafalda Leitão analisou a forma como as empresas encaram a ausência dos homens que ficam em casa com os filhos. “É uma questão cultural e não económica. Existe uma cultura do ‘estar presente’ e as empresas lidam mal com a ausência. É sinal de imaturidade, pois a produtividade não está ligada à quantidade”, frisa a também investigadora do Observatório das Famílias e das Políticas de Família.

Na sua tese de doutoramento, a socióloga encontrou casos como o de Hugo, em que as empresas impuseram condições aos homens que quiseram gozar a licença parental. “Há uma resistência a um direito que não está consolidado.”

Mas os obstáculos não são colocados apenas às ausências prolongadas. Nuno, 33 anos, advogado num escritório de Lisboa, teve de passar por uma batalha jurídica dentro da empresa quando quis assistir ao nascimento da filha. “Disseram-me que as mulheres não tiravam mais de dois ou três meses, sem serem pagas, e que não era hábito os pais terem direito a dias”, conta.

Apesar de cumprir um horário e responder a uma chefia, Nuno trabalha a recibos verdes e desconta para a Caixa de Previdência de Advogados, que não está sujeita ao Código do Trabalho. “Acabei por usar dias de férias que não foram pagos.”

O ambiente no escritório não mudou com o seu exemplo. Não teve colegas a segui-lo. Para isso conta a atitude hostil da chefia, que telefona nas férias e nas horas de lazer. “Dizem muitas vezes que não fomos contratados para sermos pais. Chegam a sugerir que como ganhamos acima da média devemos contratar uma empregada a tempo inteiro para tomar conta dos filhos.”

Mudar mentalidades

O papel do pai na parentalidade tem sido promovido através de políticas públicas, que incentivam a partilha das licenças, mas os especialistas alertam que isso não chega e defendem que é preciso mudar mentalidades no mercado de trabalho.

“A cultura do meio empresarial rege-se pela total disponibilidade dos trabalhadores, a quem são exigidas horas extraordinárias. A conciliação com a vida familiar é um problema”, sublinha Virgínia Ferreira, socióloga do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra.

Anália Torres, coordenadora do Centro Interdisciplinar de Estudos de Igualdade de Género, da Universidade de Lisboa, concorda. Além de subsistir a visão de que os trabalhadores “têm de estar disponíveis para tudo”, ao contrário do que acontece no norte da Europa, onde é mal visto fazer horas extraordinárias, “ainda há a perspetiva de que, quando nasce uma criança, o homem tem de trabalhar mais, porque é o provedor da família”.

Ao Expresso, a secretária de Estado da Igualdade, Rosa Monteiro, reconhece o problema e revela que o Governo está a preparar programas para sensibilizar as empresas a aceitarem o homem também como cuidador.

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